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“Sempre recomendo, sonhe grande e assuma riscos", afirma Ricardo Salem da Care Plus

Na coluna desta semana, conheça a história de Ricardo Salem Ribeiro – Diretor-executivo Care Plus

 (Divulgação/Divulgação)
(Divulgação/Divulgação)

Sou médico. Já tive consultório, mas hoje minha maior satisfação é atuar para impactar positivamente o acesso à saúde e a melhoria da qualidade de vida de um grande número de pessoas. Refleti muito, quando fiz a mudança, saindo da atividade assistencial, na qual atendia um indivíduo por vez, para passar à administrativa. Mas entendi que a minha contribuição ficou maior e mais importante. Tenho consciência de que todas as decisões que tomei e as escolhas que fiz ao longo da carreira me trouxeram ao papel que exerço atualmente, como diretor-executivo da Care Plus.

Nasci no interior do Paraná, em 21 de novembro de 1976, na cidade de Telêmaco Borba, cuja principal fonte de renda é uma fábrica da Klabin. Morei lá até os 16 anos. Sou filho de uma professora, Márcia Salem Ribeiro, e de um empresário. Meu pai, João Nilson Ribeiro, trabalhou na fábrica durante muitos anos, abrindo depois o próprio negócio. Sou casado com a médica psiquiatra Luciana Vargas e tenho três filhos: João Ricardo, de 18 anos, do primeiro casamento, a enteada Lara, de 12 anos, e o caçula Luís Gustavo, de 6 anos.

A vida toda estudei em escola pública. Sempre fui apaixonado por computadores e tecnologias. Aos 16 anos passei um ano fazendo o terceiro colegial em Campinas, com intenção de fazer faculdade de computação na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Porém, decidi prestar vestibular para medicina. Em 1994, aos 17 anos, entrei na Universidade Estadual de Londrina (UEL), cidade mais perto de casa. Quando terminei a faculdade, em 1999, apareceu uma oportunidade para fazer residência na cidade de Santos, no litoral paulista, no Hospital Guilherme Álvaro. Continuei na instituição e em 2002 fui convidado a integrar a equipe de cirurgia geral. Assim, comecei minha vida profissional como cirurgião, atendendo em consultório e no pronto-socorro. A rotina era de muitas horas de trabalho e plantões, já que eu precisava me sustentar. Nessa época comecei a refletir sobre se aquele era um bom plano de carreira.

Questionamentos

Como já gostava de entender como as coisas funcionam, ficava incomodado com a dinâmica da relação entre médico, plano de saúde, hospital e laboratório, que é cheia de atritos e acaba deixando o paciente em segundo plano. As questões sobre o funcionamento do negócio da saúde me inquietavam. Então, descobri o MBA do Insper em Gestão de saúde e me inscrevi, para estudar o assunto. As aulas eram em São Paulo. O MBA durou de 2006 a 2008. Eu morava em Santos, era casado, tinha um filho recém-nascido. Trabalhava o dia inteiro, à noite vinha para São Paulo, voltava para a casa de madrugada, para trabalhar no horário normal no dia seguinte. Foi uma época difícil, que impactou a vida pessoal. Tive uma separação no casamento. Mas eu sabia que estava investindo em minha formação.

Quando ainda cursava o MBA, em 2007, fui convidado para trabalhar na SulAmérica. Eu acredito que temos de estar preparados para abraçar as chances, quando o acaso nos favorece. Aceitei, porque fazia sentido do ponto de vista de crescimento profissional. No entanto, foi uma escolha difícil. Como cirurgião, eu ganhava em torno de R$ 15 mil mensais, uma boa remuneração para a minha faixa etária e para a época (2007). Mas abri mão, e meu salário passou a ser só 30% disso. Continuava morando em Santos, para ficar perto do meu filho. Então, com deslocamentos diários de ida e volta de São Paulo e todas as despesas, no primeiro ano eu literalmente pagava para trabalhar: os gastos superavam meu salário líquido. Mas mantive a convicção de que tinha feito a escolha certa.

