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Incerteza, estagnação e feijão com arroz daqui para frente

Como a crise afetará a economia? A incerteza, que vinha se mantendo em patamares elevados, aumentou bastante e aí está o começo do novelo. O efeito real da tempestade dependerá de como as expectativas sobre o futuro serão redesenhadas porque, como se sabe, o presente é construído a partir de cenários fictícios imaginados para o […]

PROTESTO EM SÃO PAULO: a vantagem é que o golpe foi desferido em clima ainda propenso ao otimismo / Nacho Doce/ Reuters
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Da Redação

Publicado em 19 de maio de 2017 às 13h03.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h15.

Como a crise afetará a economia?

A incerteza, que vinha se mantendo em patamares elevados, aumentou bastante e aí está o começo do novelo. O efeito real da tempestade dependerá de como as expectativas sobre o futuro serão redesenhadas porque, como se sabe, o presente é construído a partir de cenários fictícios imaginados para o futuro – a economia é “um estado de espírito” para usar a expressão de Delfim Netto.

Nesta altura, não consigo ver desfecho positivo, mas ainda aposto que escaparemos do caos.

O sentimento econômico evolui de forma irregular e pouco previsível. O “consenso” se forma a partir de narrativas que ajudam a tomada de decisões diante de um futuro estruturalmente incerto. As histórias não derivam de cálculos probabilísticos explícitos e, por esta razão, não precisam ser estritamente verdadeiras. Basta apenas que sejam convincentes, o que as tornam moldadas por crenças coletivas e passíveis de manipulação por formadores de opinião.

O tom das histórias é persistente até que algo suficientemente relevante torne obrigatório mudar o eixo da narrativa – é difícil, quase impossível, identificar antes o que pode ser a gota d’água. Havia inegavelmente uma predisposição ao otimismo antes da última novidade, mesmo diante de uma aquarela de riscos externos e domésticos. A questão central é saber se essa predisposição sobreviverá porque, de resto, o que se deu é de uma gravidade assombrosa.

Até o final da tarde da última quarta-feira, a narrativa consensual para racionalizar o angu em que o país se colocou desde 2012 era a seguinte. O Brasil caminhava para o buraco com Dilma. Temer parou de cavá-lo e propôs uma agenda ambiciosa de reformas capaz de colocar o trem novamente nos trilhos. Dificilmente conseguiria emplacar 100% da agenda definida inicialmente, talvez nem 50%. Grosso modo, no entanto, estava obtendo êxitos, apesar das fragilidades amplamente conhecidas e da situação fiscal para lá de complicada (mesmo com a aprovação das reformas). Além disso, a agenda precisaria ser chancelada pelas urnas em 2018, mas não haveria sentido colocar o carro à frente dos bois – uma coisa de cada vez.

Diante de um futuro capaz de abrigar qualquer coisa, de Lula a Bolsonaro, o ponto focal virou: com aprovação das reformas, beleza, se não, complica, sempre com uma definição bem flexível para o significado do que seria “aprovar as reformas”. Neste timbre, o mercado comprou o “kit Brasil” e absorveu com relativa tranquilidade – ou complacência para quem preferir – uma leva de surpresas negativas, seja no comportamento da economia, seja na “desidratação” das reformas ou na avaliação das condições para sua aprovação. O telhado de vidro da turma que estava no comando era amplamente conhecido, mas descontado generosamente.

O lado milagroso de tudo isso é que o sentimento estava melhorando e, com ele, a economia. A “ancoragem das expectativas” estava plantando algo bem decente para a segunda metade de 2017. Desconfio que a tranquilidade que reinou até quarta poderia aguentar ainda mais desaforos, sem maiores consequências. A única coisa em tese proibida era a queda de uma bomba nuclear.

A bomba caiu, prejudicando a narrativa de normalização porque, no clima atual, não haverá reformas. A desidratação paulatina dos projetos era preocupante, mas digerível na base do “é o que temos para o momento”. Um bofetão direto sobre um presidente extremamente impopular e inexistente sem uma base congressual muda as coisas de figura. A vantagem é que o golpe foi desferido em clima ainda propenso ao otimismo, o que faz muita diferença.

O melhor cenário que consigo desenhar atualmente é o de montagem rápida de uma “transição da transição” com blindagem da equipe econômica para levar o país com um mínimo de tranquilidade para a eleição de 2018. Voltamos ao feijão com arroz. Não é um cenário confortável, mas não necessariamente é o fim do mundo, pois não há no governo nenhum maluco propondo incentivos setoriais e medidas “anticíclicas” e, pelas reações iniciais, guardadas as devidas proporções, parece que a propensão ao otimismo segue intacta. A pior hipótese para a economia é a paralisação completa do país com um governo zumbi tentando sobreviver a qualquer custo e, neste ambiente, flertando com o populismo barato. Não considero esta a hipótese mais provável.

