Capacidade de investimento em infraestrutura: quanto dinheiro a União arrecada?
A União arrecada o suficiente para investir os R$ 221 bilhões que o país necessita por ano?
Publicado em 23 de junho de 2023 às 10h20.
Última atualização em 23 de junho de 2023 às 10h20.
No texto anterior [1], nós sugerimos que é necessário aumentar o investimento em infraestrutura em R$ 221 bilhões por ano. A União arrecada o suficiente para assumir esse investimento anual adicional?
O foco na União é relevante porque é, indiscutivelmente, o ente federativo com maior capacidade financeira.Se levantar R$ 221 bilhões for difícil para a União, será muito mais para Estados e Municípios. O gráfico a seguir mostra a composição da receita bruta da União:
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tesouro Nacional[2]e do Banco Central[3]
O gráfico dá uma noção inicial da magnitude e da evolução da arrecadação da União. Há três pontos que, em nossa visão, vale destacar.
O primeiro diz respeito à repartição das receitas da União.Parte substancial da arrecadação é transferida para outros entes federativos e para outras finalidades. A União não tem ingerência sobre esses valores.
O gráfico a seguir demonstra o quanto da arrecadação fica com a União e o quanto é repassado:
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tesouro Nacional[4]e do Banco Central[5]
Entre 2018 e 2021, cerca de 18,1% da receita total da União foi sujeita a repasses. Esse é um ponto relevante para se ter em mente ao cogitar alterações da estrutura tributária e aumentos de receitas para financiar investimentos em infraestrutura.
O segundo diz respeito à relação entre arrecadação e PIB.
A questão é simples: aumentar a carga tributária tende a reduzir o Produto Interno Bruto (PIB). Isso impacta a vida das pessoas e, após um certo ponto, pode até reduzir a arrecadação líquida [6]. Vale perguntar, então, até quanto do PIB a União consegue arrecadar.
No Brasil, cerca de 33,5% do PIB é recolhido como tributos pelos governos (incluindo Estados e Municípios). O número é bem superior à média de 21,7% da América Latina e Caribe e equivalente à média da OCDE de 34,1%., como ilustrado no gráfico a seguir [7]:
Fonte: OCDE
Note que esses 33,5% não representam apenas receita da União. Parte substancial deste montante decorre de tributos recebidos por Estados, Distrito Federal e Municípios [8].A receita líquida da União, incluindo receitas não tributárias, corresponde a cerca de 17,7% [9]do PIB.
Devemos ter os seguintes pontos em mente:
- maior PIB resulta em maior arrecadação, se mantida a carga tributária constante;
- maior carga tributária resulta em maior arrecadação, se mantido o PIB constante;
- maior carga tributária tende a resultar em menor PIB, então é necessário equilibrar os dois fatores para aumentar a arrecadação no longo prazo;
- o Brasil já apresenta uma carga tributária quase 50% maior que seus pares na América Latina e próxima à média dos países da OCDE.
O terceiro ponto diz respeito à estrutura tributária.
O problema aqui não é tanto a carga tributária em si, e sim a forma como o governo tributa. Sistemas tributários podem ser extremamente complexos. É possível tributar renda, propriedade, transações econômicas. É possível instituir benefícios tributários para certos grupos. Tributos tendem a desincentivar atividades, o que reduz arrecadação esperada. E pessoas frequentemente tendem a evitar pagar tributos, por meios lícitos e às vezes ilícitos.
Os efeitos colaterais de aumentos de tributos podem variar drasticamente de acordo com o tributo afetado. Por exemplo, aumentar contribuições sociais tende a aumentar o custo do trabalho, diminuindo o nível de emprego. Aumentar tributos sobre venda de bens e serviços pode aumentar o custo dos produtos, diminuindo o nível de consumo.
Estes três pontos nos levam às seguintes conclusões:
- Pode ser difícil para a União aumentar tributação, já que o setor público brasileiro já consome parte substancial do PIB;
- Mesmo que a União aumente tributação, o efeito sobre receitas pode ser limitado por (1) repartição de receitas com outros entes federativos e (2) efeitos colaterais de imposições de tributos
Assim, pode haver restrições ao aumento de tributação como meio de obter receita adicional para financiar investimentos.
