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Há limite para tudo, mas ninguém deve se autolimitar, afirma Luigi Ferrini Schulz da Hapag-Lloyd

Na coluna desta semana, conheça a história de Luigi Ferrini Schulz, vice-presidente sênior na Hapag-Lloyd no Brasil, empresa alemã de transporte marítimo

Vice-presidente sênior na Hapag-Lloyd  no Brasil, empresa alemã de transporte marítimo em contêineres  (Divulgação/Divulgação)
Vice-presidente sênior na Hapag-Lloyd no Brasil, empresa alemã de transporte marítimo em contêineres (Divulgação/Divulgação)

Na coluna desta semana, conheça a história de Luigi Ferrini Schulz. Vice-presidente sênior na Hapag-Lloyd no Brasil, empresa alemã de transporte marítimo em contêineres

Nasci na capital dos Estados Unidos, Washington, em 1972. Meu pai era um jornalista italiano, correspondente da Gazzetta dello Sport em solo americano, e a minha mãe, chilena com ascendência alemã, trabalhava na Embaixada do Chile nos Estados Unidos – país em que se conheceram e onde também nasceu a minha irmã. Anos depois, eles resolveram mudar para o Chile, onde até então meu pai jamais estivera. Ali cresci, estudei, fiz faculdade e acabei indo trabalhar na Compañia Sudamericana de Vapores, ou simplesmente CSAV, empresa fundada em 1872, em Valparaíso, e que hoje é a Hapag-Lloyd. De lá para cá já se passaram 25 anos, período em que, além dos aspectos profissionais, casei-me com Catalina, com quem tenho trigêmeas: Daniela, Raffaella e Florencia.

Mas, vamos ao início. Comecei a minha formação fazendo Engenharia Civil, em cujo curso permaneci somente por um ano. Logo percebi que aquilo não era para mim. Até aquele momento, não havia muitas opções de carreira no Chile. Se você almejasse uma profissão de grande prestígio e que oferecia boas perspectivas de carreira, tinha de fazer Engenharia, Medicina ou Direito. Aprendi isso desde criança. Nossos pais, parentes e amigos não nos aconselhavam a fazer Artes, Música ou Esportes; tinha de ser uma dessas três opções. Então, como sempre fui bom em Matemática, sobrou para mim Engenharia.

Na faculdade, apesar das minhas habilidades para cálculos e raciocínio lógico, percebi que tinha um perfil diferente dos demais da turma, muito mais comercial. Era o colega falante, muito prático e dado à ação. Isso me levou a outro curso, que no Chile se chama Engenharia Comercial com menção em Economia, na Universidade Diego Portales. Ali fui preparado para conduzir organizações e contribuir para o seu desenvolvimento econômico e social. No último semestre de faculdade, consegui um estágio em uma empresa que atuava no mercado financeiro, que ficava no centro da cidade de Santiago (capital do Chile) e, mais uma vez, percebi que ali não era o meu lugar, eu queria morar na praia.

Com isso, resolvi mudar não só de área, mas de cidade. Entre as companhias listadas na Bolsa, tinha uma que era a CSAV, de transporte marítimo de carga, com sede em Valparaíso, bem perto do mar. Não conhecia nada do segmento, mas resolvi me candidatar a uma vaga. Fui aprovado e encontrei ali um negócio fascinante, que tem muitas variáveis para se administrar. Neste segmento, são muitos os fatores que afetam o negócio, como preço do dólar, oferta e demanda, greves, condições climáticas, concorrência, mudanças de governo e de políticas, guerra, conflitos internacionais, preço das commodities, a produção da safra, entre tantos outros. Gostei de tudo isso e me apaixonei por essa indústria e pelo seu dinamismo. E esse fascínio vem me acompanhando desde então e já completou 25 anos.

No Japão usando mímica

Comecei na CSAV em 1997 e menos de dois anos depois, apareceu uma oportunidade para eu ir morar em Tóquio (Japão), em 1999. Estava com 27 anos, comprometido e prestes a me casar, quando aceitei aquele convite, que hoje interpreto como o ponto de inflexão mais significativo da minha carreira. Geograficamente, o Japão é um dos países mais distantes do Chile. São necessários dois dias de viagem. Ainda assim, atravessei o oceano Pacífico para voltar só 15 anos depois. Portanto, quase metade da minha vida até ali, passaria longe de casa.

Encarei aquele desafio sem nem mesmo falar muito bem inglês. Ciente da minha deficiência, aproveitei o pouco tempo que tinha até a viagem para estudar autodidaticamente. Dediquei-me a isso, pois entendia que meu futuro no Japão dependia disso. Foi uma barreira que tive de transpor e hoje, felizmente, falo muito bem. Eu me esforcei bastante, pois acredito que só eu posso impor limites a mim mesmo. E, para mim, o céu é o limite.

