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RENATO ANTUNES: Construa uma marca sólida e você será imbatível. As pessoas vão desejar sua marca

Vi a Braé nascer e acompanhei sua trajetória até virar uma empresa gigantesca, porque seu founder, Renato Antunes nunca aceitou um não como resposta

Renato Antunes (Coluna Cris Arcangeli/Divulgação)
Renato Antunes (Coluna Cris Arcangeli/Divulgação)

O entrevistado da vez é um verdadeiro Tubarão Voador, um Tubarão Fera, um engenheiro mecatrônico que virou especialista em produtos para cabelo,  founder e CEO de uma marca premium,  a Brae, preferida por profissionais de mais de 25 mil salões de beleza em todo o Brasil e presente em 10 países. Sou fã dessa história. Vi a Braé nascer e acompanhei sua trajetória até virar uma empresa gigantesca, porque seu founder, Renato Antunes nunca aceitou um não como resposta.

Quem é Renato Antunes?

Sou uma pessoa criativa, que estava  em busca de evolução e o fato de nunca aceitar um não como resposta, desde criança, me fez chegar onde cheguei. Normalmente, 99% das pessoas dizem que um projeto não vai dar certo e, quando dá, dizem foi sorte ou coisa de gênio. Essa história é  compartilhada por praticamente todos os empreendedores do mundo,  não é uma coisa só do Brasil. As pessoas só acreditam no que veem, quando alguém mostra que é possível.

Qual  a diferença entre empreendedor, founder e CEO?

Há uma diferença muito grande: o empresário é o proprietário de um ou de vários negócios e só vê a rentabilidade líquida deles. O empreendedor cria o negócio com paixão e vive aquilo 24 horas por dia, sete dias por semana. O CEO  é quem faz a gestão estratégica, com experiência prévia no tipo de negócio do empreendedor. O empreendedor pode ser o CEO, como é o meu caso, e pode ser empresário ao mesmo tempo. Mas, no meu ponto de vista, o CEO não é empreendedor e o empreendedor não é empresário. São três coisas bastante distintas.

Verdade. O CEO é mais voltado a números, gestão, dia a dia, equipe, pessoas e às vezes nem é alguém que queria fundar um negócio ou teria vontade de fundar, é mais um intraempreendedor.

Ele é uma peça super importante  no dia a dia depois que o negócio começa a crescer, como é o caso da Brae, porque consegue trazer uma experiência de fora para dentro do negócio, às vezes até internacional, que eventualmente o empreendedor ou fundador não teria ainda. Ele consegue organizar o negócio, fazer a gestão – às vezes, não é sempre -  mas com mais eficiência que o empreendedor, que assim pode pensar em futuro.

No caso do empreendedor, o sangue que corre nas veias e o amor pelo negócio são diferenciais importantes.

Sim. Sou proprietário fundador da Brae e já tenho mais duas outras empresas. Para mim não existe horário,  final de semana, a cortina não fecha nunca. Já o executivo tem a sua vida particular, porque a empresa não é o sonho dele. O que me move todos os dias é o desafio, criar algo novo que, de fato, possa mudar a vida das pessoas. Eu nunca teria uma empresa só para ganhar dinheiro, que não trouxesse transformação e valor. Também nunca geraria um produto em que não conseguisse colocar um valor agregado.   É o que quero fazer mais ainda, numa forma filantrópica no futuro.

Hoje a nova geração procura empresas que são ESG na veia, que tenham preocupação com sustentabilidade, governança, com o social.

Isso é o mínimo que devemos fazer, é o nosso dever para com a sociedade. Hoje me preocupo em comprar marcas com as quais me identifico. Não consumiria um produto de uma marca com que não me identificasse, mesmo que fosse a melhor do mundo.

Você é um gênio do marketing, conseguiu fazer um trabalho incrível de marketing e branding com sua marca, escalou muito seus produtos. Como foi isso?

A Brae foi pensada, planejada e sempre se posicionou como uma love branding. Minha meta inicial era criar uma marca,  independente do tamanho, para entregar um valor que nenhuma outra entregaria. Nosso maior atributo é ser uma marca de verdade. Nossos produtos são cosméticos de alta performance para entregar resultados de qualidade no cabelo, desde que ele esteja preparado e tenha condições para obter o resultado.  Por exemplo, uma pessoa que tem um cabelo altamente danificado vai precisar  passar por um salão de beleza, um especialista, um tratamento de choque, inclusive  com alguns tratamentos profissionais do portfólio da Brae, para depois usar nossos produtos em casa e recuperar os fios.  Por sermos uma love branding de verdade, temos esse speech  e também consistência: em oito anos de Instagram, nunca deixamos de fazer um post por dia, temos consistência em postagem, em comunicação, aliamos o nome da marca a grandes profissionais de beleza que têm consistência  na vida profissional, a grandes mulheres, celebridades influenciadoras, que têm consistência no tom de voz na internet. O que gera credibilidade para a marca é esse conglomerado de informações.

