A escuta ativa é fundamental para construir relacionamentos sólidos e eficazes, afirma Thiago Braz
Na coluna desta semana, conheça a história de Thiago Braz, da Humanitarian Calçados
Publicado em 6 de dezembro de 2024 às, 14h01.
Desde jovem, percebi como o perfil prático e detalhista seria um potente diferencial ao longo da carreira. Ao investir na comunicação efetiva, compreendendo os conceitos da empatia situacional, pude me destacar como um líder que progrediu a partir de diferentes vivências. Desta forma, ocupo a posição de Vice-presidente da Humanitarian, proeminente empresa varejista, com notável participação no mercado brasileiro.
Nascido em setembro de 1993, em Bragança Paulista, no interior de São Paulo, tive uma infância bastante feliz. Caçula entre três homens, filho de Vitor e Rosa, casados há mais de 40 anos, tive uma excelente estrutura familiar. Meu pai morava em São Paulo, capital paulista, e vendia frutas na feira, quando um parente lhe sugeriu empreender no ramo varejista de calçados. Embora não pudéssemos imaginar à época, esse conselho se tornou uma grande oportunidade que nos proveu melhores condições de vida e uma história de sucesso.
Nasci em um contexto financeiro bem melhor que o dos meus pais, e este contraste geracional foi muito positivo para a minha formação pessoal. Ao mesmo tempo, em que nunca me faltou nada, sempre me foi ensinado o valor dos bens materiais e imateriais. Em síntese, minha educação foi rígida, porém baseada em respeito e incentivo à autonomia.
Não posso mentir, não foi fácil começar a trabalhar cedo. Eu não conheço nenhum adolescente que gostaria de passar um sábado etiquetando sapatos em vez de aproveitar o clube com os amigos. Porém, hoje vejo como esse contato precoce com o mundo corporativo antecipou minha maturidade, tanto pessoal como profissional. Aos poucos me apaixonei pelo negócio, e já não havia dúvidas de que almejava dar sequência ao negócio da família. Então me graduei em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas).
A dinâmica adequada para uma empresa familiar prosperar
Meu pai abriu a primeira loja em Bragança Paulista, em 1980. Hoje, a Humanitarian Calçados, aos seus 44 anos de história, é detentora de 60 lojas e aproximadamente dois mil colaboradores distribuídos Brasil afora. Meus pais gerenciaram habilmente os negócios na primeira metade da jornada da companhia, até que, aos poucos, meus irmãos e eu passamos a fazer parte da empresa, tornando-a um negócio familiar.
Tratou-se de uma transição inteligente, porém, difícil de ser implementada. A primeira geração sempre deu bastante espaço para a segunda, respondendo com competência e à altura. Mas foram, e ainda são, muitos ajustes para equilibrar o resultado com uma boa dinâmica. A relação familiar, ao mesmo tempo que nos fortalece como corporação, também nos propõe desafios. A informalidade e proximidade que temos no âmbito pessoal, pode atrapalhar quando se trata de tomadas de decisões empresariais.
Um conceito-chave que temos é: a família vem antes do negócio, e em uma discussão acalorada sempre vamos preferir o bem-estar. É algo difícil de equilibrar na prática, porém todos os membros têm um perfil de ser muito resolutivo e preocupado com o negócio. Mas concordamos que se nós não nos entendermos, no longo prazo refletirá negativamente para a empresa. De forma geral, entendo termos sido felizes no processo de sucessão, pois a delicada união dos membros e gerações é o que trouxe o diferencial da empresa.
No início, a limitação entre o espaço pessoal e profissional não era muito claro. Nós utilizávamos de todos os canais de comunicação para discutir os mais diversos assuntos, visando alcançar uma proposta unânime. Porém, notamos que esse comportamento gerava desgaste para todos, pois, embora fôssemos uma família, mantemos nossas individualidades, com diferenças saudáveis. Diante deste desafio e com o crescimento da empresa, precisamos nos profissionalizar.
