Exame Logo

Sobre o Conselheiro Acácio e cenários econômicos ‘otimistas’

O Estadão emplacou na terça-feira 23 um editorial provocativo com o título “Luzes de Acácio no mercado”. Com a excelência de sempre, a peça desferiu um golpe duro sobre aqueles que, como eu, ganham o pão desenhando cenários econômicos – o que, para o grande público, é o mesmo que adivinhar o futuro. Certamente o […]

Sessão da Câmara dos Deputados, durante protestos contra Temer, teve confusão: crise política dificulta ainda mais a aprovação de reformas / Luis Macedo/Agência Câmara
DR

Da Redação

Publicado em 25 de maio de 2017 às 10h00.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h11.

O Estadão emplacou na terça-feira 23 um editorial provocativo com o título “Luzes de Acácio no mercado”. Com a excelência de sempre, a peça desferiu um golpe duro sobre aqueles que, como eu, ganham o pão desenhando cenários econômicos – o que, para o grande público, é o mesmo que adivinhar o futuro. Certamente o editorial referiu-se a um escalão de aconselhadores do qual não faço parte. De qualquer forma, a crítica doeu um pouquinho.

O jornal admirou-se com o que, a seu juízo, parece ser a leitura consensual dos gurus sobre o cenário após a bomba que vaporizou o governo Temer. Segundo o editorial, esmiuçando as novas informações, os “eminentes analistas” teriam chegado à conclusão de que “a melhor solução (…) terá que ser a melhor solução”. Daí a menção ao personagem de Eça de Queiroz. É forçoso admitir que, descrito dessa forma, fica difícil vender o peixe da classe a que pertenço.

A narrativa mais comum dos cenários que podem ser considerados benignos contém, de fato, os elementos identificados no editorial: (i) substituição rápida de Temer, (ii) preservação da agenda reformista e (iii) blindagem da equipe econômica.

Normalmente, no entanto, histórias como estas são delineadas como uma lista de condições para que determinadas projeções se concretizem. É uma forma de dar ordem ao caos e não necessariamente uma aposta “seca” sobre um futuro evidentemente incerto. Soam óbvias às vezes, mas, na prática, ajudam a tomar decisões.

A parte mais difícil do ofício é atribuir probabilidades subjetivas aos cenários, uma vez definidas suas condições. O exercício é quase uma adivinhação porque, como comentei na coluna da semana passada, estão sobre a mesa incertezas que não comportam cálculos de risco-retorno convencionais. As narrativas precisam evidentemente ser minimamente plausíveis. Creio que o Estadão esteja reclamando da falha de alguns babalaôs em detalhar como cenários róseos em que, no frigir dos ovos, tudo parece ficar como dantes, seriam costurados em um pântano político quase intransponível. A reclamação procede.

Algumas análises que saíram por aí seguem, é verdade, uma linha panglossiana do tipo “as reformas evoluirão porque, sem elas, será o caos e as forças políticas têm consciência disso”. O argumento é fraco porque não é preciso ir muito longe para constatar que as forças políticas às vezes conduzem nações ao buraco, como na Argentina e na Venezuela – e, em certa medida, aqui também, dependendo do prisma que se adote. O fato de o Brasil precisar de reformas não significa que elas passarão. Diga-se, não é tão difícil encontrar eminências negando a necessidade de mudanças. No mundo em que vivemos, nem é preciso ter credenciais para opinar.

A meu ver, o jornal marca um ponto ao atribuir implicitamente uma probabilidade baixa ao cenário em três atos delineado pelas condições acima, lembrando que aquilo que era difícil antes, provavelmente tornou-se bem mais difícil agora – constatação que, convenhamos, não requer genialidade para ser alcançada.

O lado mais bizarro de toda história, no entanto, é que, concretamente, a julgar pelo comportamento dos mercados, aqueles que apostam dinheiro pesado nas narrativas parecem acreditar no papinho do Conselheiro Acácio. Para mim, isto é motivo de mais assombro do que observar exemplos da solenização do óbvio que tão frequentemente aparece nas páginas dos periódicos.

Uma das coisas mais difíceis que existem é adivinhar como o “mercado” absorverá as notícias. Às vezes, parece que os investidores se posicionam em determinada ponta para posteriormente sair à caça de uma narrativa coerente – como se a decisão de ser otimista ou pessimista precedesse uma análise objetiva de cenários. O economista belga e professor da London School of Economics Paul de Grauwe escreveu um texto brilhante sobre o assunto há uns anos.

