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Canon e Nikon – Uma aula de negócios em fotos

Quer entender os desafios da inovação disruptiva? Acompanhe o mercado das máquinas fotográficas

NIKON Z6: modelo é como uma queda do Muro de Berlim para a fotografia / Divulgação
DR

Da Redação

Publicado em 24 de setembro de 2018 às 17h17.

Última atualização em 24 de setembro de 2018 às 18h24.

Se você quer, em tempo real, a dinâmica de uma inovação disruptiva, e como ela chacoalha o mercado que atinge, convém prestar atenção aos novos lançamentos do mercado de câmeras fotográficas. Tem-se aí uma mistura de ruptura tecnológica, mudanças de hábito, incorporação de novos públicos… e uma feroz batalha de empresas estabelecidas com novas desafiantes.

O mais recente marco de ruptura (num mercado que anda sofrendo vários de uns anos para cá) aconteceu este mês. No espaço de duas semanas, as duas líderes do mercado fotográfico, as japonesas Canon e Nikon, inauguraram novos sistemas de captura de fotos – com câmeras mirrorless full-frame. Traduzindo: câmeras que não usam o sistema de espelhos e têm sensores equivalentes ao das tradicionais máquinas de filme, com 35mm.

Parece apenas mais uma tecnicalidade, no mar de lançamentos dos últimos anos? Não, dessa vez é algo maior. Trata-se do sinal de que uma tecnologia já pode clamar vitória sobre sua antecessora – e também do início de uma crucial batalha das empresas dominantes para manter-se vivas e saudáveis.

Aqui, convém uma breve contextualização técnica. As primeiras câmeras fotográficas eram basicamente caixas escuras com algum material sensível à luz dentro delas. Apontava-se a câmera para o objeto, abria-se um compartimento para deixar a luz entrar e ela “marcava” o material sensível (onde o objeto impedia a passagem de luz, o quadro ficava mais escuro).

Para saber o que você estava fotografando, criou-se um visor, mas havia uma diferença entre o ângulo deste visor e o da abertura da câmera para o filme. Ou seja, com as primeiras câmeras você enxergava um objeto pelo visor, mas a lente enxergava algo um pouco diferente. Era preciso fazer alguns cálculos para acertar o foco e o enquadramento com precisão.

Esse problema foi magistralmente solucionado pela tecnologia dos espelhos. Nas câmeras com espelhos, a luz entra por uma única abertura; um conjunto de dois espelhos desvia a imagem para o visor e, quando você clica para tirar a foto, os espelhos se retraem e a luz passa para o sensor. O que era uma diferença de espaço entre o visor e o sensor se tornou uma diferença de tempo entre o antes e o depois do clique. Durante décadas, esse sistema dominou o mercado de máquinas fotográficas.

Então vieram as digitais, com uma solução diferente. A luz vai direto para o sensor, e a imagem que ele captura é enviada para o visor.

Como em toda inovação disruptiva, as primeiras máquinas assim tinham sérios inconvenientes: a imagem demorava para se formar. O visor eletrônico ficava muito a dever ao visor óptico.

Canon e Nikon se mantiveram fieis às máquinas com espelhos (as SLR, agora DSLRs, o D significando digitais, porque não trabalham mais com filmes). A lógica é que são as melhores máquinas para os profissionais. E, por extensão, para os amadores sérios.

As competidoras – Sony, Panasonic e outras – viram aí uma oportunidade de largar na frente num mercado em transformação.

Mas aí vem outra característica do mundo da inovação: quem rompe também pode ser rompido. A maior parte do mercado de fotografia, em franca expansão nos últimos anos, foi capturada pelos celulares.

Então estávamos assim: Apple, Samsung e outras marcas de celulares capturando o enorme mercado das máquinas mais baratas. As marcas desafiadoras buscando o nicho intermediário. E Canon e Nikon com o grosso do mercado mais sofisticado.

Até que não deu mais.

A tecnologia mirrorless está avançando a passos tão rápidos que uma máquina desse tipo já é praticamente tão eficiente quanto uma DSLR. Canon e Nikon já tinham entrado nesse jogo, mas com máquinas que “cortam” a imagem (têm sensores menores). Agora, finalmente, lançaram as primeiras full frame (quadro inteiro, referindo-se ao tamanho padrão dos antigos filmes de 35mm).

A seu favor, as duas gigantes têm o fato de que os fotógrafos mais “sérios” costumam ter coleções de lentes, e as lentes fazem parte de um sistema. Não é tão simples mudar de um sistema Nikon para um sistema Sony, por exemplo.

O problema é que a nova tecnologia mirrorless também desemboca na troca de lentes (porque uma das grandes vantagens de se livrar dos espelhos é poder fabricar máquinas menores, mais leves, com lentes que chegam mais perto do sensor e podem, por isso, ser mais eficientes na passagem de luz).

Nikon e Canon estão lançando também novas lentes (e anunciando outras). Mais importante: criaram adaptadores para o uso das lentes antigas, promovendo uma passagem gradual de um sistema para outro.

Trata-se, muito provavelmente, do fim anunciado das DSLRs, que têm reinado por sete décadas (contando a partir da ascensão das marcas japonesas, mais baratas).