Por outro lado, a receita atual da União é de cerca de R$ 1,8 trilhão, o que é um valor considerável. E a despesa atual? Tem como sobrar R$ 221 bilhões adicionais para infraestrutura? É o que discutiremos no próximo texto.
Breno Zaban, CFA, é advogado. Doutor em direito (UnB), mestre em administração de negócios (INSEAD) e mestre em administração pública (Harvard)
Frederico Turolla é doutor em Economia de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, Sócio-Fundador da Pezco Economics e Presidente do PSP Hub, think tank de infraestrutura e urbanismo.
Fabio Ono é economista, diretor de Mercado para Infraestrutura e Investimentos da Macroplan e Coordenador do Grupo Infra 2038. Foi Subsecretário de Planejamento da Infraestrutura Subnacional no Ministério da Economia
O grupo Infra 2038 é um movimento sem fins lucrativos iniciado em 2017, formado por mais de 100 pessoas físicas com grande experiência no setor de infraestrutura. O grupo é movido pela crença que o país precisa avançar fortemente em sua infraestrutura para garantir um aumento de produtividade que, por sua vez, trará ao Brasil uma maior competitividade internacional. Saiba mais aqui
[1] https://exame.com/colunistas/infra-2038/capacidade-de-investimento-em-infraestrutura-quanto-dinheiro-precisamos-investir-por-ano/
[2] https://www.gov.br/tesouronacional/pt-br/estatisticas-fiscais-e-planejamento/resultado-do-tesouro-nacional-rtn
[3] Dados de IGPM obtidos em https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries
[4] https://www.gov.br/tesouronacional/pt-br/estatisticas-fiscais-e-planejamento/resultado-do-tesouro-nacional-rtn
[5] Dados de IGPM obtidos em https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries
[6] Sobre o tema, vide o conceito de Curva de Laffer: https://en.wikipedia.org/wiki/Laffer_curve
[7] https://www.oecd.org/tax/tax-policy/revenue-statistics-latin-america-and-caribbean-brazil.pdf
[8] https://exame.com/economia/carga-tributaria-brasileira-atingiu-nivel-recorde-de-339-do-pib-em-2021/
[9] Média do período 2013-2022
No texto anterior [1], nós sugerimos que é necessário aumentar o investimento em infraestrutura em R$ 221 bilhões por ano. A União arrecada o suficiente para assumir esse investimento anual adicional?
O foco na União é relevante porque é, indiscutivelmente, o ente federativo com maior capacidade financeira.Se levantar R$ 221 bilhões for difícil para a União, será muito mais para Estados e Municípios. O gráfico a seguir mostra a composição da receita bruta da União:
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tesouro Nacional[2]e do Banco Central[3]
O gráfico dá uma noção inicial da magnitude e da evolução da arrecadação da União. Há três pontos que, em nossa visão, vale destacar.
O primeiro diz respeito à repartição das receitas da União.Parte substancial da arrecadação é transferida para outros entes federativos e para outras finalidades. A União não tem ingerência sobre esses valores.
O gráfico a seguir demonstra o quanto da arrecadação fica com a União e o quanto é repassado:
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tesouro Nacional[4]e do Banco Central[5]
Entre 2018 e 2021, cerca de 18,1% da receita total da União foi sujeita a repasses. Esse é um ponto relevante para se ter em mente ao cogitar alterações da estrutura tributária e aumentos de receitas para financiar investimentos em infraestrutura.
O segundo diz respeito à relação entre arrecadação e PIB.
A questão é simples: aumentar a carga tributária tende a reduzir o Produto Interno Bruto (PIB). Isso impacta a vida das pessoas e, após um certo ponto, pode até reduzir a arrecadação líquida [6]. Vale perguntar, então, até quanto do PIB a União consegue arrecadar.
No Brasil, cerca de 33,5% do PIB é recolhido como tributos pelos governos (incluindo Estados e Municípios). O número é bem superior à média de 21,7% da América Latina e Caribe e equivalente à média da OCDE de 34,1%., como ilustrado no gráfico a seguir [7]:
Fonte: OCDE
Note que esses 33,5% não representam apenas receita da União. Parte substancial deste montante decorre de tributos recebidos por Estados, Distrito Federal e Municípios [8].A receita líquida da União, incluindo receitas não tributárias, corresponde a cerca de 17,7% [9]do PIB.