Eu queria fazer diferença na área de saúde. Para isso, precisava ocupar um espaço de liderança em uma grande empresa da área. Se continuasse apenas atendendo pacientes, não viraria de repente diretor de um plano de saúde. Sabia que era preciso passar por essa curva de aprendizado.

Minha função na SulAmérica era apoiar a área de custos de precificação de procedimentos médicos. Lidava com matemática e estatística, fazendo análises que permitiam oferecer as explicações que as planilhas não conseguiam explicar por si. Eu me apaixonei por aquilo. Ao levar o conhecimento médico, somado à análise de dados, acabei me destacando. Meu crescimento profissional foi rápido nesse período. Entrei na empresa como analista, virei coordenador e rapidamente cheguei a gerente. Aprendi muito e tive sorte. Descobri em mim habilidades de comunicação, o que também ajudou. Fiquei na SulAmérica durante cinco anos.

Voos mais altos

O passo seguinte foi em 2011, quando Roberto Galfi, então meu gestor na SulAmérica, se mudou para o grupo Dasa, e me convidou para ir com ele para lá, assumindo o cargo de superintendente. Eu tinha claro que, se queria ser um executivo na área de saúde, precisava conhecer todos os stakeholders da cadeia. Considerei: eu já tinha atuado como médico, conhecia o hospital e a parte assistencial, tinha trabalhado em uma operadora de saúde e em uma grande seguradora. Precisava entender o lado do prestador. Aceitei o desafio, que permitiria olhar o sistema de saúde agora sob a perspectiva de um laboratório.

No grupo Dasa, passei a ser responsável por toda uma linha de negócios. Executava ações para aumentar receitas, melhorar a margem de lucro, diminuir o custo fixo. Enfim, ganhei a visão econômica do negócio. Fiquei dois anos. Ao fim do primeiro ano, meu antigo gestor saiu do Dasa e foi para o GNDI, me convidando novamente para segui-lo. Porém, dessa vez agradeci mas optei por continuar onde estava. É maravilhoso poder contar com pessoas que contribuem para a sua carreira, mas às vezes é melhor manter o voo solo.

A maior guinada em minha vida profissional ocorreu em 2013, ao ser convidado por Roberto Laganá para a Care Plus, operadora de saúde na qual me mantenho até hoje. Somente nessa época mudei definitivamente para São Paulo e passei a morar em Alphaville, onde fica a sede da empresa. Sei que estou no posto no qual tenho a maior possibilidade de implantar a mudança no sistema que sempre quis. Na transição, houve também um crescimento na carreira, tanto em termos de salário quanto em posição, já que eu era gerente e assumi o cargo de diretor de credenciamento.

Governança e compliance

Há dez anos, a Care Plus era uma companhia familiar, ágil na tomada de decisões e correções de erros. E sempre seguiu o ritmo do Roberto, o fundador, que tem obsessão por inovar. Outro conceito importantíssimo: a empresa coloca o cliente no centro, levando isso a sério. Algo que me surpreendeu no início foi que, nas reuniões de diretoria, discutíamos os casos chamando os pacientes pelos nomes. Falávamos sobre o problema do Ricardo, o processo do Paulo. Em outras empresas, não é assim. Ali eu percebi a importância de analisar a jornada de cada indivíduo, como caminho para melhorar todo o sistema. Se você não entender profundamente o problema daquela pessoa específica, vai continuar com uma visão superficial dos processos. A visão customer centric, hoje tão difundida, já nasceu com a Care Plus.

Não é um conceito de fácil apreensão. Porque o sistema de saúde é centrado na figura do médico. É o paciente que vai até o médico e fica na sala de espera, submetido à agenda do médico. Adotar uma perspectiva diferente, pensando em como os serviços de saúde podem entregar resultados melhores para o paciente, foi disruptivo para mim. Isso é inovação! O mundo caminha para uma saúde menos centrada em hospitais e mais focada no paciente. Nós fazemos isso desde aquela época.