Quantificar o estrago é quase um exercício de adivinhação, mas vamos lá. Os termômetros que medem o humor dos agentes econômicos, famílias e empresas, ensaiavam uma pequena melhora, após um período de estagnação entre agosto de 2016 e fevereiro passado. A economia exibia alguns sinais tímidos de retomada, apesar dos mercados de crédito bastante travados. Desconfio que haja piora notável destes indicadores nas próximas leituras, sobretudo em junho.

Em uma hipótese conservadora, se a confiança média cair para o patamar mais baixo registrado durante a recessão, mas, adotando agora uma premissa um pouco mais benigna, retorne gradualmente para o patamar atual até o final do ano que vem, o crescimento acumulado em 2017 e 2018 deverá ser próximo de zero, possivelmente negativo no começo e ligeiramente positivo no final do período. Ruim, sem dúvida, mas não é o “fim do Brasil”. O equilíbrio, no entanto, é frágil. A estagnação retira o fôlego das empresas sufocadas pela restrição do crédito, elevando-se o risco de aprofundamento da recessão – ou seja, o viés é de baixa. Em qualquer cenário, investimentos provavelmente sofrerão mais do que o consumo.

A elevação da percepção de risco tende a fazer o real perder valor frente às demais moedas. O Banco Central tem utilizado os instrumentos disponíveis para conter a volatilidade inicial e, quando a poeira baixar, o dólar deverá estar mais caro do que estava há algumas semanas, a meu ver um pouco mais do que está agora, mas não muito – isso tende a ajudar o setor exportador. A agricultura prospera em qualquer hipótese. A crise não muda significativamente o cenário benigno para a inflação. O Banco Central deverá dar prosseguimento ao afrouxamento monetário, porém com cautela maior. O juro deve atingir patamar de um dígito em breve, mas não cairá tanto quanto se esperava anteriormente.

A hipótese de restauração gradual da normalidade pressupõe uma solução rápida para o vácuo de poder criado, um equacionamento satisfatório do “dia seguinte” (algo que existia antes dos impedimentos de Collor e Dilma, mas não existe agora), com o mínimo de consenso para conduzir o país tranquilamente para 2018. Pressupõe também que o certame eleitoral de 2018 conte com um candidato reformista com chances razoáveis de vitória – hipótese que, admito, pode ser contestada. Por fim, parte do princípio que a pegada relativamente otimista das expectativas continue. A alternativa é uma crise econômica de proporções severas.

celsonovo

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Como a crise afetará a economia?

A incerteza, que vinha se mantendo em patamares elevados, aumentou bastante e aí está o começo do novelo. O efeito real da tempestade dependerá de como as expectativas sobre o futuro serão redesenhadas porque, como se sabe, o presente é construído a partir de cenários fictícios imaginados para o futuro – a economia é “um estado de espírito” para usar a expressão de Delfim Netto.

Nesta altura, não consigo ver desfecho positivo, mas ainda aposto que escaparemos do caos.

O sentimento econômico evolui de forma irregular e pouco previsível. O “consenso” se forma a partir de narrativas que ajudam a tomada de decisões diante de um futuro estruturalmente incerto. As histórias não derivam de cálculos probabilísticos explícitos e, por esta razão, não precisam ser estritamente verdadeiras. Basta apenas que sejam convincentes, o que as tornam moldadas por crenças coletivas e passíveis de manipulação por formadores de opinião.

O tom das histórias é persistente até que algo suficientemente relevante torne obrigatório mudar o eixo da narrativa – é difícil, quase impossível, identificar antes o que pode ser a gota d’água. Havia inegavelmente uma predisposição ao otimismo antes da última novidade, mesmo diante de uma aquarela de riscos externos e domésticos. A questão central é saber se essa predisposição sobreviverá porque, de resto, o que se deu é de uma gravidade assombrosa.

Até o final da tarde da última quarta-feira, a narrativa consensual para racionalizar o angu em que o país se colocou desde 2012 era a seguinte. O Brasil caminhava para o buraco com Dilma. Temer parou de cavá-lo e propôs uma agenda ambiciosa de reformas capaz de colocar o trem novamente nos trilhos. Dificilmente conseguiria emplacar 100% da agenda definida inicialmente, talvez nem 50%. Grosso modo, no entanto, estava obtendo êxitos, apesar das fragilidades amplamente conhecidas e da situação fiscal para lá de complicada (mesmo com a aprovação das reformas). Além disso, a agenda precisaria ser chancelada pelas urnas em 2018, mas não haveria sentido colocar o carro à frente dos bois – uma coisa de cada vez.