Hoje  temos mais de um milhão de seguidores e o papel digital de levar informação para a sociedade. Nos preocupamos muito internamente: temos 30 pessoas somente no time de mídias sociais, para oferecer informação correta, precisa, dar continuidade ao trabalho e a esse love branding. Com isso, recebemos mais de três mil mensagens por dia pelo direct do Instagram,  com depoimentos muito interessantes. Temos mais de 30 milhões de pessoas em audiência e engajamento por mês no Instagram.

Você concorda que credibilidade leva anos para construir e dois minutos para perder?

De uma forma geral, a Brae faz o papel de um influencer digital, não só como marca, mas quase como uma pessoa física. Um influencer não pode deixar terceiros tomarem conta de seu perfil pessoal, tem que revisar os posts, a legenda, porque está levando seu rosto para os seguidores. Temos um time na  Brae, mas eu mesmo aprovo todos os conteúdos, para ter o cuidado e controle de que tudo o que for exposto em nome da marca esteja de acordo com o que acho certo. Dá trabalho, mas é mais fácil usar 5, 10 minutos e fazer uma revisão, entender o conteúdo que está indo para milhões de pessoas, discutir com meu time e direcionar o que está indo para as redes, do que tentar reverter uma coisa que  foi errada e vai gerar 30 dias  e alguns milhões para ser resolvida.

Nós fazemos muito shootings fotográficos, gravações e faço questão de conversar com as mulheres que vão estampar seu rosto para a marca, saber sobre a vida pessoal delas, para ver se além de um rosto bonito têm  a essência para representar o nome Brae numa vitrine de um grande shopping, por exemplo.

Por isso não dá para terceirizar, sou totalmente contra. O empreendedor vai ser operacional para sempre. Claro que, ao longo da carreira contará com o auxílio de vários executivos, mas desde o início tem que estar ali dia a dia, controlando tudo, porque se delegar, a pessoa não vai ter o seu cuidado e pode até destruir a empresa, não porque queira ou por maldade, mas porque não está preparada, não tem o amor, o preparo e o cuidado do fundador.

E o que foi o pulo do gato, a chave que fez o seu negócio explodir?

Resumindo a história da Brae: nascemos nos Estados Unidos, desenvolvemos com a ajuda de um cientista, um produto inovador que  solucionasse uma dor dos cabeleireiros que usavam pó descolorante, que é químico, para descolorir cabelos. Nosso produto foi desenvolvido como um remédio que, misturado ao pó descolorante, cria um encapsulamento do fio  e assim o profissional consegue chegar a um tom super claro sem estragar o cabelo da cliente, com segurança e tornando os fios saudáveis. Esse produto chama Bond Angel e ainda é bestseller de vendas no Brasil.

Como eu tinha bastante conhecimento de marketing digital, a Brae nasceu literalmente no Instagram, onde criamos um perfil  com o intuito de  mostrar os melhores cabelos do Brasil. O pulo do gato foi criar uma revista digital de cabelos com o nome da marca e postar fotos de cabelos muito bonitos, feitos por grandes profissionais de beleza. O crescimento foi orgânico, porque as pessoas começaram a nos seguir no Instagram. Depois fiz contato com os 20 maiores cabeleireiros do Brasil, apresentei o produto, enviei para experimentarem e todos começaram a usar. Só pedi como contrapartida que falassem que usavam nossa marca. O engajamento foi crescendo,  as pessoas entravam no nosso Instagram para terem referências de cabelos bonitos, levavam para o salão, pediam aquilo e nossa audiência foi aumentando. Ou seja: nosso investimento inicial foi enviar o produto para esses cabeleireiros, eles usaram e começaram a comprar.

Com o crescimento, a marca precisava vender mais e eu ainda não tinha equipe. Então criei uma página no Facebook, alimentava o Instragram, falava com os clientes, vendia o produto, empacotava, levava no correio, fazia tudo.  Hoje temos 200 funcionários e quando algum deles diz que uma determinada coisa não dá certo, eu digo que dá porque eu mesmo fiz e bem feito, porque cresci. Na verdade, passei por todas as funções na empresa.