As novidades de quarta-feira à noite sugeriam a mim um “day-after” no mercado muito mais tenso do que o que se deu na prática. Em conversas com colegas experientes, houve tiro para todo lado, mas o “consenso” era de que o dólar subiria para valer, talvez para mais de R$ 3,50, apesar da provável artilharia do Banco Central – que, de fato, foi acionada.

Passada uma semana, o mercado segue relativamente tranquilo diante do que, a valor de face, é a maior crise da história recente do país. Hoje, o Banco Central ficou fora do mercado de câmbio, Brasília foi incendiada e o dólar permaneceu ancorado dentro do intervalo entre R$ 3,25 e R$ 3,30 que se consolidou após o terremoto.

É verdade que há coisas positivas que atenuam o impacto recessivo do “choque”, como: (i) o bom momento da economia global, (ii) o desempenho extraordinário da agricultura, (iii) a equipe econômica de primeiro mundo e (iv) o fato de que a economia parecia mesmo estar saindo do buraco. Ainda assim é difícil explicar a tranquilidade relativa dos mercados.

Uma alternativa é abraçar a tese de que há uma espécie de “otimismo estrutural” capaz de sobreviver a qualquer intempérie, coerente com as implicações dos cenários acacianos criticados pelo Estadão. Pode acontecer o diabo que, no final do dia, haverá uma história de contornos rosados reafirmando os “bons fundamentos” da economia brasileira.

Sinceramente acho difícil, mas, como escrevi acima, acumulo um currículo extenso de grandes fracassos em adivinhar a reação do mercado diante das novidades. Aprendi a duras penas a não peitar a onda e, recentemente, ouvi uma história parecida de um gestor que cuida de dezenas de bilhões de reais. Se for por aí, todos os empecilhos que em tese atrapalham o roteiro acaciano serão descontados generosamente na medida em que a carroça vai balançando aos trancos e barrancos em seu caminho até 2018.

Dito isso, há uma falácia clássica em microeconomia normalmente exposta para discutir um axioma aparentemente inócuo, segundo o qual um consumidor racional deve ser indiferente entre, por exemplo, um sorvete de limão e outro sorvete de limão. Trata-se da história do cidadão que odeia café doce. Ele provavelmente é indiferente entre uma xícara sem açúcar e outra com apenas um grão. Se isso for verdade, também dá para encarar um cafezinho com apenas dois grãos de açúcar, praticamente idêntico ao com um grão, e assim por diante. O problema é que, levada ao limite, esta lógica leva à conclusão de que nosso amigo é indiferente entre um café amargo e uma xícara cheia de açúcar – conclusão evidentemente falsa.

A meu ver, o mercado vinha e continua aceitando grãos de açúcar no café há um bom tempo, por exemplo, ao relativizar a deterioração do cenário fiscal de curto prazo, absorver tranquilamente a “desidratação” da reforma da Previdência e, principalmente, ao avaliar suas chances de aprovação, mesmo antes de quarta-feira. Seguindo esta linha de raciocínio, a reação benigna diante do esfacelamento do governo reforça a complacência extraordinária, mas não necessariamente implica a existência de otimismo capaz de aguentar todo desaforo. A qualquer momento o mercado poderá achar que o café está melado demais. Neste mundo, o acacianismo é mais uma demonstração de desespero do que qualquer outra coisa.

A partir dessa linha, olhando para frente e tendo em vista o desempenho dos últimos dias, é inegável que há propensão a aceitar vários grãos adicionais de açúcar, mas a teoria só se sustentará se houver de fato um avanço “razoável” da agenda legislativa, talvez de acordo com o roteiro acaciano denunciado pelo Estadão, ou com versões paulatinamente rearranjadas do mesmo, na medida em que ficar claro que o buraco é mais profundo.

O problema é que a chance de “dar ruim” no encaminhamento das reformas sem alguém para fazer o jogo miúdo é algo que parece ser bem mais verossímil do que sugerem os preços e, se esta avaliação estiver correta, cedo ou tarde o mercado acusará. Ou, alternativamente, a teoria é falsa e as reformas não são tão importantes quanto se pensa. Ou então o Conselheiro Acácio está certo. Cada um deve escolher a narrativa que lhe parece mais convincente. Fico com a primeira e, por isso, estou preocupado. É óbvio que o discurso reformista permanecerá e, talvez, isso se mostre suficiente por um tempo. Mas, hoje, a chance de aprovação de algo relevante e, necessariamente, impopular caiu bastante.