Decidimos prover mais autonomia e responsabilidade para cada cadeira, definindo regramentos de alçadas e prestação de contas. Ainda, estruturamos um comitê executivo semanal, e, com isso, alcançamos maior harmonia e eficácia no andamento do negócio. Deste modo, mesmo que a empresa sempre tenha sido séria e profissional, algumas dinâmicas não envelheceram bem e o mercado nos forçou à adaptação. Hoje contamos com uma divisão bem-organizada de papéis. E constantemente procuramos integrar novas metodologias de governança, a fim de evitar conflitos.
Reitero, contudo, o cuidado em não profissionalizar tanto, a ponto de burocratizar demasiadamente. A diferença de empresas familiares é ter a personificação do “dono” por trás, com o peso de fundador e executivo, dando coesão e cultura. Diferente de companhias muito grandes que envolvem vários executivos, as quais são obrigadas a implementar maiores limites e regras para sobreviver, mas com o efeito colateral de perda de velocidade e perenidade nas decisões.
Os principais desafios no caminho para a liderança
Na minha carreira na Humanitarian, passei por diversos cargos. Iniciei como estoquista de loja, fui vendedor, assistente administrativo, comprador, analista, entre outros. Minha primeira experiência de liderança foi como supervisor de almoxarifado, a menor área da empresa, e, aos poucos, fui agregando outras áreas, aumentando assim, a responsabilidade e o número de liderados.
O primeiro desafio de qualquer liderança é a credibilidade. Sendo sucessor dos meus pais, o chamado “filho do dono”, fui questionado acerca do meu mérito, não só pelos meus liderados, mas também por mim mesmo. Com o tempo, superei essa questão internamente, e, em relação ao time, optei por primeiro aprender com eles, para depois implementar as minhas ideias, ganhando assim, o respeito e a credibilidade necessária para liderar.
A gestão de pessoas se mostrou o segundo e o maior dos desafios da liderança. Lidar com pessoas é algo complexo e não existe fórmula exata. Demorei muito para aprender como lidar com cada tipo de pessoa, como contratar, como liderar, e como formar um time de alto desempenho. É um aprendizado constante até atualmente.
Com o crescimento de cargo, “a régua aumenta”. Vem o terceiro desafio: a maturidade. Como um líder de pouca idade, é difícil lidar com situações de alta responsabilidade e complexidade perante a companhia e às pessoas. Falta paciência, conhecimento e vivência que somente cabelos brancos trazem.
Em momentos de situações adversas, uma metodologia que carrego para me motivar é procurar ouvir os direcionamentos de quem eu confio. Sendo seres humanos, queremos estar em grupo. Estar alinhado a outras pessoas dá forças. Em contrapartida, tentar resolver tudo sozinho, buscando estar sempre certo, só irá desmotivar, e, muitas vezes, trazer resultados prejudiciais ao time e à empresa.
Outro ponto é simplesmente abaixar a cabeça e trabalhar — nada resiste ao trabalho duro, de levantar cedo e dar o seu melhor. Trato de compreender o entorno, os acontecimentos, e prover o algo a mais.
Quanto a modelos, não busco me inspirar em somente uma pessoa, pois procuro absorver pontos de vista distintos, de indivíduos diferentes, que passam pela minha vida. A minha formação profissional é uma mescla de vários casos de atuações que compreendi como positivos. Desde líderes com quem convivi, até professores, pares e liderados. Mas não posso deixar de mencionar meus pais e meus irmãos, os quais me ensinaram tudo que sei.
A grande virada de chave e o poder do autoconhecimento como líder
Em termos de liderança, aprendi uma grande lição — da pior maneira. Em determinado momento, a rotatividade das minhas áreas era a maior da empresa. À época, não conseguia direcionar as necessidades da companhia e explorar o melhor das situações.
