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As recentes manifestações populares chamaram atenção para assuntos de interesse nacional. Os gastos públicos brasileiros estão em pauta em uma discussão que questiona a qualidade dos serviços prestados à população e à quantidade de servidores que compõe uma enorme lista de pagamentos. O Instituto Millenium entrou em contato com o economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Fernando de Holanda Barbosa, para falar um pouco sobre os gastos brasileiros. […] Leia mais

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Instituto Millenium

Publicado em 15 de julho de 2013 às, 20h06.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 08h56.

Fernando de Holanda Barbosa

As recentes manifestações populares chamaram atenção para assuntos de interesse nacional. Os gastos públicos brasileiros estão em pauta em uma discussão que questiona a qualidade dos serviços prestados à população e à quantidade de servidores que compõe uma enorme lista de pagamentos. O Instituto Millenium entrou em contato com o economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Fernando de Holanda Barbosa, para falar um pouco sobre os gastos brasileiros. Barbosa defende uma reforma administrativa do Estado, que limite a indicação de cargos políticos e dê ferramentas aos administradores públicos. Para ele, o foco do governo deve priorizar a eficiência na prestação de serviços. “O Brasil já gasta bastante dinheiro com saúde e educação. O que é necessário é aumentar a eficiência desses gastos e da gestão das escolas e hospitais públicos”, afirma. Leia a entrevista completa.

Instituto Millenium – O crescimento econômico brasileiro está em baixa na medida em que os gastos públicos têm aumento expressivo. O senhor poderia explicar se há uma relação entre esses dois fatores?
Fernando de Holanda Barbosa – Não seria correto afirmar que o crescimento econômico  está diminuindo em virtude da expansão dos gastos públicos. O crescimento brasileiro tem sido reduzido e a questão é como podemos explicar isso já que a taxa de investimentos é praticamente a mesma e a mão de obra continua crescendo. Eu acho que o que está acontecendo no Brasil é que a produtividade total dos fatores vem diminuído nos últimos anos. O desafio é aumentar essa produtividade, cujas variáveis não estão recebendo atenção. Não vejo uma relação direta com os gastos públicos.

Imil – O ministro da Fazenda anunciou cortes de gastos para alcançar a meta fiscal de 2013. Na opinião do senhor, quais deveriam ser as prioridades do governo?
Barbosa – Esse corte anunciado é um corte de vento, pois o orçamento brasileiro é autorizativo e não impositivo, ou seja, a lei autoriza o governo a gastar. Sendo assim, na hora da confecção do orçamento, as despesas são infladas sem receita suficiente para financiar os gastos. Todos os anos, o governo corta esses gastos devido ao caráter autorizativo da lei. O que o governo deve priorizar é a qualidade dos serviços públicos. O Brasil já gasta bastante dinheiro com saúde e educação. O que é necessário é aumentar a eficiência desses gastos e da gestão das escolas e hospitais públicos. Precisamos de uma verdadeira revolução de gerência do setor público brasileiro, o que eu chamaria de  reforma administrativa do Estado. O gestor público precisa estar dotado de instrumentos que possam aumentar a eficiência da gestão.

Imil – Em que proporção a expansão dos financiamentos do BNDES pesa para o aumento excessivo dos gastos públicos?
Barbosa – O governo certamente está investindo pouco. Nós precisamos limitar o crescimento dos gastos públicos, estagnar os níveis de gastos de consumo e aumentar o investimento público. O Brasil precisa investir em infraestrutura. É preciso mudar as maneiras de operação do BNDES, cuja taxa de juros é negativa. Não faz sentido que o governo, por exemplo, tome dinheiro emprestado a 8,5% de juros e repasse os recursos para o BNDES, que vai cobrar 5%, mesmo porque parte dos recursos do banco vêm do FAT, o fundo dos trabalhadores, que estão sendo remunerados abaixo da taxa de inflação. Temos que corrigir esses mecanismos para que não haja um subsídio tão grande a pessoas e empresas que poderiam pegar esse dinheiro do mercado. A taxa de juros que o BNDES deveria cobrar precisa ser baseada na própria taxa de juros paga pelo governo, usando por exemplo, a NTN-B, que é corrigida pela taxa de inflação. O Brasil precisa de uma reforma abrangente que impeça esse tipo de subsídio.

É preferível que esses recursos enviados para o BNDES sejam aplicados diretamente em infraestrutura. Em vez do banco destinar esse dinheiro a um número pequeno de empresas privadas, seria melhor que o governo usasse esse dinheiro, por exemplo, no investimento em linhas de metrô nas grandes cidades. Certamente, teríamos uma maior amplitude social.

Imil – A máquina administrativa do governo federal utiliza a mão de obra de 984.330 servidores para fazer seus 39 ministérios funcionar. Na sua opinião, cargos técnicos, no lugar de indicações meramente políticas, representariam um avanço na eficiência dos gastos?
Barbosa – Primeiramente, deve-se mudar a concepção de administração pública. Nada justifica a existência de 39 ministérios, que hoje são moedas de troca de apoio político. Devemos mudar o organograma do Estado brasileiro, pois este deveria ser pensado em função da administração pública e da qualidade de serviços. Acredito que a existência de uma lei de responsabilidade administrativa, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, seria positiva. Essa lei deveria inibir o surgimento de secretarias e ministérios, permitindo criações apenas com, por exemplo, a aprovação de mais de 50% do quórum do total de deputados e senadores.

Imil – Muitas vezes percebemos que profissionais realizam estudos técnicos e complexos para áreas como a de transportes, mas ficam submetidos a políticos sem conhecimento de questões específicas.
Barbosa – É urgente a adoção de uma reforma administrativa que diminua o número servidores e acabe com cargos de DAS, que são 25 mil. Além disso, temos que dar ao gestor público instrumentos com os quais ele realmente possa melhorar a administração. Nós deveríamos ter centros de custo para cada instituição de ensino público e para cada hospital para que a população saiba quanto custa, por exemplo, cada aluno formado nas universidades e cada paciente atendido, assim poderíamos comparar e exigir melhores resultados.

Estamos diante de um problema muito grande, tendo em vista o uso da administração em função de apoio político. Os partidos levam fatias do governo, mesmo “de porteira fechada”, como dizem. O partido ganha o ministério e todos os outros cargos são indicados pelo governo. Acredito que só ministros e secretários de Estado devessem ser indicações políticas, os demais cargos deveriam ser técnicos. O mesmo se aplica às empresas estatais e às agências de regulação. Nas instituições brasileiras existem alguns órgãos que fogem dessa prática. Não precisamos criar nada de novo, basta copiar o exemplo do Banco Central, que mantém seu quadros de funcionários e dirigentes com cargos de carreira.