As pessoas querem colaborar
O que fazer para emergir uma cultura realmente colaborativa?
Publicado em 19 de março de 2018 às, 17h29.
Última atualização em 21 de março de 2018 às, 11h02.
Dois sócios de minha mais nova empreitada - uma organização em rede que combina serviços de consultoria e agência de comunicação - voltaram de uma reunião com um briefing para a criação de uma campanha. Como se tratava de uma concorrência, escolheram tocar o desafio apenas entre eles. Alegavam que não queriam envolver outras pessoas numa situação de alto risco, haja vista que várias agências - algumas, inclusive, maiores e mais experientes que a nossa - estavam no páreo.
Lancei a provocação: "Por que não perguntam para as pessoas se topam participar no risco?" Colocada a pergunta, surpresa! Praticamente quase todos da rede não só aceitaram o desafio como participaram ativamente - por WhatsApp, que era a forma possível para uma noite de sexta-feira. Um dos dois que trouxe o briefing puxou a liderança para si, enquanto todos os outros desafiavam as primeiras ideias, traziam novas sugestões, apresentavam referências, criavam textos, chamadas, propunham e revisavam peças. Me chamou a atenção a quantidade e a qualidade das trocas, construtivas, respeitosas, mas também assertivas, autorais, apaixonadas.
Sim, ganhamos a concorrência, o que deixou a todos muito felizes e orgulhosos. Mas o que mais nos encantou foi a forma como fizemos para chegar lá. Foi um processo intenso e divertido, mas, sobretudo, muito colaborativo. E, ao olhar o processo todo pelo retrovisor e me perguntar o que teria se passado para que ele ocorresse dessa forma, veio mais uma vez uma frase que martela há anos em minha cabeça: As pessoas querem colaborar. Só não querem ser enganadas, ou se sentirem usadas. E o que fizemos que contribuiu para o emergir dessa cultura colaborativa sem efeitos colaterais pode ser resumido em quatro grandes princípios:
- Conexão a um propósito comum - estamos construindo uma nova organização. O desafio colocado era mais uma forma poderosa para colocar esse propósito em prática, algo desejado por todos que fazem parte da rede. Tanto é que, feito o convite, a aceitação foi quase unânime.
- "Freedom within a frame" - havia um briefing claro e alguém garantindo que, tanto o que era pedido quanto outras condições, como restrições orçamentárias e prazos, fossem respeitadas. Dentro desses princípios, a liberdade era total. É o que chamamos de "freedom within a frame"
- Equilíbrio entre direcionamento e co-criação - se de um lado havia muita autonomia para colaborar, de outro havia um líder presente e que, quando necessário, deu a palavra final. Por outro lado, poder escutar diferentes perspectivas oferece um conforto maior e mais probabilidade de acerto na tomada de decisão.
- Equilíbrio entre dar e receber - num modelo mais convencional, a remuneração acaba concentrada em menos pessoas. Numa organização em rede, essa mesma remuneração é mais distribuída, gerando um maior equilíbrio entre dar e receber, de maneira a diminuir potenciais injustiças e reconhecendo tanto as contribuições individuais - cada um deve receber conforme o valor que aportou ao projeto - quanto o desempenho, que é sempre coletivo.
E, mesmo sem colocar nessa lista, eu também destacaria o desapego da dupla que foi pegar o briefing: Desapego da cultura da escassez e do medo de perder o controle com a participação de mais pessoas no processo. Mas o pior desapego, quando o tema é comunicação, é o desapego do saber, posto que ainda se acredita que quem demanda um projeto de comunicação o faz porque não entende de comunicação. E eu adoro desafiar essa crença, afirmando que quem demanda a solução em comunicação também entende de comunicação - mesmo que não tenha estudos ou experiência na área. Se é um ser humano, é um comunicador praticante e, portanto, um entendido em comunicação. Só que, quando se somam inteligências - a do cliente e a da consultoria e/ou agência de comunicação -, o conjunto das práticas e das diferentes perspectivas pode levar a um resultado muito mais interessante.
Foi o que aconteceu com outro cliente que nos procurou para ajudá-lo a desenvolver uma estratégia e um plano para comunicar uma mudança de grande impacto sobre os colaboradores. A empresa se preparava para migrar do sistema de gestão matricial para abraçar o modelo de unidades de negócios. E o que fizemos? Convidamos o comitê executivo para criar conosco. O resultado esperado foi atingido. Mas mais importante foi o inesperado...
Após as duas reuniões de co-criação que facilitamos, percebemos que o tempo que o grupo passou junto - dois encontros de cerca de 3 horas cada- era essencial para o entendimento do que iria se fazer. Os alinhamentos necessários de como a mudança deveria ocorrer e as implicações e desdobramentos para cada um. Enquanto eles criavam a estratégia e o plano de comunicação, esse outro fenômeno acontecia, o que reforça que as pessoas não apenas querem colaborar, como também colaboração é um ótimo negócio.