Diante de um futuro capaz de abrigar qualquer coisa, de Lula a Bolsonaro, o ponto focal virou: com aprovação das reformas, beleza, se não, complica, sempre com uma definição bem flexível para o significado do que seria “aprovar as reformas”. Neste timbre, o mercado comprou o “kit Brasil” e absorveu com relativa tranquilidade – ou complacência para quem preferir – uma leva de surpresas negativas, seja no comportamento da economia, seja na “desidratação” das reformas ou na avaliação das condições para sua aprovação. O telhado de vidro da turma que estava no comando era amplamente conhecido, mas descontado generosamente.

O lado milagroso de tudo isso é que o sentimento estava melhorando e, com ele, a economia. A “ancoragem das expectativas” estava plantando algo bem decente para a segunda metade de 2017. Desconfio que a tranquilidade que reinou até quarta poderia aguentar ainda mais desaforos, sem maiores consequências. A única coisa em tese proibida era a queda de uma bomba nuclear.

A bomba caiu, prejudicando a narrativa de normalização porque, no clima atual, não haverá reformas. A desidratação paulatina dos projetos era preocupante, mas digerível na base do “é o que temos para o momento”. Um bofetão direto sobre um presidente extremamente impopular e inexistente sem uma base congressual muda as coisas de figura. A vantagem é que o golpe foi desferido em clima ainda propenso ao otimismo, o que faz muita diferença.

O melhor cenário que consigo desenhar atualmente é o de montagem rápida de uma “transição da transição” com blindagem da equipe econômica para levar o país com um mínimo de tranquilidade para a eleição de 2018. Voltamos ao feijão com arroz. Não é um cenário confortável, mas não necessariamente é o fim do mundo, pois não há no governo nenhum maluco propondo incentivos setoriais e medidas “anticíclicas” e, pelas reações iniciais, guardadas as devidas proporções, parece que a propensão ao otimismo segue intacta. A pior hipótese para a economia é a paralisação completa do país com um governo zumbi tentando sobreviver a qualquer custo e, neste ambiente, flertando com o populismo barato. Não considero esta a hipótese mais provável.

Quantificar o estrago é quase um exercício de adivinhação, mas vamos lá. Os termômetros que medem o humor dos agentes econômicos, famílias e empresas, ensaiavam uma pequena melhora, após um período de estagnação entre agosto de 2016 e fevereiro passado. A economia exibia alguns sinais tímidos de retomada, apesar dos mercados de crédito bastante travados. Desconfio que haja piora notável destes indicadores nas próximas leituras, sobretudo em junho.

Em uma hipótese conservadora, se a confiança média cair para o patamar mais baixo registrado durante a recessão, mas, adotando agora uma premissa um pouco mais benigna, retorne gradualmente para o patamar atual até o final do ano que vem, o crescimento acumulado em 2017 e 2018 deverá ser próximo de zero, possivelmente negativo no começo e ligeiramente positivo no final do período. Ruim, sem dúvida, mas não é o “fim do Brasil”. O equilíbrio, no entanto, é frágil. A estagnação retira o fôlego das empresas sufocadas pela restrição do crédito, elevando-se o risco de aprofundamento da recessão – ou seja, o viés é de baixa. Em qualquer cenário, investimentos provavelmente sofrerão mais do que o consumo.

A elevação da percepção de risco tende a fazer o real perder valor frente às demais moedas. O Banco Central tem utilizado os instrumentos disponíveis para conter a volatilidade inicial e, quando a poeira baixar, o dólar deverá estar mais caro do que estava há algumas semanas, a meu ver um pouco mais do que está agora, mas não muito – isso tende a ajudar o setor exportador. A agricultura prospera em qualquer hipótese. A crise não muda significativamente o cenário benigno para a inflação. O Banco Central deverá dar prosseguimento ao afrouxamento monetário, porém com cautela maior. O juro deve atingir patamar de um dígito em breve, mas não cairá tanto quanto se esperava anteriormente.

A hipótese de restauração gradual da normalidade pressupõe uma solução rápida para o vácuo de poder criado, um equacionamento satisfatório do “dia seguinte” (algo que existia antes dos impedimentos de Collor e Dilma, mas não existe agora), com o mínimo de consenso para conduzir o país tranquilamente para 2018. Pressupõe também que o certame eleitoral de 2018 conte com um candidato reformista com chances razoáveis de vitória – hipótese que, admito, pode ser contestada. Por fim, parte do princípio que a pegada relativamente otimista das expectativas continue. A alternativa é uma crise econômica de proporções severas.

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