No mundo da fotografia, é algo como uma queda do Muro de Berlim, que prenuncia o fim de um império.

*David Cohen é jornalista e editor-executivo da revista Exame

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Se você quer, em tempo real, a dinâmica de uma inovação disruptiva, e como ela chacoalha o mercado que atinge, convém prestar atenção aos novos lançamentos do mercado de câmeras fotográficas. Tem-se aí uma mistura de ruptura tecnológica, mudanças de hábito, incorporação de novos públicos… e uma feroz batalha de empresas estabelecidas com novas desafiantes.

O mais recente marco de ruptura (num mercado que anda sofrendo vários de uns anos para cá) aconteceu este mês. No espaço de duas semanas, as duas líderes do mercado fotográfico, as japonesas Canon e Nikon, inauguraram novos sistemas de captura de fotos – com câmeras mirrorless full-frame. Traduzindo: câmeras que não usam o sistema de espelhos e têm sensores equivalentes ao das tradicionais máquinas de filme, com 35mm.

Parece apenas mais uma tecnicalidade, no mar de lançamentos dos últimos anos? Não, dessa vez é algo maior. Trata-se do sinal de que uma tecnologia já pode clamar vitória sobre sua antecessora – e também do início de uma crucial batalha das empresas dominantes para manter-se vivas e saudáveis.

Aqui, convém uma breve contextualização técnica. As primeiras câmeras fotográficas eram basicamente caixas escuras com algum material sensível à luz dentro delas. Apontava-se a câmera para o objeto, abria-se um compartimento para deixar a luz entrar e ela “marcava” o material sensível (onde o objeto impedia a passagem de luz, o quadro ficava mais escuro).

Para saber o que você estava fotografando, criou-se um visor, mas havia uma diferença entre o ângulo deste visor e o da abertura da câmera para o filme. Ou seja, com as primeiras câmeras você enxergava um objeto pelo visor, mas a lente enxergava algo um pouco diferente. Era preciso fazer alguns cálculos para acertar o foco e o enquadramento com precisão.

Esse problema foi magistralmente solucionado pela tecnologia dos espelhos. Nas câmeras com espelhos, a luz entra por uma única abertura; um conjunto de dois espelhos desvia a imagem para o visor e, quando você clica para tirar a foto, os espelhos se retraem e a luz passa para o sensor. O que era uma diferença de espaço entre o visor e o sensor se tornou uma diferença de tempo entre o antes e o depois do clique. Durante décadas, esse sistema dominou o mercado de máquinas fotográficas.

Então vieram as digitais, com uma solução diferente. A luz vai direto para o sensor, e a imagem que ele captura é enviada para o visor.

Como em toda inovação disruptiva, as primeiras máquinas assim tinham sérios inconvenientes: a imagem demorava para se formar. O visor eletrônico ficava muito a dever ao visor óptico.

Canon e Nikon se mantiveram fieis às máquinas com espelhos (as SLR, agora DSLRs, o D significando digitais, porque não trabalham mais com filmes). A lógica é que são as melhores máquinas para os profissionais. E, por extensão, para os amadores sérios.

As competidoras – Sony, Panasonic e outras – viram aí uma oportunidade de largar na frente num mercado em transformação.

Mas aí vem outra característica do mundo da inovação: quem rompe também pode ser rompido. A maior parte do mercado de fotografia, em franca expansão nos últimos anos, foi capturada pelos celulares.

Então estávamos assim: Apple, Samsung e outras marcas de celulares capturando o enorme mercado das máquinas mais baratas. As marcas desafiadoras buscando o nicho intermediário. E Canon e Nikon com o grosso do mercado mais sofisticado.

Até que não deu mais.

A tecnologia mirrorless está avançando a passos tão rápidos que uma máquina desse tipo já é praticamente tão eficiente quanto uma DSLR. Canon e Nikon já tinham entrado nesse jogo, mas com máquinas que “cortam” a imagem (têm sensores menores). Agora, finalmente, lançaram as primeiras full frame (quadro inteiro, referindo-se ao tamanho padrão dos antigos filmes de 35mm).

A seu favor, as duas gigantes têm o fato de que os fotógrafos mais “sérios” costumam ter coleções de lentes, e as lentes fazem parte de um sistema. Não é tão simples mudar de um sistema Nikon para um sistema Sony, por exemplo.

O problema é que a nova tecnologia mirrorless também desemboca na troca de lentes (porque uma das grandes vantagens de se livrar dos espelhos é poder fabricar máquinas menores, mais leves, com lentes que chegam mais perto do sensor e podem, por isso, ser mais eficientes na passagem de luz).

Nikon e Canon estão lançando também novas lentes (e anunciando outras). Mais importante: criaram adaptadores para o uso das lentes antigas, promovendo uma passagem gradual de um sistema para outro.

Trata-se, muito provavelmente, do fim anunciado das DSLRs, que têm reinado por sete décadas (contando a partir da ascensão das marcas japonesas, mais baratas).

No mundo da fotografia, é algo como uma queda do Muro de Berlim, que prenuncia o fim de um império.

*David Cohen é jornalista e editor-executivo da revista Exame

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