Eleições municipais: palavras não cozinham o arroz
Os prefeitos poderão se beneficiar da exposição que tiveram nos meios de comunicação durante a pandemia. Ou ganhar pela própria ausência do debate
ligiatuon
Publicado em 11 de setembro de 2020 às 12h13.
Última atualização em 11 de setembro de 2020 às 12h19.
A agenda da campanha municipal, que começa no rádio e na TV no final do mês, é de uma nota só: a crise, econômica e sanitária. Os prefeitos poderão se beneficiar da exposição que tiveram nos meios de comunicação durante a pandemia. Ou ganhar pela própria ausência do debate.
Afinal, se o eleitor já andava descrente com a política, agora, então, quanta falta de paciência. Uma das poucas certezas está no primeiro parágrafo do primeiro capítulo de qualquer cartilha de marketing político que se preze: o pião de uma eleição é o incumbente, pois é o julgamento da vida atual o que mais motiva o voto, sobretudo se o titular do cargo estiver na disputa.
O presidente Fernando Henrique Cardoso, autor do mea culpa da semana, foi por óbvio o primeiro a se beneficiar da reeleição criada em seu governo, mesmo destino que tiveram seus sucessores Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Já nas prefeituras, com pleitos remarcados pra novembro, não tem sido assim.
No início da nova regra (em 2000 e 2004), quase 60% dos prefeitos foram reconduzidos ao cargo, num ápice que se deu em 2008, com um índice de 66%. Mas aquela era a época das vacas gordas, com orçamentos municipais disponíveis. Desde então, as verbas e os números têm caído, sendo que na última, de 2016, menos da metade dos que pretendiam renovar o mandato venceram.
Se antes o caixa das prefeituras estava raso, agora é preciso malabarismo pra encontrar o que raspar no tacho da esperança do eleitor. Como se não bastasse a incerteza com relação ao vírus - e à prometida vacina - chega com força também a consequência da crise econômica, tema para o qual, mesmo que prometa, um prefeito tem pouco pra dar.
Em pesquisa realizada pelo IDEIA entre os dias 7 e 10 de setembro, com 1.200 eleitores, mais da metade dos pesquisados disse que a pandemia da Covid-19 impactou seu trabalho e renda (17% disseram que perderam o trabalho e estão desempregados e 36% que mantiveram o trabalho mas diminuíram a renda).
Apesar de tudo, o poder de compra de alimentos da população de renda mais baixa melhorou nos primeiros meses, como efeito direto do auxílio emergencial de R$ 600, como se sabe. Agora que o auxílio diminuiu pela metade, surge em paralelo também a sensação (e a realidade, em muitos casos) do aumento de preços nos supermercados.
O vilão da vez é o arroz, que por coincidência tem 70% de sua produção no Brasil concentrada no Rio Grande do Sul, único estado que jamais deu a um governador um mandato sucessivo. Claro que o comportamento do eleitor gaúcho é apenas um acaso e o aumento do preço do arroz é causado por várias questões, mas a preocupação com o alimento simbólico no imaginário, no prato e na cesta básica do brasileiro, é mais um fato pra preocupar momentaneamente as lideranças e o consumidor.
Além da alta do arroz e de outros produtos, deve pesar no bolso e no astral do brasileiro a nova realidade do auxílio emergencial. Perguntados se esperavam que o auxílio de R$ 600 seria mantido, 39% dos pesquisados pelo IDEIA concordaram. Entre as mulheres, público historicamente mais crítico no apoio ao atual governo, 42% achavam que os R$ 600 seriam mantidos. 56% delas também consideraram como negativa a manutenção do auxílio por mais quatro meses com redução para R$ 300, ante 53% do total dos pesquisados que pensam assim. Sobre a continuidade do pagamento do auxílio em 2021, 72% não acredita que isso vá ocorrer, ante 16% que acham que sim, vai se manter, e 12% que não sabem.
O certo é que é um desafio de comunicação lidar com as expectativas e com a retirada – ou a necessária e relativa substituição – da ajuda ao mais desassistidos. O perigo é a realização do prognóstico do Chaves, que diz que “quem dá e depois tira, com o diabo fica, sua mão se danifica, sua vó será maldita e sua sogra ressuscita!” Não, caro leitor, não se trata do comandante venezuelano, mas do personagem da comédia, com esse. A frase é uma brincadeira, no entanto lembra do risco de se dar um benefício e depois tirar. Evidente que a situação é dramática e que o país não resiste a um investimento de R$ 50 bilhões mensais ad eternum. Mas tampouco é desconhecida a reação do eleitor a tanta pressão e incerteza. Portanto, dependerá não apenas do governo federal mas também dos candidatos da vez muita ação e muita imaginação nos tempos que começam agora. Pois, como diz o provérbio chinês do título, e pra ficar no tema, “palavras não cozinham o arroz.”
