Iniciativas inovadoras requerem inovação
Os empreendimentos ambientais precisam evoluir em várias frentes para que alcancem efetivamente o lugar que merecem
Publicado em 14 de agosto de 2024 às, 15h55.
Recentemente ganhou destaque no mundo ESG uma reportagem sobre a dificuldade de uma empresa respaldada por importantes grupos econômicos em conseguir uma carta fiança para liberar o empréstimo bancário necessário ao seu projeto de restauração florestal. Uma realidade que, infelizmente, não se restringe a ela, mas a todo um conjunto de agentes interessados em desenvolver iniciativas inovadoras no país. Por não conseguirem se adequar ao que é tradicionalmente feito, essas ações muitas vezes acabam por esbarrar no conservadorismo de alguns tomadores de decisão ou não encontram amparo na regulação ou regras internas das instituições que concedem esses créditos. Isso porquê as inovações nem sempre ocorrem concomitantemente em todas as dimensões envolvidas.
Esse é sem dúvida o caso do financiamento de empreendimentos de valorização e aproveitamento econômico das unidades de conservação. Nos últimos anos, vimos crescer no país o número de empresas interessadas em desenvolver o turismo ecológico em parques naturais ou as cadeias produtivas relacionadas à produção madeireira e de produtos não madeireiros das florestas, como óleos, resinas e sementes. Além disso, diante da emergência climática, o Brasil tem atraído outros tantos empreendedores que buscam promover o reflorestamento com vistas à comercialização dos serviços gerados pela natureza, no caso, os créditos de carbono, principalmente na Amazônia.
Existem hoje alguns poucos instrumentos regulatórios e financeiros para apoiar essa agenda. Um deles é o Fundo Clima, previsto na Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei nº 12.187/2009) e gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O fundo oferece empréstimos em condições facilitadas para incentivar iniciativas voltadas à redução de emissões de gases de efeito estufa e à adaptação aos impactos das mudanças climáticas. É o caso, por exemplo, do reflorestamento de áreas degradadas, da eficiência energética, da geração de energia a partir de fontes renováveis ou da requalificação de parques urbanos, para mencionar alguns.
Além dele, em 2023 as unidades de conservação foram incluídas no rol de setores elegíveis à emissão de debêntures com incentivo fiscal, ou seja, isentas de tributação. Uma medida que aumenta a atratividade para quem toma e concede o empréstimo, ampliando as possibilidades de financiamento dos projetos ambientais, a exemplo do que já ocorria em áreas de infraestrutura tradicional como rodovias, energia e saneamento.
O desafio é que, a despeito dessa potencial oferta de recursos subsidiados, as empresas têm enfrentado dificuldades para acessá-los. No Fundo Clima, por exemplo, a ausência de um histórico de propostas semelhantes ou um regramento objetivo para avaliação dos projetos, têm acarretado conservadorismo para a concessão do benefício. Diferentemente da indústria, infraestrutura ou produção agrícola, nesse caso, não estamos a falar de um conceito de prateleira, já conhecido e consolidado. Esse conservadorismo se traduz na solicitação de inúmeros relatórios, aprovações extraordinárias junto a órgãos reguladores e diversas outras comprovações, sem contar a exigência de elevadas garantias, que, se não inviabilizam, retardam a concessão do crédito.
No caso das debêntures, além do fato de o enquadramento das unidades de conservação ser recente, novas alterações no marco regulatório no início deste ano (Decreto nº 11.964/24) acabaram por travar seu processo de emissão nos meandros da administração pública. O decreto prevê a substituição da aprovação individual de cada projeto por um procedimento mais ágil, mediante o cumprimento de regras pré-estabelecidas. O problema é que, a despeito do propósito de acelerar o processo, a definição deste regramento ficou a cargo das pastas setoriais, no caso o Ministério do Meio Ambiente, que ainda não o publicou. Por esse motivo, hoje, podemos dizer que o incentivo é teórico.
Não se está aqui a criticar os instrumentos existentes, que são fundamentais para fomentar a inovação, a viabilidade de empreendimentos relevantes para o país e impulsionar novos setores. Ao contrário. Entretanto, é importante ressaltar que se não forem articulados sistemicamente junto aos vários atores envolvidos em sua implementação, a boa intenção pode acabar ficando pelo caminho. A ausência de maior sofisticação e flexibilidade nos mecanismos de análise e concessão de crédito pode inclusive deixar o Brasil fora de todo um fluxo de recursos internacionais que poderiam ser atraídos para o desenvolvimento, proteção e restauro de nossas unidades de conservação.
Enfim, é preciso quebrar alguns paradigmas para dar escala aos inúmeros empreendimentos privados verdes que têm se diversificado e ganhado relevância na agenda dos governos e investidores. Eles contribuem para garantir novas dinâmicas sociais em territórios com baixa densidade populacional, gerar oportunidades de renda, mesmo em localidades distantes, coibindo as pressões de atividades que competem com a natureza em pé. Iniciativas inovadoras que requerem articulação e novas inovações e que, nesse caso, são, antes de tudo, uma estratégia inteligente para proteger a natureza.