Para minha sorte, quando cheguei no Japão, percebi que quase ninguém do meu entorno falava inglês também e alguns apenas “arranhavam”. Então não fazia diferença se eu me expressasse extremamente bem neste idioma. No geral, era quase tudo na linguagem corporal, não verbal, na mímica mesmo. Era uma situação cômica se comunicar inicialmente usando apenas a mobilidade manual e facial, e fazendo “caras e bocas”, como se diz aqui no Brasil. Mas, conseguimos nos virar bem, até porque eu entendia o pouco inglês que se falava ali, entre as pessoas que eu me relacionava naquela época, de qualidade tão ruim ou pior do que o meu.

Diante deste cenário, eu me tranquilizei, pois percebi que dava para entrar naquele jogo e, ainda sair por cima, jogar bem. Quando visitava clientes e ouvia aquele inglês tipicamente japonês era uma situação mesmo engraçada. Assim fui ganhando confiança. Fiquei uns dois anos no Japão, onde descobri um povo muito gentil, que busca te ajudar, mesmo quando não entende o que está sendo dito. Neste tempo, fui me preparando e isso serviu para me levar a Hong Kong, uma ex-colônia britânica. Lá, sim, eles dominam o inglês e se comunicam bem neste idioma. Felizmente, quando lá cheguei, já me sentia confiante e falava bem melhor.

Vestindo a camisa da empresa

Fiquei pouco mais de seis anos em Hong Kong – entre final de 1999 e início de 2007 – e ali obtive um aprendizado muito grande. Cresci muito naquele pedaço da Ásia, como profissional e como pessoa. Lá, tive a felicidade de ser pai pela primeira vez. E pai em dose tripla, já que nasceram trigêmeas. Aquilo foi algo muito especial e marcante para mim. De duas pessoas nos tornamos cinco, em um país estrangeiro. Elas nasceram em agosto de 2003 e começaram a fazer a pré-escola lá. Hoje, passadas duas décadas, já estão na faculdade: duas optaram por Engenharia Comercial e outra por nutrição. O único senão é que elas estão no Chile, enquanto levo a minha vida profissional no Brasil, situação que fez aprender uma nova palavra em português: saudade.

De Hong Kong, meu próximo desafio foi na Alemanha, onde passaria três anos na cidade de Hamburgo, onde vivi o momento mais complexo dentro da empresa, pois a CSAV estava em uma situação bem complicada. Mas ninguém ficou parado, nem sequer se cogitou a ideia de ver aquela companhia, de aproximadamente 150 anos, com problemas. Contudo, uma organização antiga como a CSAV estava acostumada a se adaptar às mudanças ao longo do tempo e entender as particularidades de cada época para obter êxito. Então, arregaçamos as mangas e fomos a cada um de nossos clientes pedir apoio, pois estávamos nos reestruturando para seguir a luta.

Este foi certamente um período crítico e de muita fragilidade. No entanto, vestimos a camisa da empresa e lutamos pela companhia até o último minuto. No fim, vencemos, pois conseguimos reorganizar as atividades. Foi, novamente, um grande aprendizado, mas espero, sinceramente, jamais voltar a passar pela mesma experiência. Na Alemanha, eu fiquei por três anos e, de lá, fui mandado para o Brasil, no começo de 2010, onde tive a minha primeira passagem por este país, que durou quase cinco anos, quando o grupo Chileno Luksic assumiu o controle da CSAV e posteriormente ocorreu o desenvolvimento da fusão entre CSAV e Hapag Lloyd. Em seguida, eu voltaria para o Chile (2014), para posteriormente retornar ao Brasil em 2019, que é o lugar em que me encontro agora.

Em termos profissionais, o que foi mais desafiador para mim nesta jornada foi me adaptar a diversas e tão distintas culturas. Trabalhar com japoneses, chineses em Hong Kong e a comunidade asiática em geral, alemães, europeus, latinos e brasileiros, cada um com suas particularidades, no que diz respeito a idioma e padrão cultural, são muito diferentes. No entanto, obtive bons resultados no geral, a julgar que comecei como um estagiário e hoje sou vice-presidente sênior da companhia no Brasil, sendo a maior operação da América Latina para Hapag-Lloyd. Ainda que sob diferentes desafios, consegui sempre ter uma carreira ascendente. Isso foi possível porque não só trabalhei com profissionais de culturas diferentes, mas vivi cada cultura e procurei me integrar a elas, entendendo e respeitando suas particularidades. Acredito que cada situação tem suas dificuldades. Pode ser um departamento, uma empresa ou um país diferente. Mas quando se tem a mente aberta, apreço por novos aprendizados, visão de compartilhamento e valorização do trabalho em equipe, a chance de ser bem-sucedido naquilo que se faz é bem maior, independentemente do departamento, da empresa ou do idioma. Foi esse pensamento, somado ao aprendizado adquirido ao longo deste tempo de estrada, que me permitiu conquistar o que já sonhava muito antes de sair do Chile.