Com o crescimento do branding digital só com engajamento orgânico, veio o interesse de grandes distribuidores de cosméticos. A marca foi crescendo e pesquisei quais seriam as outras dores dos cabeleireiros. O pulo do gato foi entender que, se eu quisesse ser um expert em produtos para salão de beleza, tinha que entender exatamente quem era o cabeleireiro e qual era a principal dor dele, que não era somente a questão do loiro.  Fiquei seis meses dentro de salões de beleza, desci vários passos, fui a fundo para entender também quais eram as dores das clientes, conversava com os cabeleireiros, os assistentes  e assim consegui formar um planejamento estratégico de marketing para levar a Brae a outro patamar.

Hoje estamos em mais de 25 mil salões do Brasil como uma marca reconhecida e aprovada pelos profissionais.  O pulo do gato foi essa infusão.  Conheço vários empresários do setor que não sabem a diferença entre hidratação e reconstrução. Como você quer ser o melhor do Brasil se não conhece o seu produto? Se não ama seu cliente e não sabe qual a importância do produto para o consumidor final?

Hoje a Braé é a terceira marca mais vendida no Brasil. As duas primeiras são europeias e têm mais de 100 anos. Quando pensei em trazer a Brae para o Brasil, conversei com dois profissionais da área que tinham ações de marketing relativamente grandes e eles falaram que o brasileiro só pagaria 100 reais por um produto europeu. Ou seja, como  marcas locais se se colocavam para baixo, não estavam preparadas para um produto de sucesso. Mas eu me preparei por muitos anos para vender um produto por 100 reais, tinha todos os gates necessários e sabia que, se existiam consumidores que pagavam esse valor por um produto importado, por que não pagariam pelo meu?

Quanto tempo levou para seu negócio ficar grande?

Cinco anos. Tive cinco anos para desistir quase todos os dias. Em três anos dei o primeiro suspiro, já tinha dinheiro para comida, mas depois de cinco anos o negócio criou uma consistência muito diferenciada. Essa é a média: cinco anos. Não acredito em negócios rápidos, em nada milagroso, em pessoas que vão à internet contar que foram do zero ao 100 em poucos dias. Pode existir um ou outro caso, mas o normal não é assim, não tem atalho. Conheço inúmeros empreendedores, brasileiros e estrangeiros, e todos têm a mesma história: é melhor feito do que perfeito. Acabamos de mudar para um escritório novo, no melhor prédio da Vila Olímpia, onde começamos no pior prédio, uma salinha de 30 metros. Agora temos um andar todo, de 500 metros.

Você lançou sua marca primeiro em Miami e depois veio para o Brasil. Isso foi uma estratégia  ou foi sem querer?

Não foi de propósito. Eu morava lá, lancei a marca no intuito de exportar para outros países com quem eu tinha networking por experiências prévias. Mas acho que o brasileiro tem um complexo de vira-lata gigante, só dá valor para marcas de fora. Não nego que muitas portas foram abertas para virarmos uma marca americana, inclusive porque fabricávamos o produto lá. Hoje fabricamos no Brasil e lá também. Além da qualidade, nossa marca surpreendeu pelo cuidado no design das embalagens, porque o brasileiro está acostumado a ver coisas feias e quando vê uma coisa bonita, se surpreende, não acredita que um brasileiro teve a capacidade de fazer algo bonito. Por que o americano pode fazer e o brasileiro não? Eu morei lá e sei que o brasileiro é muito mais criativo que o americano, mais competente, mas infelizmente o brasileiro não acredita no brasileiro. Porém  toda essa dificuldade do Brasil te prepara de uma forma absurda para qualquer desafio internacional. Hoje a Brae está presente em 10 países e temos uma facilidade muito grande para crescer porque a operação lá fora é muito mais simples.

E se alguém quiser empreender com a Braé, como faz?

Hoje a Brae é omnichannel, assim como nossos concorrentes internacionais. Como praticamente nascemos dentro dos salões de beleza, até 2019 nossos produtos só eram vendidos nos salões. Depois houve uma migração geral do mercado para outros canais. Nós vendemos diretamente ou via distribuidor para os salões, estamos em lojas de cosméticos como a Sephora e no nosso canal on line. Um distribuidor que queira empreender com a Brae precisa possuir valores em conformidade com os da marca.

O maior desafio para o nosso crescimento é resource. Existem pessoas que levam as empresas até 50 milhões. De 50 a 100 milhões são outras, de 100 a 200 outras e, agora que estamos perto da casa dos 300, são outras as pessoas. O turn over se torna rápido pelo crescimento acelerado da empresa e, ao mesmo tempo em que tentamos trazer pessoas especializadas do mercado, fazemos muito treinamento. Por outro lado, uma empresa em franca expansão acaba sendo muito assediada pelos concorrentes. Daí você treina a pessoa, deixa super ok, vem um concorrente, faz uma proposta, a pessoa vê um mundo de oportunidades que não existem, porque a grama do vizinho é sempre mais verde, vai lá e dá com a cara no chão. Muitos que saíram acabaram voltando.

