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Seu dinheiro ajuda o clima?

As mudanças climáticas representam um risco também para os investimentos. Vários gestores de fundos já estão pensando em como proteger seu capital

Manifestação: cuidado de proteger os recursos da crise climática também está ao alcance do investidor individual (Wolfgang Rattay/Reuters)
Manifestação: cuidado de proteger os recursos da crise climática também está ao alcance do investidor individual (Wolfgang Rattay/Reuters)
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Ideias renováveis

Publicado em 28 de outubro de 2019 às, 13h19.

Última atualização em 28 de outubro de 2019 às, 13h55.

Para quem trabalha no mercado financeiro e tem dois olhos abertos, a crise climática significa que uma grande tempestade está começando a cair. A maior que a humanidade já viu. E que os gestores de fundos de investimento estão correndo por aí tentando descobrir como proteger os 70 bilhões de dólares sob sua guarda dos raios e trovões. Essa realocação de dinheiro para se garantir diante dos impactos previstos pelas mudanças climáticas em curso terá consequências para os investidores, gestores, empresas e para a sociedade em geral.

Para ajudar nessa transição do mercado financeiro no Brasil, a Sitawi, organização especializada no desenvolvimento de soluções financeiras para impacto social, lançou no dia 16 de outubro, em São Paulo, o IPC – Investidores pelo Clima. A iniciativa visa a capacitar e engajar os brasileiros na temática da descarbonização de portfólios. Atualmente, a maior parte dos investimentos brasileiros não leva em consideração a captação de carbono e os riscos socioambientais envolvidos nos negócios; apenas os rendimentos são priorizados. Carla Schuchmann, consultora sênior de finanças sustentáveis da Sitawi, diz que o IPC pretende ajudar a mudar esse quadro. Os investidores e gestores de fundos que aderirem ao IPC ganharão por uma avaliação dos seus portfólios e terão acesso a estratégias traçadas junto a uma consultoria de como aderir à descarbonização, para reduzir sua exposição à tempestade do clima.

Esse dinheiro em busca de abrigo diante da crise climática tem um papel fundamental para acelerar a transição das economias para reduzir as causas da crise climática (diminuindo emissões de carbono) e para se adaptar ao que for inevitável (preparando a infraestrutura para os novos padrões, ou para a falta de padrões, de eventos climáticos).

As mudanças climáticas, ou a crise climática, está em curso no planeta. Suas consequências incluem a intensificação e o aumento da frequência de eventos extremos destrutivos. Tempestades, secas, ressacas. A infraestrutura atual não foi construída para aguentar a transição do padrão climático que vigorou nos últimos 2.000 anos e agora virou coisa do passado. Embarcamos num mundo novo onde não há mais padrão seguro para chuvas, estiagens, mudanças de temperatura. Até mesmo as grandes nevascas no norte dos Estados Unidos e no Canadá têm relação com as mudanças no clima. São resultado de mudanças na circulação atmosférica do Ártico (causadas pelo derretimento da calota polar). Elas facilitam a saída de grandes massas que antes ficavam aprisionadas no Ártico. Todas essas transformações e essa imprevisibilidade significam mais riscos para quem administra portfolios de investimento. Ao mesmo tempo, cresce a responsabilização das empresas que trabalham com combustíveis fósseis ou têm desmatamento ilegal em suas cadeias. Porque suas atividades estão ligadas às causas da crise climática.

Um sinal do risco para os investidores foi dado pelo Federal Reserve Bank of San Francisco. Trata-se de um banco federal que cobre os estados do Alasca, Arizona, Califórnia, Havaí, Idaho, Nevada, Oregon, Utah e Washington. Em um relatório publicado no dia 17 de outubro, o banco avisa que a crise climática pode provocar desvalorização de imóveis, que é preciso parar de emprestar dinheiro para comunidades vulneráveis a inundações e que as cidades podem perder os impostos necessários para construir proteções contra a elevação do nível do mar. Um artigo de Michael Berman, ex-presidente da Associação de Bancos Hipotecadores dos Estados Unidos, também alerta para o risco de desvalorização violenta de imóveis.

Raul Pomares, fundador da empresa de gestão de investimentos americana Sonen Capital, usa um exemplo pessoal para dar uma dimensão do risco. “Imagine que os impactos do clima não poupam nem o Vale do Silício, uma das áreas com maior concentração de riqueza e tecnologia do mundo”, dele diz. “Eu passei quatro dias sem eletricidade em minha casa numa região ao norte de São Francisco por causa de um blecaute gerado pelos incêndios florestais”, conta. Os incêndios de proporções inéditas que varreram a Califórnia foram associados à estiagem recorde que atinge a costa oeste americana, um dos efeitos das mudanças climáticas em curso. “Os incêndios e o blecaute geraram bilhões de dólares de prejuízos para as distribuidoras de energia da região.”

A especialidade da Sonen é criar e aplicar soluções para medir e reduzir o risco de portfolios de investimento à crise climática. Também ajudam a dirigir investimentos para fomentar a economia de baixo carbono. Será preciso repensar os critérios de segurança e retorno financeiros dos investimentos para se adaptar à instabilidade do clima. Também para ajustar os investimentos para melhorar a infraestrutura e apoiar a mudança para uma economia mais segura, que evite os piores desastres para a sociedade e para a natureza. Isso significa reduzir as atividades que causam a crise.

“Muitos investidores acham que para investir em negócios bons para o clima é preciso ter tolerância ao risco e liquidez bastante para apostar em novas tecnologias limpas revolucionárias”, diz Pomares. “Mas existe uma carteira enorme de oportunidades de investimento tradicional que também são a favor de segurança climática”, afirma.

Essas oportunidades envolvem a modernização de centrais elétricas, promoção de eficiência em transportes, manejo de lixo e resíduos (para reduzir emissões de metano), reflorestamento, ações para evitar desmatamento. Isso sem falar em obras de adaptação como reformas na infraestrutura de cidades, estradas, portos etc. para lidar com secas e chuvas fora do padrão, além do avanço do mar.

Esse cuidado de proteger os recursos da crise climática também está ao alcance do investidor individual. “Tenho colegas que deixaram de investir em fundos que não se preocupam com o clima”, afirma Carla. “Em alguns casos, se o agente diz que parte da taxa de administração vai para projetos verdes, esses clientes mais exigentes não acham bom o bastante”, diz. Afinal, o conteúdo da carteira de investimentos continua o mesmo, sem diferenciar quem tem maior ou menor risco climático e quem está contribuindo para a economia de baixo carbono. Se preocupar com o futuro não deve ser exclusividade dos profissionais do mercado. “Investidores de grandes fundos e gestores de produtos estão pensando nisso. Cobre você também”, aconselha Carla.