Eu não sabia lidar com a pressão, pois faltava maturidade. Logo, transmitia de forma negativa essa carga para os times, impactando as relações. Como consequência, os resultados se tornavam incompatíveis. Mudar meu estilo de liderança foi fundamental para reverter esse quadro.
Eu era um líder autocrático, o que chamam de “trator”, que entregava a qualquer custo, contudo, deixava de engajar as pessoas. Precisei desenvolver a capacidade de ouvir melhor as pessoas em quem confio, aprender a lidar com os feedbacks que recebia, e agir com mais equilíbrio, alinhando a entrega de resultados com um ambiente justo e motivador.
Neste momento, conheci a importância de desistir quando se faz necessário. Parece estranho abordar tal afirmação. Confesso que sempre detestei o conceito da desistência, por ser crítico e persistente, valores que considero basilares em minha vida.
No entanto, notei que, em determinadas situações, precisamos dar “passos para trás” e que dar tempo ao tempo pode ser uma ferramenta incrível. Eu desisti de tentar resolver tudo sozinho e me abri para receber ajuda. Ao começar a entender e definir meus limites a vida ficou muito mais fácil e prazerosa. Essa foi a maior virada de chave da minha carreira, meu maior desafio profissional, do qual me orgulho muito por ter conseguido superar.
Hoje, posso afirmar que contamos com um time motivado, que possui espaço para introduzir ideias, além, obviamente, de entregar resultados sólidos. Para conquistar essa mudança precisei passar por um robusto processo de autoconhecimento, realizado por meio de terapia, algo fundamental para qualquer pessoa.
O valor da comunicação, empatia e individualidade na gestão de times
Não posso deixar de enaltecer o poder da comunicação. Nada mais efetivo para prover conexão com os indivíduos, em especial à nova geração. É papel de todo líder identificar constantemente os pontos negativos e positivos de cada integrante do time, deixando claro para eles a fim de promover desafios constantes em prol do engajamento e desenvolvimento pessoal.
O líder deve estar atento às necessidades pessoais dos liderados e, eventualmente, realizar concessões conforme os contextos. Como as pessoas são diversas, possuem personalidades distintas, e respeitar este fator é primordial. Caso contrário, não há espaço para se moldar cenários produtivos e inclusivos.
No mesmo sentido, a empatia situacional é primordial. Devemos estar próximos ao nosso time e ser sempre diretos. Os colaboradores respondem melhor quando se é justo, criando um ambiente de comunicação constante do que está funcionando bem e do que necessita de ajustes. É preciso ter coerência nos direcionamentos, para saberem que o líder, ao mesmo tempo em que está comprometido com os resultados da companhia, também está ao lado deles.
Em contrapartida, não apoio a liderança paternalista, no sentido de buscar o bem-estar do time acima de qualquer demanda da empresa. Isto porque, além de não garantir a necessidade corporativa, todos buscam evolução e almejam o desenvolvimento.
O importante não é o que falar, mas como fazê-lo. Sob a mesma ótica, de nada adianta exigir demasiadamente, mas sim, saber trabalhar com as emoções, e lidar adequadamente com o ser humano. Devemos compreender que as pessoas têm dificuldades cotidianas, e, portanto, agir com sensibilidade é essencial.
Considero fundamental também para quem está à frente de times, possuir um perfil positivo e bem-humorado. O ambiente corporativo pode ser desgastante, então é essencial o líder ser alguém inspirador e satisfatório de estar ao lado. Isso cria um poderoso engajamento e motivação em pertencer para superar os desafios.
Outra característica chave entendo ser o que chamo de “insatisfação positiva”, a cultura de buscar sempre mais e melhor, para evitar a perigosa zona de comodismo. Portanto, é imperativo batalhar pelas oportunidades, estar aberto à autocrítica e ciente de que o desenvolvimento contínuo é possível e crucial na jornada.
