Marcelo Batistella: universidade tem que ensinar o jovem a respeitar o diverso
Marcelo Batistella Bueno é co-founder e CEO da Ânima Educação
Publicado em 8 de março de 2024 às, 07h00.
Hoje vamos falar sobre um ecossistema revolucionário e gigantesco de educação com Marcelo Batistella Bueno, co-founder e CEO da Ânima Educação, uma das mais relevantes organizações educacionais de ensino superior do Brasil.
Para começar, quem é o Marcelo?
Sou uma pessoa que acredita profundamente no poder que a educação tem de transformar a vida das pessoas. Pratico a arte marcial japonesa, Aikido, há mais de 30 anos, fiz o Caminho de Compostela por duas vezes, creio no poder da relação humana e em fazer o bem. Para mim, faz total diferença poder chegar em casa e contar o que fiz para meus filhos com orgulho.
O projeto ao qual você ajudou a construir leva muitas pessoas à transformação. O que exatamente é o Ecossistema Ânima?
A Ânima se consolidou como o maior e mais inovador ecossistema de educação de qualidade do país. Atualmente, temos mais de 400 mil estudantes; estamos presentes em mais de 75% do território nacional, com as principais marcas de educação de cada região, como a Universidade São Judas e a Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo; temos mais de 26 marcas em todas as área do saber, algumas com mais de 60 anos entregando ensino de qualidade, cujas famílias ou fundadores nos escolheram para continuar esses legados.
Também temos as verticais de conhecimento, começando pela HSM e Singularity University Brasil, em Gestão; a Le Cordon Bleu, em Hospitalidade e Gastronomia, com uma escola na Vila Madalena que só tem outras três iguais no mundo; a EBRADI – Escola Brasileira de Direito, com grandes magistrados e pensadores de Direito, que podem levar seu conhecimento Brasil afora por meio da tecnologia; e a Inspirali, vertical de escolas médicas.
Como vocês pretendem continuar expandindo? A ideia é incorporar novas marcas?
Nós começamos essa história no dia 6 de maio de 2003. Fomos o first mover, a primeira aquisição do ensino brasileiro, numa época em que a Educação nem era um setor da economia: vimos a oportunidade e assumimos uma instituição em Belo Horizonte. Eu e um dos integrantes da equipe nos mudamos para lá no dia 5 de janeiro para terminar a auditoria, a negociação e fundarmos a companhia. De lá para cá, metade do crescimento foi orgânico, com a abertura de vários campi e oferecendo qualidade em regiões que necessitavam. A outra metade foi por meio de aquisições e nos especializamos em continuar histórias e legados de famílias.
Há 10 anos, a pergunta mais difícil que nos faziam era: é possível entregar educação de qualidade com escala? Hoje conseguimos comprovar que sim: estamos entregando e melhorando nossos indicadores semestre a semestre para mais de 400 mil sonhos e famílias. O Brasil é um país continental e temos muito a fazer pela frente, seja continuando legados, histórias ou oferecendo educação para mais brasileiros. A Ânima é o único partnership educacional no mundo em que os professores são sócios. Sim, porque quando não estivermos mais aqui, a Ânima tem que continuar.
Seus cursos são presenciais ou híbridos?
Nos inspiramos em alguns setores como o varejo, que há uns oito anos estava saindo daquela dicotomia de venda on-line ou presencial como se fossem mundos apartados e optou pelo que se chamava de omnichannel, ou seja, a compra pelo caminho mais conveniente. Percebemos que com a Educação não seria diferente e, assim, preparamos a companhia para atuar em um modelo que entregasse o conteúdo em diversos formatos, porque em algum momento o estudante iria escolher o quanto usaria de tecnologia para melhorar a sua relação de aprendizagem. Com a pandemia isso ficou claro. Hoje ainda se fala em presencial e em EAD, mas acreditamos que mais para a frente tudo será híbrido, com mais ou menos uso de tecnologia e presencialidade, de acordo com a necessidade, desejo e capacidade de aprendizagem individual, porque cada um é um ser humano, cada um é um sonho.
Hoje, por exemplo, os alunos podem usar tecnologia de ponta e a IA está chegando, o que facilita a vida do estudante. Tem quem ache que é uma ameaça, mas, para nós, vem para melhorar, para fazer diferente e melhor, para substituir tarefas repetitivas que não necessariamente precisam ser feitas pelo ser humano. Hoje, a tecnologia é o caminho em que acreditamos.
A Educação está mudando bastante. Tenho visto iniciativas totalmente diferentes. Como tem sido na Ânima?