A agenda da campanha municipal, que começa no rádio e na TV no final do mês, é de uma nota só: a crise, econômica e sanitária. Os prefeitos poderão se beneficiar da exposição que tiveram nos meios de comunicação durante a pandemia. Ou ganhar pela própria ausência do debate.
Afinal, se o eleitor já andava descrente com a política, agora, então, quanta falta de paciência. Uma das poucas certezas está no primeiro parágrafo do primeiro capítulo de qualquer cartilha de marketing político que se preze: o pião de uma eleição é o incumbente, pois é o julgamento da vida atual o que mais motiva o voto, sobretudo se o titular do cargo estiver na disputa.
O presidente Fernando Henrique Cardoso, autor do mea culpa da semana, foi por óbvio o primeiro a se beneficiar da reeleição criada em seu governo, mesmo destino que tiveram seus sucessores Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Já nas prefeituras, com pleitos remarcados pra novembro, não tem sido assim.
No início da nova regra (em 2000 e 2004), quase 60% dos prefeitos foram reconduzidos ao cargo, num ápice que se deu em 2008, com um índice de 66%. Mas aquela era a época das vacas gordas, com orçamentos municipais disponíveis. Desde então, as verbas e os números têm caído, sendo que na última, de 2016, menos da metade dos que pretendiam renovar o mandato venceram.
Se antes o caixa das prefeituras estava raso, agora é preciso malabarismo pra encontrar o que raspar no tacho da esperança do eleitor. Como se não bastasse a incerteza com relação ao vírus - e à prometida vacina - chega com força também a consequência da crise econômica, tema para o qual, mesmo que prometa, um prefeito tem pouco pra dar.
Em pesquisa realizada pelo IDEIA entre os dias 7 e 10 de setembro, com 1.200 eleitores, mais da metade dos pesquisados disse que a pandemia da Covid-19 impactou seu trabalho e renda (17% disseram que perderam o trabalho e estão desempregados e 36% que mantiveram o trabalho mas diminuíram a renda).
Apesar de tudo, o poder de compra de alimentos da população de renda mais baixa melhorou nos primeiros meses, como efeito direto do auxílio emergencial de R$ 600, como se sabe. Agora que o auxílio diminuiu pela metade, surge em paralelo também a sensação (e a realidade, em muitos casos) do aumento de preços nos supermercados.
O vilão da vez é o arroz, que por coincidência tem 70% de sua produção no Brasil concentrada no Rio Grande do Sul, único estado que jamais deu a um governador um mandato sucessivo. Claro que o comportamento do eleitor gaúcho é apenas um acaso e o aumento do preço do arroz é causado por várias questões, mas a preocupação com o alimento simbólico no imaginário, no prato e na cesta básica do brasileiro, é mais um fato pra preocupar momentaneamente as lideranças e o consumidor.
Além da alta do arroz e de outros produtos, deve pesar no bolso e no astral do brasileiro a nova realidade do auxílio emergencial. Perguntados se esperavam que o auxílio de R$ 600 seria mantido, 39% dos pesquisados pelo IDEIA concordaram. Entre as mulheres, público historicamente mais crítico no apoio ao atual governo, 42% achavam que os R$ 600 seriam mantidos. 56% delas também consideraram como negativa a manutenção do auxílio por mais quatro meses com redução para R$ 300, ante 53% do total dos pesquisados que pensam assim. Sobre a continuidade do pagamento do auxílio em 2021, 72% não acredita que isso vá ocorrer, ante 16% que acham que sim, vai se manter, e 12% que não sabem.
O certo é que é um desafio de comunicação lidar com as expectativas e com a retirada – ou a necessária e relativa substituição – da ajuda ao mais desassistidos. O perigo é a realização do prognóstico do Chaves, que diz que “quem dá e depois tira, com o diabo fica, sua mão se danifica, sua vó será maldita e sua sogra ressuscita!” Não, caro leitor, não se trata do comandante venezuelano, mas do personagem da comédia, com esse. A frase é uma brincadeira, no entanto lembra do risco de se dar um benefício e depois tirar. Evidente que a situação é dramática e que o país não resiste a um investimento de R$ 50 bilhões mensais ad eternum. Mas tampouco é desconhecida a reação do eleitor a tanta pressão e incerteza. Portanto, dependerá não apenas do governo federal mas também dos candidatos da vez muita ação e muita imaginação nos tempos que começam agora. Pois, como diz o provérbio chinês do título, e pra ficar no tema, “palavras não cozinham o arroz.”