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Morar nas grandes cidades afeta os ganhos salariais ao longo da vida?

A preferência de empresas por ficar em centros urbanos, mesmo com maiores custos, sugere que há vantagens produtivas envolvidas nessa escolha

A preferência de empresas por ficar em centros urbanos, mesmo com maiores custos, sugere que há vantagens produtivas envolvidas nessa escolha (Leandro Fonseca/Exame)
A preferência de empresas por ficar em centros urbanos, mesmo com maiores custos, sugere que há vantagens produtivas envolvidas nessa escolha (Leandro Fonseca/Exame)

O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental. 

Por Thiago Patto* 

Um fato amplamente reconhecido e bem documentado em economia é que os salários nas grandes cidades tendem a ser maiores. Se é verdade que isso é contrabalanceado pelo alto custo de vida nessas localidades, a preferência de muitas empresas por estabelecer-se em centros urbanos de grande porte, mesmo incorrendo em maiores custos com salários e aluguéis, sugere que há vantagens produtivas envolvidas nessa escolha.  

Para entender a natureza dessas vantagens, diversos estudos buscaram quantificar em que medida os salários maiores decorrem de uma mão-de-obra mais qualificada ou se o tamanho do mercado de trabalho local afeta produtividade. Uma literatura mais recente argumenta que o debate é mais complexo, apresentando evidência de que parte do que se entende por “maior qualificação” é também consequência direta de se viver nas grandes cidades. Isso porque a experiência de trabalho que se acumula nesses lugares, por ser mais valiosa, torna os indivíduos mais produtivos ao longo do tempo. 

É dentro desse contexto que se insere um dos artigos da minha tese de doutorado, “The Urban Wage Premium over the Life Cycle”. Nesse estudo, busco analisar como as grandes cidades afetam o salário de diferentes tipos de trabalhadores ao longo da vida. Diferente de trabalhos anteriores, que se baseiam em um número limitado de dados e um grupo mais restrito de áreas urbanas, meu artigo explora 140 milhões de vínculos empregatícios formais de 185 áreas urbanas brasileiras, permitindo uma investigação bastante detalhada sobre como o tamanho da cidade impacta indivíduos de diferentes idades. 

A metodologia empregada busca decompor salários individuais em diversos componentes, divididos em dois grupos. Um grupo envolve a contribuição das características individuais, ou seja, a habilidade do trabalhador. O outro grupo é composto pelos efeitos de local, isto é, a contribuição das cidades. Dentro desse grupo, é fundamental também diferenciar o que eu chamo de prêmio estático dos efeitos dinâmicos. O primeiro consiste no ganho imediato (ou perda imediata) de produtividade que ocorre ao se mudar de uma cidade para outra e é invariante ao longo do tempo. O segundo representa o crescimento gradual de produtividade devido ao tempo de experiência adquirido em diferentes localidades, que pode variar ao longo da vida. 

Os resultados mostram que o prêmio dos efeitos dinâmicos existe e está concentrado em um tipo específico de trabalhador: jovens com ensino superior. Esses efeitos decrescem com a idade e cessam por volta dos 30 anos de idade. Isso significa que, para esse grupo de indivíduos, estar em uma cidade grande significa não apenas maiores salários, mas também maior crescimento salarial. Vale ressaltar que esse resultado contrasta com estimativas do prêmio estático, que variam pouco entre indivíduos com e sem ensino superior. 

E quais as implicações desses achados? Em primeiro lugar, nossos exercícios quantitativos indicam que os efeitos dinâmicos explicam metade da variação salarial por tamanho de cidade que se observa nos dados entre trabalhadores com ensino superior. Mais do que isso, a forma assimétrica como esses efeitos incidem explica majoritariamente porque a diferença salarial entre indivíduos com e sem ensino superior é tão acentuada nas grandes cidades. Embora outros artigos já tenham estudado a relação entre tamanho da cidade e diferenças salariais entre grupos que cursaram e não cursaram faculdade, meu artigo é o primeiro a relacionar esse fato com as diferentes dinâmicas salariais envolvidas.  

E as diferenças de habilidade? Nas cidades grandes, os trabalhadores são mais qualificados? Em primeiro lugar, é necessário apontar que a fração de pessoas com ensino superior nas grandes cidades tende a ser maior. Mas dentro dos grupos educacionais não há diferenças. O que existe, conforme mencionado no começo do texto, é a maior qualificação advinda da experiência nas grandes cidades, que incide sobre jovens com ensino superior. Em outras palavras, é o mercado de trabalho desses lugares quem “fabrica” trabalhadores mais produtivos. 

*Thiago Patto é Ph.D. em Economia pelo Insper e formado em Física pela Universidade Estadual de São Paulo. Sua pesquisa aborda temas de economia do trabalho e economia urbana, com especial foco nas decisões de localização de indivíduos e empresas.