Nós visitamos o mundo inteiro ao longo desses anos, vimos várias iniciativas que fomos trazendo para o Brasil, fazendo melhorias ou reformas curriculares desde 2007. Hoje, a Ânima tem o E2A, um modelo curricular por competências totalmente inovador, em que os currículos são ofertados de maneira integrada, organizados por competências, com o objetivo de proporcionar ao estudante uma compreensão global do conhecimento, não mais dividido em disciplinas e sim por Unidades Curriculares. Somos, de fato, um player global. Não há ninguém no mundo que trabalhe o ensino focado no desenvolvimento por competências da forma como trabalhamos e em escala para 400 mil estudantes. Foi algo muito difícil de fazer e nos dá muito orgulho.
Quem inova corre riscos, contraria interesses, sai do status quo, mas estamos sempre tentando estar na vanguarda de uma discussão que não se limita ao Brasil: é global.
E o que vem de inovação pela frente? Qual o desafio de colocar a tecnologia como algo que funcione a longo prazo, com tantas e tão rápidas mudanças?
Temos muitas visões: o mais difícil é mudar os currículos para estruturá-los de forma que estejam preparados para o que há de mais moderno e o que virá com unidades curriculares e não mais disciplinares; que não é mais conteudista, é por competências; que permite auferir a qualidade; que usa hibridez, com mais ou menos tecnologia. Isso não é trivial, são anos de construção e investimento para estarmos preparados para o que vier.
Em segundo lugar, essa tecnologia de vanguarda, como IA ou Chat GPT, não é uma ameaça, é uma grande oportunidade. Em terceiro, seremos cada vez mais humanos, a máquina não tem condições de substituir o humano e é aí que vamos fazer diferença, com currículos baseados em soft skills, em vez de hard skills.
Como você vê os jovens, as novas gerações, essa ansiedade pelas mudanças, a falta de constância e de comprometimento?
Vejo a nova geração de forma muito otimista. Nós nascemos numa realidade em que as pessoas fumavam no avião, vendiam animais silvestres nas esquinas, não usavam cinto de segurança. A juventude de hoje vem com outro chip: eles são mais sustentáveis, por exemplo, e isso é uma grande vantagem. Quem pratica a corrupção, quem acha normal o “jeitinho” brasileiro, está com os dias contados, será expurgado da sociedade.
Por outro lado, temos a questão do imediatismo, com a qual precisamos ter cuidado e atenção. Por isso, temos que trabalhar soft skills, para eles aprenderem que precisam ter frustrações, decepções, limites, perceber que nem sempre as coisas vêm fáceis. A escola tem um papel importante, mas a família também. Temos que educar por valores, por exemplos. Esse é um desafio importante, porque hoje eles querem mudar o tempo todo e tudo isso passa também por questões de saúde mental.
É na universidade que se formam os executivos, os empreendedores e também é onde é importante passar conceitos de constância, resiliência, força etc. Como trabalham isso na Ânima?
Posso dar três exemplos: em 2004, estávamos construindo a Ânima e nos reunimos para conversar sobre nossos estudantes, que vinham em sua maioria do ensino público e chegavam com graves problemas em Português e Matemática, por exemplo. Tínhamos duas alternativas: subir a barra e selecionar só os melhores, como algumas escolas fazem - e ficar pequenos -, ou encarar o problema. Então começamos com nivelamento em raciocínio lógico e linguagem, com interpretação de texto, leitura, oratória e gramática, de forma obrigatória nos currículos.
Em seguida, o governo lançou o Prouni e muita gente era contra a convivência entre esses alunos e os mais abastados. Mas nós entendemos que essa convivência é riquíssima para os dois lados, o aluno com menor poder aquisitivo vê que pode chegar lá e o outro vê o valor que o colega atribui para essa oportunidade. Hoje, o Prouni é um exemplo, tem 2 milhões de alunos e, dentro da Ânima, o cluster dos mais bem avaliados, com maior nota e frequência, é composto por esses alunos do Prouni. O segundo grupo é formado pelos alunos que fazem financiamento estudantil privado. O jovem tem potencial: é preciso acreditar que é possível e investir nele.
O segundo exemplo é ir para as pontas: quando sucedi ao Daniel Castanho na presidência da Ânima, criei uma figura que chamei de presidente missionário e fui fazer escuta nas unidades: alunos, professores e educadores administrativos. Essa é uma ferramenta de trabalho maravilhosa de questões estruturais e mudanças que deveriam ser feitas na Ânima. Nessas visitas um assunto que foi unanimidade em todas as unidades foi suicídio em jovens, que me assustou e levou a pensar numa política institucional interna. Lançamos dois projetos pilotos, em 2019: um baseado em psiquiatria na nossa faculdade de Medicina de Belo Horizonte, chamado Entrelaços, e outro baseado em Expansão da Consciência, chamado Sunrise. E começamos a testar dentro das nossas unidades para ver eles poderiam se expandir para todo o Brasil.