Visão estratégica aliada a conexão com a realidade
O conselho mais valioso que recebi como líder diz respeito a ser prático e detalhista. Considero já ser bastante difícil elaborar uma boa ideia, mas executá-la é ainda mais complicado. Assim, para uma boa execução, afirmo ser importante ter atenção aos detalhes, descer ao nível operacional e tecer planejamentos com simplicidade.
Acredito que o contato direto com os clientes e colaboradores é ponto crucial para que empresas do varejo prosperem. Mesmo tendo uma função mais estratégica, a dinâmica de estar no campo é poderosa. Estar nas ruas é fundamental.
Por isso, semanalmente visito as lojas da rede, vamos às fábricas, verificamos concorrentes e outros agentes do mercado, no intuito de conversar com todos os indivíduos integrantes deste nicho, como colegas e parceiros. Desse modo, mantemo-nos atualizados e monitoramos os resultados de projetos, na prática.
O executivo que se mantiver apenas dentro do escritório se tornará desconexo da realidade, não conseguirá traduzir conceitos teóricos para a cultura e necessidade da companhia, o que resultará em iniciativas falhas.
Uma atenção especial com sua estabilidade
Ao longo da minha história estive em contato com profissionais de diversos perfis. Logicamente, precisei trabalhar e me adaptar a estilos diferentes e, em razão do meu cargo, há a difícil missão de efetuar demissões também.
Há um tipo de profissional que chamo de “jovem estrela”; são pessoas de pouca idade, muito inteligentes, porém, difíceis de administrar. Embora esses indivíduos tragam bons resultados, pecam em termos comportamentais.
A falta de maturidade, advinda de sua pouca experiência de vida, faz com que esses jovens sejam muito instáveis, e, não raramente, considerem conhecer mais sobre a empresa do que seus próprios líderes, um erro desfavorável. Embora essa estabilidade possa ser conquistada com o tempo, existem formas de acelerarmos esse processo. Por isso, indico que se preocupem em ser resilientes.
Vejo que, atualmente, os jovens se frustram com maior facilidade, e acabam saltando de uma organização para outra, sem a constituição de projetos ou legados. Por isso, ressalto: não há crescimento sem dor. São os eventuais dissabores da carreira que podem nos auxiliar no crescimento pessoal e profissional.
Priorize as experiências em prol da formação
Em relação à formação técnica, considero ter uma opinião polêmica. É evidente que em áreas como Medicina, Direito e Engenharia os conhecimentos específicos são fundamentais. Contudo, no meu setor, por exemplo, o mais importante é acumular experiências e vivências.
Pessoalmente, priorizei absorver comportamentos e atuações positivas de líderes, professores, pares e liderados que cruzaram o meu caminho. Na companhia, para alguns cargos, damos maior peso às experiências práticas em detrimento da formação técnica na análise de currículos.
Para executivos estratégicos, não vejo como obrigatório ser especialista em determinado assunto — o essencial é ter domínio de processos de liderança e gestão, e buscar aprendizados constantemente em muitos nichos diferentes.
Porém, hoje entendo que, para o setor varejista, o ideal seja buscar uma formação no meio da carreira. Ainda que não seja algo obrigatório no início, com o amadurecimento da jornada profissional, a formação técnica poderá impulsionar a se tornar um bom executivo. Devemos nos preocupar em não nos especializar demais antes do tempo, pois o excesso de especializações poderá limitar o escopo e dificultar a possibilidade de contemplar novos horizontes.
Por fim, deixo um conselho aos jovens que optam por não estudar e nem trabalhar. Na minha visão, é muito difícil não se deparar com problemas vivendo em um mundo capitalista sem cumprir algum papel na sociedade. Dinheiro não acarreta diretamente em felicidade, mas permite ter mais controle sobre a sua vida, com o benefício das escolhas. As pessoas precisam refletir sobre a consequência dessas escolhas, se não para si, para quem é importante para ela.