Reitero o cenário que desenhei na semana passada. Na melhor das hipóteses, dada a situação estressada do crédito e o provável impacto deletério da crise sobre a confiança de empresários (e, depois de um tempo, consumidores) a economia deverá andar de lado. Difícil passar projetos polêmicos. Se, além disso, aparecer um defunto grande boiando e, como desgraça pouca é bobagem, a inflação acordar acima do Rio Grande…

Veja também

O Estadão emplacou na terça-feira 23 um editorial provocativo com o título “Luzes de Acácio no mercado”. Com a excelência de sempre, a peça desferiu um golpe duro sobre aqueles que, como eu, ganham o pão desenhando cenários econômicos – o que, para o grande público, é o mesmo que adivinhar o futuro. Certamente o editorial referiu-se a um escalão de aconselhadores do qual não faço parte. De qualquer forma, a crítica doeu um pouquinho.

O jornal admirou-se com o que, a seu juízo, parece ser a leitura consensual dos gurus sobre o cenário após a bomba que vaporizou o governo Temer. Segundo o editorial, esmiuçando as novas informações, os “eminentes analistas” teriam chegado à conclusão de que “a melhor solução (…) terá que ser a melhor solução”. Daí a menção ao personagem de Eça de Queiroz. É forçoso admitir que, descrito dessa forma, fica difícil vender o peixe da classe a que pertenço.

A narrativa mais comum dos cenários que podem ser considerados benignos contém, de fato, os elementos identificados no editorial: (i) substituição rápida de Temer, (ii) preservação da agenda reformista e (iii) blindagem da equipe econômica.

Normalmente, no entanto, histórias como estas são delineadas como uma lista de condições para que determinadas projeções se concretizem. É uma forma de dar ordem ao caos e não necessariamente uma aposta “seca” sobre um futuro evidentemente incerto. Soam óbvias às vezes, mas, na prática, ajudam a tomar decisões.

A parte mais difícil do ofício é atribuir probabilidades subjetivas aos cenários, uma vez definidas suas condições. O exercício é quase uma adivinhação porque, como comentei na coluna da semana passada, estão sobre a mesa incertezas que não comportam cálculos de risco-retorno convencionais. As narrativas precisam evidentemente ser minimamente plausíveis. Creio que o Estadão esteja reclamando da falha de alguns babalaôs em detalhar como cenários róseos em que, no frigir dos ovos, tudo parece ficar como dantes, seriam costurados em um pântano político quase intransponível. A reclamação procede.

Algumas análises que saíram por aí seguem, é verdade, uma linha panglossiana do tipo “as reformas evoluirão porque, sem elas, será o caos e as forças políticas têm consciência disso”. O argumento é fraco porque não é preciso ir muito longe para constatar que as forças políticas às vezes conduzem nações ao buraco, como na Argentina e na Venezuela – e, em certa medida, aqui também, dependendo do prisma que se adote. O fato de o Brasil precisar de reformas não significa que elas passarão. Diga-se, não é tão difícil encontrar eminências negando a necessidade de mudanças. No mundo em que vivemos, nem é preciso ter credenciais para opinar.

A meu ver, o jornal marca um ponto ao atribuir implicitamente uma probabilidade baixa ao cenário em três atos delineado pelas condições acima, lembrando que aquilo que era difícil antes, provavelmente tornou-se bem mais difícil agora – constatação que, convenhamos, não requer genialidade para ser alcançada.

O lado mais bizarro de toda história, no entanto, é que, concretamente, a julgar pelo comportamento dos mercados, aqueles que apostam dinheiro pesado nas narrativas parecem acreditar no papinho do Conselheiro Acácio. Para mim, isto é motivo de mais assombro do que observar exemplos da solenização do óbvio que tão frequentemente aparece nas páginas dos periódicos.

Uma das coisas mais difíceis que existem é adivinhar como o “mercado” absorverá as notícias. Às vezes, parece que os investidores se posicionam em determinada ponta para posteriormente sair à caça de uma narrativa coerente – como se a decisão de ser otimista ou pessimista precedesse uma análise objetiva de cenários. O economista belga e professor da London School of Economics Paul de Grauwe escreveu um texto brilhante sobre o assunto há uns anos.

As novidades de quarta-feira à noite sugeriam a mim um “day-after” no mercado muito mais tenso do que o que se deu na prática. Em conversas com colegas experientes, houve tiro para todo lado, mas o “consenso” era de que o dólar subiria para valer, talvez para mais de R$ 3,50, apesar da provável artilharia do Banco Central – que, de fato, foi acionada.