Então veio a pandemia e todos os protocolos da Covid 19. Conseguimos colocar nossos então 145 mil alunos para estudar em casa, em segurança, em cinco dias. Fomos o primeiro grupo a fazer isso com uma plataforma tecnológica. Estávamos preparados por conta das escolhas que fizemos antes. Em uma semana percebemos que era muito necessário cuidar da saúde mental desses alunos. Então escalamos essas ferramentas: fizemos mais de 30 mil atendimentos de telemedicina, mais de 300 meditações todos os dias e assim criamos uma unidade de saúde mental para cuidar dos nossos alunos, que acabou entrando de forma estruturada em nossos currículos. Provamos que é possível.
Adicionalmente, um professor, mestre de yoga, dentro de sua busca pessoal e eu, que já era CEO da Ânima, pensamos que a maior inovação dentro da educação seria colocar esse tipo de discussão dentro do currículo, como atividade regulada. Colocamos esse professor na diretoria acadêmica para incluir Yoga, Aikido, mindfulness, meditação, entre outras, nos currículos. Talvez a maior inovação educacional que poderíamos fazer tenha sido colocar esse tipo de discussão dentro das formações, com o que pode ser chamado de soft skill ou formação humana.
Somos o country partner, ou representante, da Singularity University no Brasil. Começamos a provocar os americanos para colocar meditação na grade do Executive Program no Brasil e eles não autorizaram. Mas inserimos um período de meditação todos os dias antes do início do programa e a sala lotou. Hoje a meditação já faz parte da grade da Singularity, no Vale do Silício. Esse é o grande diferencial, é possível, mas precisa de disciplina, prioridade e acreditar. Precisamos expandir a consciência para outro patamar, pois cada vez mais a interação humana será necessária.
Um outro exemplo é que fomos pioneiros na criação de uma diretoria de sustentabilidade na Educação. Nosso ex-CEO, Daniel Castanho, visitou iniciativas no mundo inteiro.
A tecnologia não pode superar a importância do ser humano, do coletivo, do social. Como trabalham a diversidade de opiniões?
A universidade é um lugar de debate na essência, que não tem lado certo ou errado e que precisa ser incentivado no que é, na sua riqueza, no contraditório, nas opiniões diferentes. Não tem que brigar, não tem que ter polarização e não podemos permitir que a universidade saia desse local, que promove debate, diversidade e aceita diferenças. Isso é o Brasil na sua essência.
Quando você apoia diversidade, já é uma forma de aceitar opiniões diferentes, formas de viver, de acreditar e viver certas coisas. Como não tornar isso seletivo?
Isso é um desafio hoje na universidade. Temos que ensinar o jovem a respeitar o diverso, o diferente, a pluralidade e a tomar sua decisão com base no bom debate. Nosso objetivo é proporcionar empoderamento e representatividade a todos os grupos existentes em nossa sociedade.
Nada é unânime. As pessoas têm que se permitir a ter uma opinião. Como estimular esse debate?
Aprender na universidade é fazer isso, com respeito, escutando, dando chance para que pessoas diferentes se manifestem, e aí sim formar a sua opinião. Esse é o grande papel da universidade, que não pode se perder.
No Brasil a polarização ainda é muito radical. Qual o papel da educação nesse cenário?
Nada melhor que a educação para podermos deixar um país melhor para nossos filhos e nossos netos. Temos a genuína crença em fazer direito e pela qualidade em todo o ecossistema Ânima. E a genuína crença no poder do propósito de transformar o país pela educação.
Nós também temos a honra de ter pessoas brilhantes conosco, que acordam pela manhã e trabalham para ser uma pessoa melhor, ajudar alguém a realizar um sonho. Um exemplo é a honra de temos conosco o Dr. Ozires Silva, para mim o melhor brasileiro vivo, um menino que sonhou que o Brasil poderia criar aviões, fundou a Embraer e decidiu dedicar o último terço de sua vida à educação. Ele escolheu a Ânima e está conosco desde 2006.
O Brasil precisa resgatar nossos heróis para essa juventude, não só jogadores de futebol. Existem heróis e heroínas genuínos, exemplos a serem seguidos. O resgate do orgulho de ser brasileiro passa por aí.