Sempre adotando a premissa do cliente no centro, cuidei de gestão de saúde, tratamento de contas médicas, reembolsos. Passei por quase todas as áreas da empresa, assumindo responsabilidades, liderando. Em 2019, ainda no período pré-Pandemia de Covid-19, fui convidado a assumir os novos negócios. A Care Plus sempre foi um plano de saúde e odontológico. Em 2016 a empresa foi adquirida pela Bupa, companhia de saúde britânica com 75 anos de fundação, com atuação ampla, que inclui desde atendimento básico até clínicas de repouso e óticas. Trata-se de uma empresa global, com forte presença de mercado na Austrália, em Hong Kong, na Arábia Saudita, na Polônia, na Espanha e em vários outros países da Europa.

Assim, entrei em nova fase da carreira. A Care Plus, uma empresa familiar, foi comprada por uma multinacional com forte tradição na área de saúde. A transição me trouxe aprendizados importantes. Trabalhamos agora com um sólido nível de governança, dotado de reportes matriciais em vários níveis. No começo foi um pouco difícil, mas agora reconheço ser importante adotar processos de compliance nas grandes organizações. E ao mesmo tempo garantir que os beneficiários estão recebendo o melhor serviço possível.

Novos modelos

A oportunidade de pertencer a BUPA permitiu conhecer modelos de saúde do mundo inteiro. Temos reuniões globais nas quais trazemos soluções de outros locais e levamos para fora as inovações concebidas aqui. O intercâmbio é muito rico.

Como sabemos, uma das primeiras áreas do mundo impactadas pela Pandemia de Covid-19 foi a China. Como temos operações em Hong Kong, antes de a pandemia chegar ao Brasil eu já estava inteirado sobre o problema da falta de insumos na Ásia. Isso nos ajudou a preparar uma série de ações. Quando a pandemia chegou aqui, já estávamos preparados. Criamos, por exemplo, o programa de monitoramento de covid, para acolher e fornecer informações sobre a doença. Essa medida fez diminuir a ida a prontos-socorros sem necessidade.

Outro ponto importante: sou arrojado. Fomos o primeiro plano de saúde a oferecer a telemedicina. Disponibilizamos essa modalidade de atendimento antes do evento covid. Eu sabia que o mundo estava caminhando para esse modelo. Então, veio o lockdown, as pessoas não podiam sair de casa e os médicos não tinham consultório. Nesse momento, nossos pacientes já estavam sendo atendidos via plataforma de telemedicina. E para aplacar a apreensão dos médicos, deixamos claro que eles iriam receber, nos atendimentos remotos, exatamente o mesmo valor que recebiam pelas consultas presenciais. Eu me vi no lugar dos médicos. Quando eu tinha consultório, se ficasse duas semanas sem atender, não pagava as contas. É bom estar na posição de poder tomar essa decisão.

O maior case de sucesso

A minha realização profissional foi a criação do projeto Rede Plus, em 2015, que procura alinhar os interesses do médico, do plano de saúde e do paciente. As reclamações dos médicos são no sentido de que o plano de saúde é muito burocrático, não propicia canal de comunicação e remunera mal. Do lado do plano, as dores vão no sentido da falta de previsibilidade dos custos médicos, com um atendimento sem seguir um protocolo previamente definido e sem priorizar os pacientes do plano. O paciente fica no meio da briga. Para começar a resolver, criei na Rede Plus um grupo restrito de médicos com os quais mantenho diálogo próximo. Ainda não é possível fazer isso com todos, infelizmente. Mas dentro desse grupo seleto resolvemos os problemas, ou seja, todo o processo de autorização ocorre sem fricção: análises mais rápidas, contando com equipe dedicada, e os médicos recebem em tempo recorde. Solucionei as dores dos médicos.

