Fundos imobiliários protegem contra a inflação? Não é tão simples
FIIS tendem a proteger os investidores dos efeitos da inflação no longo prazo, mas existem características dos fundos e dos contratos que afetam a relação
Publicado em 20 de junho de 2021 às, 08h37.
O mercado imobiliário sempre foi considerado uma excelente opção de investimento para proteção contra os efeitos da inflação e o cenário atual de alta nos índices, como o IGP-M e o IPCA, o tornou ainda mais atrativo. Os brasileiros, tradicionalmente, possuem a cultura de investir em imóveis para proteger seu patrimônio das adversidades dos ciclos econômicos, um legado do período hiperinflacionário no país. Mais recentemente, os fundos imobiliários caíram de vez no gosto do investidor brasileiro, com o número de investidores com posição em FIIs na B3 aumentando exponencialmente e ultrapassado a marca de 1,3 milhão.
A proteção do mercado imobiliário contra a inflação existe porque os contratos de locação possuem cláusulas de correção monetária. Em um cenário de alta nos índices, a renda do investidor aumenta na mesma proporção.
O valor dos imóveis, geralmente, tende a acompanhar esse movimento, dado que a principal forma de avaliação do valor de um ativo imobiliário é pelo método de desconto dos fluxos de caixa projetados, ou seja, se os aluguéis projetados passaram pela correção monetária, o valor do imóvel refletirá esse reajuste.
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Outro método de avaliação bastante difundido é pela estimativa do custo de reposição, que busca avaliar o ativo pelo custo que seria necessário para a construção nos preços atuais, ou seja, se os preços em geral estão subindo, o custo de reposição será maior.
Os fundos imobiliários entre janeiro de 2011 e abril de 2021 tiveram um retorno total, medido pela variação do IFIX, de 186% enquanto o IGP-M variou 128%, e o IPCA, 78%. Nesse período, os FIIs corroboraram a teoria de proteção contra a inflação e apresentaram um retorno real positivo de 4,6% ao ano em relação ao IPCA, apesar das diversas crises econômicas enfrentadas.
No entanto, quando observamos janelas temporais menores, o resultado é diferente. Por exemplo, nos últimos 24 meses, o IGP-M apresentou variação de cerca de 46%, enquanto o IFIX apresentou valorização pouco acima de 10%.
Como o IFIX é um índice que mede o valor de mercado dos principais FIIs, é esperado que ele apresente flutuações no curto prazo motivadas por diversos fatores além da inflação, o que poderia explicar o descasamento entre os índices nos últimos dois anos. Porém ao analisar métricas como o rendimento médio pago pelos fundos imobiliários e o valor patrimonial das cotas, observamos que elas também não acompanharam a inflação no período.
Para analisar como os fundos imobiliários reagem aos índices de inflação, é necessário separar os fundos em dois grupos: o primeiro com os chamados “FIIs de tijolo”, que são os fundos que investem diretamente em imóveis como lajes corporativas, shoppings e galpões logísticos, entre outros. O segundo grupo são os “FIIs de CRI”, que investem em operações de crédito imobiliário, por meio dos certificados de recebíveis imobiliários e, atualmente, possuem a maior participação no IFIX.
Nos FIIs de tijolo, a capacidade de repassar a inflação nos contratos de aluguel, principalmente quando os índices apresentam variações elevadas, depende de diversos fatores ligados ao momento de cada setor no ciclo imobiliário. Por exemplo, em momentos em que o ciclo está favorável ao proprietário, como em cenários de excesso de demanda de potenciais inquilinos por áreas, os aluguéis tendem a ser corrigidos integralmente pela inflação e, eventualmente, ainda gerar ganhos reais no valor do aluguel durante as revisionais.
Nos fundos que investem em galpões logísticos, o momento é favorável ao proprietário, considerando que a demanda por esses imóveis está aquecida, principalmente pelo crescimento do e-commerce que foi acelerado com as mudanças de hábitos impostas pela pandemia. Nesse cenário, os proprietários tendem a ter um poder de barganha diante dos locatários e conseguir repassar a inflação definida no contrato.
No entanto, cada caso deve ser analisado individualmente. Por exemplo, se o locatário já está pagando um aluguel acima da média de mercado e existem outros imóveis disponíveis para locação na região, a capacidade do proprietário fica reduzida. Vale ressaltar que uma eventual mudança de imóvel também não é uma decisão fácil para o locatário, pois pode gerar custos elevados de adaptação.
Já nos setores de escritórios e shoppings, os efeitos da pandemia foram negativos e ainda estão presentes, indicando a necessidade de maior flexibilidade por parte dos proprietários, considerando que a demanda por escritório está menor e as vendas dos lojistas seguem prejudicadas. Nesses casos, a tendência é que ocorram negociações entre as partes e os proprietários façam concessões, ao menos parciais, nos reajustes dos valores de aluguel pela inflação. Em contrapartida, podem ser pactuadas condições contratuais diferenciadas, como o aumento do prazo do contrato e da multa rescisória, dentre outros.
Essas negociações são mais comuns nos contratos chamados de típicos que seguem a Lei 8.245 de 1991, que dispõe sobre as regras gerais dos contratos de locação residenciais e não residenciais, por exemplo sobre o pagamento de multa em caso de rescisão e regras de revisão dos valores de aluguel.
Nos contratos atípicos, as condições são livremente pactuadas entre as partes, conforme previsto no Artigo 54-A da mesma lei. Nesses casos, geralmente o prazo do contrato é longo e a multa para rescisão é elevada -- e com isso a probabilidade de a correção monetária ser repassada é maior. No entanto, a inflação elevada nos contratos atípicos pode levar o valor da locação para um patamar acima da média do mercado, gerando risco de uma grande correção no valor no vencimento do contrato. Dessa forma, não é descartada a possibilidade de o proprietário também ceder e não cobrar a correção, também exigindo contrapartidas, como o alongamento do prazo do contrato.
Nos FIIs de CRI, uma observação importante é que nem todas as operações são indexadas aos índices de inflação. Por exemplo, as operações indexadas ao DI, que é uma taxa de juros nominal, não serão afetadas de forma direta por oscilações nos índices de inflação.
Por outro lado, nos fundos que possuem operações indexadas à inflação, o efeito da correção monetária tende a ser observado rapidamente nas distribuições de rendimentos, considerando que as operações de renda fixa são atualizadas diariamente pelos índices estabelecidos nos contratos. Nas dívidas, as renegociações são mais complexas, pois as operações envolvem contratos rígidos e qualquer alteração deve ser aprovada pelos investidores.
É importante ressaltar que a correção monetária das dívidas em patamares elevados pode causar uma deterioração na qualidade de crédito das operações, impondo maior dificuldade para o devedor realizar os pagamentos de juros e amortização ao longo do tempo, bem como uma piora na relação entre o saldo devedor da dívida em relação às garantias da operação, que é um importante indicador da qualidade de crédito da operação.
Em resumo, os fundos imobiliários, na média, tendem a proteger os investidores dos efeitos da inflação no longo prazo, porém no curto prazo podem ocorrer desequilíbrios, principalmente em períodos de inflação elevada e condições econômicas desfavoráveis. Além disso, é esperado que cada fundo apresente capacidade diferente de repassar a inflação considerando sua classe, setor de atuação, região dos ativos, dentre outras características que podem afetar o poder de barganha do proprietário em relação aos inquilinos.
*Felipe Solzki é sócio e gestor de fundos imobiliários da Galapagos Capital.