Passada uma semana, o mercado segue relativamente tranquilo diante do que, a valor de face, é a maior crise da história recente do país. Hoje, o Banco Central ficou fora do mercado de câmbio, Brasília foi incendiada e o dólar permaneceu ancorado dentro do intervalo entre R$ 3,25 e R$ 3,30 que se consolidou após o terremoto.

É verdade que há coisas positivas que atenuam o impacto recessivo do “choque”, como: (i) o bom momento da economia global, (ii) o desempenho extraordinário da agricultura, (iii) a equipe econômica de primeiro mundo e (iv) o fato de que a economia parecia mesmo estar saindo do buraco. Ainda assim é difícil explicar a tranquilidade relativa dos mercados.

Uma alternativa é abraçar a tese de que há uma espécie de “otimismo estrutural” capaz de sobreviver a qualquer intempérie, coerente com as implicações dos cenários acacianos criticados pelo Estadão. Pode acontecer o diabo que, no final do dia, haverá uma história de contornos rosados reafirmando os “bons fundamentos” da economia brasileira.

Sinceramente acho difícil, mas, como escrevi acima, acumulo um currículo extenso de grandes fracassos em adivinhar a reação do mercado diante das novidades. Aprendi a duras penas a não peitar a onda e, recentemente, ouvi uma história parecida de um gestor que cuida de dezenas de bilhões de reais. Se for por aí, todos os empecilhos que em tese atrapalham o roteiro acaciano serão descontados generosamente na medida em que a carroça vai balançando aos trancos e barrancos em seu caminho até 2018.

Dito isso, há uma falácia clássica em microeconomia normalmente exposta para discutir um axioma aparentemente inócuo, segundo o qual um consumidor racional deve ser indiferente entre, por exemplo, um sorvete de limão e outro sorvete de limão. Trata-se da história do cidadão que odeia café doce. Ele provavelmente é indiferente entre uma xícara sem açúcar e outra com apenas um grão. Se isso for verdade, também dá para encarar um cafezinho com apenas dois grãos de açúcar, praticamente idêntico ao com um grão, e assim por diante. O problema é que, levada ao limite, esta lógica leva à conclusão de que nosso amigo é indiferente entre um café amargo e uma xícara cheia de açúcar – conclusão evidentemente falsa.

A meu ver, o mercado vinha e continua aceitando grãos de açúcar no café há um bom tempo, por exemplo, ao relativizar a deterioração do cenário fiscal de curto prazo, absorver tranquilamente a “desidratação” da reforma da Previdência e, principalmente, ao avaliar suas chances de aprovação, mesmo antes de quarta-feira. Seguindo esta linha de raciocínio, a reação benigna diante do esfacelamento do governo reforça a complacência extraordinária, mas não necessariamente implica a existência de otimismo capaz de aguentar todo desaforo. A qualquer momento o mercado poderá achar que o café está melado demais. Neste mundo, o acacianismo é mais uma demonstração de desespero do que qualquer outra coisa.

A partir dessa linha, olhando para frente e tendo em vista o desempenho dos últimos dias, é inegável que há propensão a aceitar vários grãos adicionais de açúcar, mas a teoria só se sustentará se houver de fato um avanço “razoável” da agenda legislativa, talvez de acordo com o roteiro acaciano denunciado pelo Estadão, ou com versões paulatinamente rearranjadas do mesmo, na medida em que ficar claro que o buraco é mais profundo.

O problema é que a chance de “dar ruim” no encaminhamento das reformas sem alguém para fazer o jogo miúdo é algo que parece ser bem mais verossímil do que sugerem os preços e, se esta avaliação estiver correta, cedo ou tarde o mercado acusará. Ou, alternativamente, a teoria é falsa e as reformas não são tão importantes quanto se pensa. Ou então o Conselheiro Acácio está certo. Cada um deve escolher a narrativa que lhe parece mais convincente. Fico com a primeira e, por isso, estou preocupado. É óbvio que o discurso reformista permanecerá e, talvez, isso se mostre suficiente por um tempo. Mas, hoje, a chance de aprovação de algo relevante e, necessariamente, impopular caiu bastante.

Reitero o cenário que desenhei na semana passada. Na melhor das hipóteses, dada a situação estressada do crédito e o provável impacto deletério da crise sobre a confiança de empresários (e, depois de um tempo, consumidores) a economia deverá andar de lado. Difícil passar projetos polêmicos. Se, além disso, aparecer um defunto grande boiando e, como desgraça pouca é bobagem, a inflação acordar acima do Rio Grande…

Acompanhe tudo sobre:Exame Hoje

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se