Um pouco de cultura para os radicais de plantão
É assustador observar o posicionamento de boa parte da população em relação a recente discussão sobre a importância da cultura para o país. Discussão essa que teve seu início na atrapalhada extinção do MinC, ganhou força com sua surpreendente ressurreição, e parece não ter data para acabar. O curioso é ver que as mensagens de […]
Publicado em 9 de junho de 2016 às, 12h24.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h36.
É assustador observar o posicionamento de boa parte da população em relação a recente discussão sobre a importância da cultura para o país. Discussão essa que teve seu início na atrapalhada extinção do MinC, ganhou força com sua surpreendente ressurreição, e parece não ter data para acabar. O curioso é ver que as mensagens de ódio não tem só a Lei Rouanet como alvo, mas são também direcionadas a toda a classe artística e à cultura de uma forma geral. Até aí tudo mal, mas… Tudo bem. O problema foi ver a falta de qualidade e fundamento dos argumentos. Uma desinformação total. O ódio pelo ódio. O efeito manada. A opinião desqualificada, mas radical… A situação chegou a tal ponto que resolvi utilizar a coluna desta semana para levar um pouco de informação ao leitor. Talvez os pontos abaixo ajudem a clarear um pouco a questão. Ou talvez gerem ainda mais ódio — afinal, estudos mostram que mais de 95% das pessoas estão mais preocupadas em ganhar uma discussão do que em aprender com ela.
– Muitas pessoas têm se manifestado contra a lei Rouanet alegando que não querem que o imposto que deveria ajudar problemas fundamentais do país fosse gasto em cultura (esse supérfluo desnecessário). Não querem financiar peças de teatro e filmes de artistas dos quais não gostam, e que defendem o governo X ou Y. É curioso notar que estas mesmas pessoas investem, por exemplo, em LCIs, as Letras de Crédito Imobiliário. Estes títulos dão a eles o beneficio de não pagar impostos (olhe só, exatamente como o beneficio das empresas que dão dinheiro para a Lei Rouanet) e obriga os bancos que captam estes recursos a investir no setor imobiliário. Muitos dirão “mas o setor imobiliário é muito mais importante que a cultura, pois o povo precisa ter onde morar”. O que não sabem é que esse dinheiro vai também para financiar shoppings de alto luxo. Será que estes shoppings são fundamentais para o país? Prioridades? Mas que não mexam no beneficio das LCIs, porque a renúncia fiscal, quando é para a gente, é uma delicia…
– O gasto com as ações finalísticas do Ministério da Cultura em 2015 (aquele que exclui os salários dos servidores, manutenção de equipamentos, etc.) foi de cerca de 300 milhões de reais. As comparações abaixo dão um pouco de noção do quanto isso significa a nível de gastos federais.
– O preço de construção de apenas um dos estádios para a Copa do Mundo é equivalente ao investimento de três anos em Cultura pelo governo federal. Será que um estádio é tão mais importante do que três anos de investimento em cultura? Cadê o ódio contra os estádios?
– Uma queda de um 1% (isso mesmo, 1% apenas) na taxa básica de juros (a Selic) equivale a cerca de 45 anos do investimento em cultura pelo governo federal. Cadê o ódio contra os juros altos?
– Os cinco maiores bancos do país cobram com tarifas, por ano, cerca de 450 vezes o gasto anual em cultura do governo federal — ou seja, muito mais do que o que já foi gasto em cultura desde que o país foi descoberto. Cadê o ódio contra os bancos?
– O setor cultural no país emprega mais do que o setor automobilístico. Aliás, é uma delicia quando tem redução do IPI no carro zero não é? Mas essa renuncia fiscal é diferente…
– Artistas não são petistas. Existem artistas petistas sim, mas existem também psdbistas, apoiadores do DEM e até do PP (é serio!). Odiar a classe generalizando sua opção política é errado e antidemocrático, afinal todos tem o direito de fazer a opção política que fizer sentido para si.
– Cerca de 95% da classe artística do país ganha menos de 3 salários mínimos por mês, e trabalha mais de 40 horas por semana. Os dados são de pesquisas isoladas, dado que não há verba para pesquisas mais elaboradas sobre a cultura no país.
– O argumento de que no atual momento de crise deve-se focar em educação e saúde é absolutamente frágil quando se olha os números. Os pouco mais de 300 milhões que acabam chegando aos investimentos em cultura equivalem a cerca de 0,3% do orçamento da saúde, e 0,7% do orçamento da educação. Como não dá para economizar muito mais do que isso com a cultura, dado que pagar os servidores e manter dos equipamentos é inevitável, cortar isso significa não alterar em nada a situação da saúde e educação do país, e acabar de vez com o pouco que existe de incentivo a cultura.
É claro que deve-se ter um rigor grande em relação à Lei Rouanet. Devemos certamente zelar para que as verbas cheguem democraticamente a todos no Brasil, incluindo as pequenas cidades e suas manifestações culturais. A lei não deve nunca servir como uma alavanca de lucro para os grandes shows e espetáculos. Há de seguir se priorizando educação e saúde (como já é feito e facilmente observado pelos números do orçamento). O que não se pode é simplesmente eliminar a cultura da pauta do país. Ouvir as pessoas falando isso é somente prova de que realmente falta cultura ao nosso povo.