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A grande oportunidade para a pecuária brasileira

Momento é único para cadeia da carne ser protagonista no cumprimento das metas climáticas do Brasil

Um dos maiores obstáculos é a adoção de boas práticas entre os pecuaristas (Marfrig/Divulgação)
Um dos maiores obstáculos é a adoção de boas práticas entre os pecuaristas (Marfrig/Divulgação)

Por Alexandre Mansur

Nos últimos meses, a pecuária brasileira entrou no foco das discussões sobre sustentabilidade. Não é por acaso. Temos um rebanho de mais de 224 milhões de cabeças de gado e somos os maiores exportadores de carne bovina do mundo, mas precisamos com urgência desassociar a cadeia da carne do desmatamento da Amazônia.

Os mercados consumidor e financeiros estão pressionando por uma mudança, como deixa claro o mais novo protocolo da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), segundo o qual os bancos vão passar a exigir dos frigoríficos da Amazônia Legal que comprovem que não compram gado de área de desmatamento ilegal para conseguir financiamento, a partir de dezembro de 2025.

Tudo isso, no entanto, também é uma oportunidade. Temos o maior rebanho comercial do mundo, extensas áreas de pastagens e ampla disponibilidade de estratégias de boas práticas agropecuárias, que permitem também ganho de produtividade e renda.

A junção desses fatores “coloca o Brasil numa posição única no que se refere ao potencial de incrementos de produtividade na pecuária atrelados a atributos socioambientais”. A conclusão é de um estudo inédito, que acaba de ser lançado pela Agroicone e pelo Partnerships for Forests (P4F) - que pode ser conferido, na íntegra, aqui.

Tão grande quanto a oportunidade, contudo, é o desafio. Um dos maiores obstáculos é a adoção de boas práticas entre os pecuaristas. Já existem vários casos de sucesso na região e eles apresentam resultados financeiros, com ganhos de produtividade comprovados. Mas adotar essas práticas depende, essencialmente, de uma decisão do produtor rural.

E esse é um público que, além de diversificado, tende a ser conservador e avesso a riscos. Por mais que os esforços dos demais elos da cadeia, como frigoríficos e varejistas, sejam necessários e bem-vindos, eles ainda têm uma capacidade limitada de influenciar nesse processo.

O relatório mostra que, mesmo com o crescimento dos programas de financiamento de investimento para fins de sustentabilidade e uma maior rede de incentivos devido à evolução institucional e do ambiente de negócios sustentáveis, ainda existe uma barreira de acesso do produtor rural a esses instrumentos.

Além disso, há  uma  dispersão entre os atores (instituições de pesquisa, associações e sindicatos, prestadores de serviços, frigoríficos, governos, varejistas, etc.), que não atuam de forma conectada. Uma maior coordenação entre esses elos da cadeia é, portanto, uma das formas de impulsionar a pecuária sustentável no Brasil.

Mas não é a única. Entre as estratégias sugeridas no relatório está a focalização de esforços para a construção de incentivos, tanto públicos quanto privados, que alterem o processo decisório, fomentando o ambiente de negócios sustentáveis na dinâmica produtiva da pecuária de corte brasileira.

Além dos próprios compromissos dos bancos em monitorar a conformidade socioambiental, esses novos recursos podem ser direcionados para o fomento de modelos de negócios agregadores, como os modelos de cessão da operação agrícola (quando, por meio de contrato, o produtor cede a operação da fazenda por um determinado período). “Podem ainda ser fundamentais no processo de diferenciação de produtores, premiando com melhores condições de financiamento aqueles que adotam melhores práticas e são mais sustentáveis”, diz o texto do relatório.

O trabalho destaca ainda outro ponto fundamental. É importante ter iniciativas para falar diretamente com os criadores de gado e todo mundo envolvido na atividade em cada região. Será necessário criar ações que conversem com os produtores, ouçam suas dúvidas, ajudem o pecuarista a entender as vantagens em se regularizar ambientalmente, ou aumentar a produtividade, reduzindo a necessidade de abrir novas áreas.

“Essa atuação no território é ainda mais preponderante para o monitoramento e rastreabilidade. É necessário entender a solução de uso da Guia de Trânsito Animal (GTA) como complementar às soluções de rastreabilidade individual, única estratégia capaz de trazer luz à questão do monitoramento do desmatamento”, destaca Leila Harfuch, coordenadora do trabalho e sócia-gerente da Agroicone.

Segundo a pesquisadora, conferir valor às informações socioeconômicas e produtivas de cada propriedade num sistema de rastreabilidade individual poderia ser uma solução. “Isso seria empacotado numa política nacional de rastreabilidade individual, tudo isso de forma coordenada e compartilhada com os demais elos da cadeia. O entendimento de uma política nacional não significa que ela será destinada a todo o território, e sim para aquelas regiões com maior risco socioambiental”, explica. Por fim, mas não menos importante, ela lembra que os instrumentos de comando e controle (públicos) e de mercado (privados) são complementares e indissociáveis quando se almeja alcançar cadeias produtivas livres de desmatamento.