O time de vendas e o de marketing são os mais assediados e precisam ter em mente que vendem uma marca que dá todo o suporte de que precisam e esse concorrente está mais interessado na sua carteira de clientes do que neles. Se você passar a vender a marca X, vai ter que contar para o cliente o que é aquela marca. Será que  ele vai comprar, será que o vendedor vai conseguir bater metas? A Brae não é pautada em clientes B2B, somos pautados pela consumidora final e nossa estratégia de marketing é fazer com que ela entre na loja e peça a marca, deseje o produto.

Existem marcas de cosméticos antes e depois das mídias digitais. Até 2010 os distribuidores iam para feiras de cosméticos e tinham o trabalho de cocriar a marca nos seus estados de referência. Eu não acredito em feiras há muitos anos. O papel de uma marca é fazer seu nome e ter o distribuidor como agente de distribuição. Não conto com o distribuidor para fazer marketing da marca porque quem tem responsabilidade de fazer isso somos nós. Além disso, ajudamos o distribuidor, fazemos treinamentos, eventos, temos distribuidores muito leais aos quais sou muito grato, empresários de médio e grande porte que nos ajudam. Mas quem dá a alavanca para o crescimento somos nós.

Desde que conheço, o mercado de beleza tem crescimento de dois dígitos por ano. Você acha que vai continuar nesse patamar?

Acho. A mulher brasileira é inspirada pela beleza, que faz parte do seu lifestyle, diferente da mulher europeia, que tem outros atributos de percepção sobre a beleza. A mulher brasileira, que gosta de conhecer novos produtos, é receptiva a novas marcas.

Eu gosto de produtos com margem alta e fazer um produto para dar margem alta e margem baixa é quase a mesma coisa. O segredo é nunca vender commodity, é ter uma marca, porque daí você cobra o quanto quiser. Quando tem inovação é melhor ainda. Quando você entende que seu consumidor está disposto a pagar mais por algo que ele deseja, tem que trabalhar a marca, torná-la importante para ele. A Brae chegou a um estágio em que salões que usam seus produtos tiveram upgrade de status, principalmente no interior do país.

Fazemos eventos para cabeleireiros, temos uma academia de educação filantrópica em São Paulo, que treina sem custos mais de 50  mil profissionais por ano. Nosso plano é ampliar essa academia e, em cinco anos, ter uma em cada capital do país. Vários tipos de pessoas participam dos programas e é emocionante ver que algumas mal sabiam ler e escrever e se transformaram em grandes profissionais de beleza. Nossa academia é focada em empreendedorismo, mostra que a pessoa pode ser o melhor cabeleireiro do bairro, não apenas mais um,  porque vira um hair stylist, com formação profissional e entrega para o cliente um trabalho que nenhum concorrente entrega. Também preparamos o profissional de beleza com curso de finanças, dress code, dicas comportamentais, ensinamos como falar com as clientes porque ele fica com elas mais ou menos cinco horas a cada procedimento.

Como surgiu o nome Brae?

Eu trabalhei por um tempo na indústria de beleza, viajando o mundo, e tive oportunidade de conhecer vários países, onde sempre ouvia a mesma frase: o cabelo da mulher brasileira é o mais bonito do mundo. Quando criei a marca, pensei em levar a experiência dos cabelos brasileiros para o mundo, então é Bra de Brasil e E de experience, Brasil Experience. Ao mesmo tempo, queremos associar o Brasil a um lifestyle global.

Quantos produtos, quantos SKus tem na linha? O que vende mais?

Temos em média 90 SKUs, vamos lançar mais 35 este ano e mais 80 no ano que vem. O que vende mais são produtos para reconstrução, porque a mulher, principalmente de um ticket mais baixo, se tiver dinheiro, vai investir em reconstrução. Os produtos de finalização vendem menos, porque já são um luxo, dá para finalizar o cabelo de outras formas.

Nosso público é 100% feminino e nossa comunicação e propósito é apoiar as mulheres. Isso faz parte do nosso DNA e não vendemos nada que fuja desse intuito, não apoiamos, desclassificamos. Para nós é muito claro o valor da mulher dentro da sociedade e a Brae é uma marca feminina, para todos os tipos de cabelos e todos os tipos de pessoas.