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Mansueto Almeida: “É preciso criar no Brasil a cultura de avaliação de resultados e de custo de oportunidade”

Os projetos voltados para se ter mais controle dos gastos públicos, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, promulgada no dia 4 de maio de 2000, têm sido uma das alternativas para solucionar problemas relacionados ao mau uso dos recursos da União. A insatisfação com o emprego indevido do dinheiro dos contribuintes é um dos pontos da agenda das manifestações de rua iniciadas em junho passado. Atento a relevância desse debate, […] Leia mais

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Instituto Millenium

Publicado em 1 de agosto de 2013 às, 12h40.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 08h55.

Mansueto Almeida

Os projetos voltados para se ter mais controle dos gastos públicos, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, promulgada no dia 4 de maio de 2000, têm sido uma das alternativas para solucionar problemas relacionados ao mau uso dos recursos da União. A insatisfação com o emprego indevido do dinheiro dos contribuintes é um dos pontos da agenda das manifestações de rua iniciadas em junho passado. Atento a relevância desse debate, o Instituto Millenium entrevistou o economista Mansueto Almeida, doutorando em Políticas Públicas no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em Cambridge, nos Estados Unidos, e membro da Diretoria de Estudos Setoriais e Inovação (Diset) no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em Brasília. De acordo com ele, o equilíbrio das finanças públicas depende da melhoria da gestão, de mudanças nas regras que influenciam o crescimento do gasto social e da definição de prioridades.

Leia a entrevista na íntegra

Instituto Millenium: A discrepância entre os gastos públicos e a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos, que sempre foi motivo de críticas no Brasil, ganhou ainda mais destaque com as manifestações populares iniciadas em junho passado. Em sua opinião, o que deve ser feito para equilibrar os gastos do governo?
Mansueto Almeida: Aqui há pelo menos três problemas. Primeiro, o Brasil já tem uma carga tributária muito elevada, em torno de 36% do PIB, que é um valor muito alto para o nosso nível de desenvolvimento. Assim, não há mais como tentar melhorar a oferta de serviços públicos com aumento do gasto público, o que exigiria uma maior arrecadação. O debate sobre como aumentar a oferta e a qualidade dos serviços públicos terá que se concentrar no aumento da eficiência do gasto e na modificação do mix da despesa pública.

Segundo, no âmbito do governo federal, conseguimos explicar 85% do crescimento da despesa não financeira desde 1999 apenas com o aumento das transferências de renda via INSS, seguro desemprego, abono salarial, bolsa família e benefícios aos idosos e pessoas com deficiência (LOAS). Esses gastos representam mais de 50% da despesa não financeira do governo federal. Não há mais como continuar fazendo mais do mesmo. O próximo governo terá que mostrar para a sociedade que é preciso fazer escolhas, priorizar os programas sociais mais baratos e mais eficazes no combate à desigualdade de renda.

Terceiro, um choque de gestão é bem vindo, mas não será suficiente para controlar o gasto do governo. No âmbito dos estados e municípios, um choque de gestão pode até resultar em ganhos maiores do que no governo federal porque a estrutura de gastos dos entes subnacionais é mais em gasto finalístico (saúde, educação, segurança pública, transporte etc) do que em transferências. Mas mesmo aqui serão necessárias mudanças legais.

Em resumo, a agenda de controle do gasto público requer, além do esforço, sempre necessário de melhorar gestão, mudanças de regra que influenciam o crescimento do gasto social e a definição de prioridades. É uma agenda de governo e não para um ou dois anos.

Imil: Qual é o papel de regras como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para tornar a gestão dos recursos nacionais mais eficiente, isto é, qual é o impacto dessas normas no dia-a-dia e na gestão do dinheiro público?
Almeida: A LRF foi positiva em vários aspectos como, por exemplo, o princípio de que para cada novo gasto de caráter continuado o governo tem que definir antes que a fonte receita existe, o controle do nível de endividamento dos estados e municípios, o limite para gastos com pessoal etc. No entanto, há vários pontos da LRF que precisam de aperfeiçoamento. Cito três. Primeiro, na época da LRF a preocupação maior era com o controle da despesa e com a transparência dos gastos fiscais. Assim, a LRF não avançou muito na questão de eficiência do gasto, que é um dos desafios mais imediatos no debate fiscal hoje. No Brasil, se faz pouca avaliação das políticas públicas e vários subsídios e renúncias de receitas não são adequadamente discutidas no processo orçamentário.

Segundo, a LRF deixou uma brecha para o gasto do governo federal com políticas setoriais. Como falei, a LRF exige que para cada novo gasto de caráter continuado o governo identifique a fonte de receita. Mas, essa mesma exigência não vale, por exemplo, para gastos de investimento ou para empréstimos para bancos públicos. Assim, se o governo quiser financiar 100% dois ou três trens de alta velocidade ele pode simplesmente aumentar a divida e mandar os recursos para o BNDES. Não há controle na LRF sobre esse tipo de operação e como até hoje o Senado não definiu um teto para o endividamento do governo federal, o governo tem carta branca para aumentar seu endividamento e emprestar para bancos públicos. Em 2007, os empréstimos do Tesouro Nacional para bancos públicos eram de R$ 14 bilhões (0,4% do PIB). Em junho de 2013, esse saldo havia crescido para R$ 438,7 bilhões (9,6% do PIB).

Terceiro, o Art. 67 da LRF faz previsão da criação de um conselho de gestão fiscal que seria o corpo técnico responsável pela normatização de conceitos, disseminação de práticas de eficiência do gasto público, divulgação de análises, diagnósticos etc. Se esse conselho estivesse funcionando, é bem possível que o uso crescente da contabilidade criativa não tivesse ocorrido. Mas, infelizmente, esse artigo da LRF é, por enquanto, letra morta. A LRF já tem mais de uma década e até hoje o conselho gestão fiscal não foi criado.

Clique e leia a entrevista na íntegra