“O ovo da serpente”: explicações econométricas para a emergência do fascismo
Vários estudiosos desenvolveram explicações sociológicas e políticas para a emergência do movimento fascista italiano, o qual, juntamente ao nazismo
Publicado em 1 de setembro de 2022 às, 21h09.
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Por Leandro S. Pongeluppe*
Outubro de 2022 marca o centenário da “marcha sobre Roma”[1], promovida pelo movimento fascista que levou Benito Mussolini ao poder na Itália. Vários estudiosos desenvolveram explicações sociológicas e políticas para a emergência do movimento fascista italiano, o qual, juntamente ao nazismo, culminaria nos embates da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945). Mais recentemente, um grupo de economistas – Daron Acemoglu, Giuseppe de Feo, Giacomo de Luca e Gianluca Russo – publicaram um artigo no Quarterly Journal of Economics[2] trazendo uma explicação econométrica para o fenômeno. Segundo os autores, “o ovo da serpente”[3] teve origem nas baixas da Primeira Guerra Mundial e em como essas baixas aumentaram o apoio popular a movimentos esquerdistas.
Em seu trabalho, os autores utilizam a técnica de análise de impacto chamada variável instrumental. Segundo eles, o número de baixas entre soldados italianos durante a Primeira Guerra Mundial serve como instrumento para explicar o aumento do apoio a movimentos de esquerda e socialistas em diversos municípios italianos na eleição de 1919. O mecanismo é bastante direto: quanto mais mortes de soldados rasos oriundos de um município, maior é o desalento da população local com sua situação socioeconômica e maior é a proporção de votos que o partido socialista recebeu nestes municípios durante o pleito de 1919, isto é, já no pós-Primeira Guerra.
O trabalho fica ainda mais interessante quando os autores relacionam o crescimento dos votos na esquerda em 1919 à emergência do movimento fascista entre 1920 e 1922. Municípios que tiveram maior proporção de votos no partido socialista em 1919 tiveram subsequentemente um maior aumento na abertura de filiais ao partido fascista entre 1920 e 1922, além de um crescimento significativo em episódios de violência política, deportação de indivíduos de origem judaica e assassinatos políticos promovidos por estes grupos fascistas entre 1920 e 1922.
Os autores descrevem os mecanismos por trás destes resultados. Segundo eles, o crescimento dos votos no partido socialista gerou temor entre latifundiários, comerciantes e em segmentos da classe média. O receio frente à pretensa “ameaça vermelha” fez com que esses grupos sociais se organizassem e promovessem uma resposta que se tornava tão mais violenta quanto maior fosse o apoio à esquerda na localidade.
Acompanhado de uma bateria de testes de robustez que consideram tanto possíveis efeitos da gripe espanhola quanto secas regionais, os autores concluem que o partido fascista italiano se beneficiou da narrativa da “ameaça comunista” para angariar apoio de setores sociais específicos. Isso levou-os à promoção de violência política e ao ganho de espaço para sua posterior tomada de poder em 1922. O texto de Acemoglu, de Feo, de Luca e Russo nos alerta para o perigo que narrativas políticas que propagam riscos e ameaças podem ter na promoção de violência e no subsequente surgimento do “ovo da serpente”.
*Leandro S. Pongeluppe é professor assistente da Wharton School, University of Pennsylvania. Especialista em avaliação de impacto socioambiental, Leandro é Ph.D. pelo departamento de gestão estratégica da Rotman School of Management, University of Toronto. Seus principais interesses de pesquisa são compreender como a gestão de organizações pode contribuir com o avanço dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.
[1] Link: https://brasilescola.uol.com.br/historiag/marcha-sobre-roma.htm
[2] Link: https://academic.oup.com/qje/article/137/2/1233/6513426?login=true
[3] Alusão ao filme homônimo de Ingmar Bergman de 1977. IMDB https://www.imdb.com/title/tt0076686/