Por outro lado, chamei os médicos para acordarmos um protocolo para os atendimentos aos pacientes. E assim consegui resolver os problemas da operadora. Hoje, um médico que integra a Rede Plus recebe pela consulta em 48 horas. Há muitos médicos que demoram até 90 dias para receber. O modelo é um sucesso copiado por várias empresas, que também passaram a ter um grupo de médicos com quem a operadora mantém uma relação extremamente diferenciada, dentro da qual os profissionais vão admirar e terão orgulho em atender esse plano de saúde. E nós teremos a segurança em indicar esse médico para os pacientes. Ter endereçado a solução ao problema que me fez mudar de vida no passado me enche de orgulho, é uma das minhas grandes conquistas.

Sonhos e armadilhas

Sempre recomendo: sonhe grande. E nunca esqueça ou diminua o tamanho dos seus sonhos. Assuma riscos. A grande armadilha na carreira de um executivo é a acomodação. No passado, como médico cirurgião, eu tinha um bom salário, trabalhava perto de casa. Poderia ter me acomodado. Quando estava na SulAmérica, era uma empresa boa, estava crescendo. Mas quis mais. Precisamos ser persistentes e perseverantes na busca. Sempre digo isso aos meus filhos: não importa o que escolher, mas vai precisar se dedicar de verdade.

Inspirações

Nenhuma característica é tão importante em um líder quando ser inspirador. Um livro de cabeceira é Comece pelo Porquê - Como Grandes líderes Inspiram Pessoas e Equipes a Agir (de Simon Sinek, Editora Sextante). O líder precisa ter um propósito. E a mente aberta, sem verdades absolutas. É preciso olhar, ouvir, provocar. É importante ser curioso. E temos que entender as questões geracionais. A maneira de gerir uma pessoa de 50 anos é diferente daquela que usamos para outra com 22 anos. E a resiliência talvez seja a principal entre as habilidades comportamentais necessárias ao líder. O mundo dá voltas e traz desafios inesperados, então é preciso ser resiliente para tomar tombos, refletir, aprender e se preparar para os próximos.

Outro livro significativo para mim, um marco na mudança de carreira, foi Freakonomics: O lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta (de Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner, editora Alta Cult). É a quebra de paradigma. Mostra que alguém, mesmo partindo de muitas certezas, se mudar a maneira de olhar, pode chegar a conclusões diferentes.

Mentores

Ninguém constrói a carreira sozinho. Algumas pessoas me ajudaram muito. O livro O herói de mil faces (de Joseph Campbell, Editora Pensamento) fala sobre como os heróis contam sempre com alguém para impulsioná-los no momento certo. Trazendo esse conceito para a minha vida, cito Antônio Leal, que me ajudou quando era cirurgião; Roberto Galfi na SulAmérica, Luiz Camargo e Roberto Laganá, na Care Plus, que foram, sem dúvida, meus maiores influenciadores, por ter a visão de longo prazo e saber trazê-la para o dia a dia de maneira brilhante. Um autor de quem gosto muito, Ray Dalio, ensina que é preciso ser um “formatador” da rota para o futuro. O Roberto é assim: ele enxerga o futuro e constrói todas as etapas para chegar lá.

Desafio para o futuro

Meu maior desafio hoje é criar um ambiente colaborativo, com pessoas com diferentes habilidades e competências, de maneira que o conjunto contribua para a organização. Precisamos fazer isso respeitando as particularidades de cada um. Essa foi, aliás, uma das grandes lições da pandemia. Aprendemos sobretudo a importância de ter uma vida balanceada. Não vivemos só de trabalho: é preciso ter saúde física, mental, convivência em família. Aquele profissional workaholic, que chega ao escritório às 7h e sai às 21h não é mais desejado, porque sabemos que um dia ele sofrerá problemas. Esse ritmo é insustentável. Então, as empresas estão focadas em contribuir para que seus colaboradores tenham uma vida balanceada e sustentável, mais segura. A minha meta é conseguir obter esse equilíbrio na equipe. E trabalho feliz. Agradeço todas as boas decisões que tomei ao longo da vida. Sou realizado.