Devemos ter os seguintes pontos em mente:
- maior PIB resulta em maior arrecadação, se mantida a carga tributária constante;
- maior carga tributária resulta em maior arrecadação, se mantido o PIB constante;
- maior carga tributária tende a resultar em menor PIB, então é necessário equilibrar os dois fatores para aumentar a arrecadação no longo prazo;
- o Brasil já apresenta uma carga tributária quase 50% maior que seus pares na América Latina e próxima à média dos países da OCDE.
O terceiro ponto diz respeito à estrutura tributária.
O problema aqui não é tanto a carga tributária em si, e sim a forma como o governo tributa. Sistemas tributários podem ser extremamente complexos. É possível tributar renda, propriedade, transações econômicas. É possível instituir benefícios tributários para certos grupos. Tributos tendem a desincentivar atividades, o que reduz arrecadação esperada. E pessoas frequentemente tendem a evitar pagar tributos, por meios lícitos e às vezes ilícitos.
Os efeitos colaterais de aumentos de tributos podem variar drasticamente de acordo com o tributo afetado. Por exemplo, aumentar contribuições sociais tende a aumentar o custo do trabalho, diminuindo o nível de emprego. Aumentar tributos sobre venda de bens e serviços pode aumentar o custo dos produtos, diminuindo o nível de consumo.
Estes três pontos nos levam às seguintes conclusões:
- Pode ser difícil para a União aumentar tributação, já que o setor público brasileiro já consome parte substancial do PIB;
- Mesmo que a União aumente tributação, o efeito sobre receitas pode ser limitado por (1) repartição de receitas com outros entes federativos e (2) efeitos colaterais de imposições de tributos
Assim, pode haver restrições ao aumento de tributação como meio de obter receita adicional para financiar investimentos.
Por outro lado, a receita atual da União é de cerca de R$ 1,8 trilhão, o que é um valor considerável. E a despesa atual? Tem como sobrar R$ 221 bilhões adicionais para infraestrutura? É o que discutiremos no próximo texto.
Breno Zaban, CFA, é advogado. Doutor em direito (UnB), mestre em administração de negócios (INSEAD) e mestre em administração pública (Harvard)
Frederico Turolla é doutor em Economia de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, Sócio-Fundador da Pezco Economics e Presidente do PSP Hub, think tank de infraestrutura e urbanismo.
Fabio Ono é economista, diretor de Mercado para Infraestrutura e Investimentos da Macroplan e Coordenador do Grupo Infra 2038. Foi Subsecretário de Planejamento da Infraestrutura Subnacional no Ministério da Economia
O grupo Infra 2038 é um movimento sem fins lucrativos iniciado em 2017, formado por mais de 100 pessoas físicas com grande experiência no setor de infraestrutura. O grupo é movido pela crença que o país precisa avançar fortemente em sua infraestrutura para garantir um aumento de produtividade que, por sua vez, trará ao Brasil uma maior competitividade internacional. Saiba mais aqui
[1] https://exame.com/colunistas/infra-2038/capacidade-de-investimento-em-infraestrutura-quanto-dinheiro-precisamos-investir-por-ano/
[2] https://www.gov.br/tesouronacional/pt-br/estatisticas-fiscais-e-planejamento/resultado-do-tesouro-nacional-rtn
[3] Dados de IGPM obtidos em https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries
[4] https://www.gov.br/tesouronacional/pt-br/estatisticas-fiscais-e-planejamento/resultado-do-tesouro-nacional-rtn
[5] Dados de IGPM obtidos em https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries
[6] Sobre o tema, vide o conceito de Curva de Laffer: https://en.wikipedia.org/wiki/Laffer_curve
[7] https://www.oecd.org/tax/tax-policy/revenue-statistics-latin-america-and-caribbean-brazil.pdf
[8] https://exame.com/economia/carga-tributaria-brasileira-atingiu-nivel-recorde-de-339-do-pib-em-2021/
[9] Média do período 2013-2022