A fusão entre a razão e o coração

Em 2014, quando foi concluída a fusão entre o negócio de contêineres da CSAV com a Hapag-Lloyd, eu estava no Brasil, ocupando a cadeira de gerente comercial da companhia chilena neste país. Com esta união de forças, criou-se a quarta maior companhia de transporte marítimo regular do mundo. O negócio foi bom para ambas as partes, mas, evidentemente, trazia preocupações com relação ao futuro para todo mundo. Era um desafio enorme. A Hapag-Lloyd é uma empresa alemã funcionando dentro da cultura latina. São visões de mundo diferentes. Grosso modo, o latino diz: “Vamos à guerra e depois vemos quantos morreram.” Já o alemão diz: “Vamos à guerra, mas antes precisamos saber quantos vão morrer e por quê”.

Mas o resultado foi ótimo, com equilíbrio entre paixão e estratégia. Foi uma fusão, de fato, e não uma simples compra. Com isso, houve comprometimento e sinergia de esforços para que tudo desse certo, o que nos tornou um grupo melhor. Novamente, foi mais um grande aprendizado para mim, até porque pude contribuir, como já tinha morado na Alemanha, conhecia um pouco o jeito de pensar e a forma de trabalhar do alemão que pessoalmente valorizo muito, pois possui estrutura, pontualidade, consistência e perfeição. Dessa forma, tinha o que oferecer. Por isso esse período representa um momento especial para mim.

Depois de finalizada a fusão, voltei para o Chile, onde ficaria pelos próximos seis anos, até retornar ao Brasil, em setembro de 2019, desta vez como vice-presidente sênior da Hapag-Lloyd. Estar de volta ao país e na cadeira a qual fui convidado a ocupar em muito me orgulhava. Gostei desde o início de trabalhar com os brasileiros, que são profissionais que querem sempre ir além e que, quando estão diante de uma ideia positiva, abraçam-na e a levam adiante. Estou muito contente com os integrantes da minha equipe, porque querem aprender e têm paixão, assim como eu. Por isso que, quando tive a oportunidade de fazer este caminho de volta, liderando esse time, gostei do que me foi proposto, e gosto ainda mais agora. Todo sucesso que alcancei aqui no Brasil foi graças a esse pessoal, à minha equipe.

Tudo muda o tempo todo

Não se percorre um longo caminho, seja ele qual for, sem estar sujeito a armadilhas. Uma delas é não ter a ciência de que somos os únicos que podemos impor limites a nós mesmos. É verdade que há limite para tudo, mas ninguém deve se autolimitar. Se errou, é possível corrigir o erro, fazer de uma forma diferente e melhor. Ninguém deve limitar sua equipe, colocar barreiras onde estas não existem, atrapalhando o desenvolvimento e o desempenho desta. Nada de dizer “não posso” antes de tentar uma, duas ou mais vezes. E, por fim, outro alçapão que pode nos tragar é se fechar para o novo. Tudo está sujeito a mudanças; tudo muda o tempo todo. E, neste contexto, se não mudarmos juntos, somos candidatos a nos tornar obsoletos.

Mas, no mundo corporativo, entendo que uma das armadilhas mais perigosas é se achar o dono da verdade. Podemos ser o Messi ou o Neymar, mas se não tivermos uma equipe vencedora, não vamos ganhar a nossa Champions League. Podemos ser o melhor técnico, mas se não tivermos o time ao nosso lado, não vamos ganhar os títulos que almejamos. Portanto, por melhor profissional ou melhor líder que sejamos, se não tivermos uma equipe trabalhando conosco e lutando as mesmas batalhas, não tem jeito, não seremos bem-sucedidos nos nossos propósitos.

Por isso que para ser um bom líder é preciso, antes de tudo, saber trabalhar em equipe e motivá-la. O líder pode ter excelentes ideias, mas se não tem a equipe contigo, não funcionará. A confiança começa pela transparência, segue pelo cumprimento daquilo que se promete e se estabelece quando se é competente. O líder que não acerta muito mais do que erra, não tem futuro. São coisas que nunca se deve parar de aprender e de tentar ser cada vez melhor.

Tudo isso que acabei de destacar não é muito diferente daquilo que espero daqueles a quem lidero. Deles espero a verdade. Errar é humano, mas há de se contar e assumir o erro, e não o esconder. Para mim, é fundamental confiança, verdade, transparência e comunicação. Errar é humano, mas é preciso aprender para evitar os mesmos deslizes. Vamos tropeçar e até cair, mas é essencial saber se levantar e seguir adiante. Enfim, para fazer parte da minha equipe, é preciso ser trabalhador, gostar de desafios, de conversar e viver realmente o negócio. Lembro ainda que o sucesso está em fazer aquilo que realmente se gosta. Se não gosta daquilo que faz, é difícil ser bem-sucedido. Se gosta daquilo que faz – pode ser um médico, um artista, um enfermeiro, um motorista – você pode até chegar cansado em casa ao final do dia, mas vai chegar feliz e acordará no dia seguinte com desejo de ser melhor.

Outra dica é que um sim, hoje, nem sempre será um sim amanhã. Da mesma forma que um não hoje, nem sempre será um não amanhã. Volte sempre as origens para revisar e avaliar as oportunidades.

Um mar de oportunidades

Venho atuando há décadas no setor de transporte de carga marítima, levando e trazendo contêineres de todos os lugares do mundo. Deste meu assento, enxergo um país com 220 milhões de habitantes com oportunidades gigantes. Em termos de exportações, o Brasil produz o que o mundo consome: café, algodão, carne, frango, porco, soja, milho, açúcar, trigo, tabaco, fruta, madeira, celulose e muito mais. São produtos que vamos consumir sempre. Dessa forma, as exportações brasileiras vão seguir crescendo, fazendo com que a indústria e a logística de transporte daqui tenham uma conjuntura muito positiva, mesmo com os conhecidos problemas de infraestrutura. No entanto, se o Brasil resolvesse este calcanhar de Aquiles ou se tivesse algo semelhante ao padrão europeu, americano ou mesmo de alguns países asiáticos, seria muito mais relevante em âmbito global.

O Brasil está diante de um mar de oportunidades, não só por aquilo que produz, mas por aquilo que pode vir a produzir. Não podemos nos esquecer que o mundo inteiro está revendo sua logística. Hoje quase tudo que se produz vem da China. No entanto, a Pandemia de Covid-19 trouxe dúvidas se as demais nações devem seguir concentrando quase tudo no gigante asiático. Dessa forma, outros lugares podem surgir como opção para produção. O que acontecerá se parte do que hoje é produzido na China for repassado para empresas mais próximas por meio da prática conhecida como nearshoring, em que a manufatura se dá em locais mais próximos aos mercados onde os produtos serão comercializados? A Covid-19 mostrou o que significa para o mundo a China parar por dois meses: o resto do planeta fica sem computadores, geladeira, televisão, etc. Por isso que a Europa e os Estados Unidos estão buscando locais mais próximos para sua produção e não deixar interromper sua cadeia de produção e abastecimento e, nisso, o Brasil pode ser uma opção, pois tem potencial para produzir parte daquilo que essas regiões precisam, com qualidade e mão de obra qualificada e de custo razoável. Essa tendência pode significar para a indústria brasileira um futuro promissor.

Nós, da Hapag-Lloyd, também atravessamos uma era de mudanças, pois estamos comprometidos com a descarbonização. Poucos sabem, mas a indústria de transporte por navios, de carga marítima, está transformando os motores dos navios para gerar menos carbono e CO2, e a previsão é de que, até 2030, haja uma mudança completa dos motores dessas embarcações, que passarão a consumir combustível eco friendly. São distintas tecnologias e produtos que estão surgindo, que permitirão a diminuição das emissões dos navios. Toda a indústria, na qual se insere a Hapag-Lloyd, está muito comprometida com as mudanças, sendo um dos pilares da estratégia da companhia. Fazemos isso porque queremos e porque precisamos. A Europa está liderando os debates ambientais e está dizendo que os navios, se não atenderem a determinadas características, não entram nos seus portos. Nossa empresa é alemã, portanto, carrega consigo este compromisso total com o meio ambiente e com a sustentabilidade, que é um dos nossos pilares.

Faça o que gosta e será feliz e bem-sucedido

Construí a minha carreira fazendo aquilo que gosto. Por isso, sempre que tenho a oportunidade de me dirigir aos mais jovens, incluindo as minhas filhas que estão começando a faculdade, repito, como um mantra: “Idealmente, tente fazer aquilo que gosta, porque, se você faz o que gosta, com certeza vai ser feliz e obter sucesso”. Confesso que é difícil acertar quando se ainda é jovem, quando nem se sabe o que se quer da vida. Mas tente acertar. Imagine ficar anos fazendo uma faculdade e, depois que terminar, perceber que fez a opção errada. Então, busque se conhecer, porque acertar nesse momento é muito importante para não perder tempo na vida. Até porque, a vida é curta demais para perdermos tempo com aquilo que não nos faz nem bem, nem feliz. A família e o equilíbrio são muito importantes, assim como a vida saudável, o esporte, uma boa alimentação e dormir bem – é o que precisamos.

Livros recomendados por Luigi Ferrini

1421 – O ano em que a China descobriu o mundo, de Gavin Menzies. Editora Bertrand Brasil, 2006.