Acredite se quiser: o mundo está ajudando o Brasil
O milagre econômico brasileiro da primeira metade dos anos 2000 ocorreu no vácuo da ascensão chinesa. O governo atribuiu a si o sucesso. Quando a crise de 2008 estourou, afirmou-se que ela seria para o país uma “marolinha”. A China pisou fundo no acelerador e colhemos os frutos de uma política “anticíclica”. A partir de […]
Da Redação
Publicado em 19 de dezembro de 2016 às 10h38.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h48.
O milagre econômico brasileiro da primeira metade dos anos 2000 ocorreu no vácuo da ascensão chinesa. O governo atribuiu a si o sucesso. Quando a crise de 2008 estourou, afirmou-se que ela seria para o país uma “marolinha”. A China pisou fundo no acelerador e colhemos os frutos de uma política “anticíclica”. A partir de então, o crescimento tornou-se artificial, inflado com estímulos setoriais, subsídios e intervenções. A festa acabou com as finanças públicas em frangalhos, estatais quebradas, pressões inflacionárias e uma das piores recessões da história. O governo naturalmente mudou o discurso, conferindo o fracasso à crise externa.
Não resta dúvida que a desaceleração da economia mundial prejudicou o Brasil bem como todas as economias exportadoras de matérias primas, especialmente as emergentes. A diferença é que, enquanto a maioria dos países teve que absorver taxas de crescimento menores, o Brasil soçobrou, indicando claramente que razões domésticas prevaleceram sobre as externas na explicação da crise. O desastre resultou de um coquetel de políticas equivocadas temperado por escândalos de corrupção – eventos não totalmente independentes entre si.
Mais recentemente, a incerteza econômica tem batido recordes históricos no mundo. É possível fazer essa afirmação graças à ajuda do economista Nick Bloom, da Universidade de Stanford. Com alguns colegas, ele bolou um termômetro baseado em análise do conteúdo de notícias de jornal capaz de quantificar adequadamente a incerteza relativa aos rumos da política econômica em diversos lugares, Brasil inclusive. Atualmente, a versão que compila os resultados dos principais países tem oscilado no maior patamar dos últimos 20 anos.
Pudera. Como é possível planejar decentemente em uma conjuntura susceptível a produzir, em um intervalo de seis meses, o Brexit e a eleição de Trump? Sem falar da situação delicadíssima da Europa, da bomba relógio armada na China, impedimentos presidenciais em Brasil e Coréia, brincadeiras com mísseis nucleares, golpe na Turquia, tensões entre Rússia e vizinhos, ruína da Síria e por aí vai.
No entanto, a despeito desse histórico carregado, o cenário global encontra-se momentaneamente tranquilo – diria até favorável. O PIB mundial cresceu em ritmo anualizado de 3,5% no terceiro trimestre, o maior registro em quase dois anos. Além disso, prevalece um clima de relativo otimismo entre executivos industriais, sugerindo que o ritmo positivo do terceiro trimestre pode continuar no quarto. Os números dos EUA, Europa, Japão e China vieram positivos. O agregado mundial está no maior patamar desde setembro de 2014.
Como compatibilizar a incerteza recorde com uma bonança que há tempos não se via?
A economia americana não está mais tão produtiva quanto antes, mas ganha tração há um bom tempo e a novidade é que o presidente eleito promete jogar lenha na fogueira. No médio prazo, a estratégia poderá ser um tiro no pé porque o PIB encontra-se perto do potencial e o FED não ficará de braços cruzados. No curto prazo, no entanto, os estímulos podem reforçar a aceleração que está em curso. De acordo com a última sondagem com economistas feita pelo Wall Street Journal, há um viés de alta para projeções de crescimento para o próximo ano, invertendo a percepção que prevalecia antes do resultado da eleição.
Na Europa e na China, o risco de turbulências fortes derivado de problemas estruturais tem sido minimizado por políticas monetárias cada vez mais expansionistas. Especificamente no caso chinês, o governo parece ter adiado sine die o tal “rebalanceamento” da economia, necessário para desinflar a bolha insustentável de crédito. A história acabará mal, mas o dia do juízo final pode demorar um tempo, mais de um ano talvez. Até esse dia a economia tende a se comportar normalmente, criando a sensação de que está tudo bem.
O resto do mundo está uma bagunça, mas estes fatores, aliados à ajuda da OPEP, são suficientes para entender a ocorrência de uma combinação incomum de eventos que, por incrível que possa parecer, é favorável ao Brasil.
Há um padrão que liga a cotação internacional do dólar e os preços de commodities industriais que se tem se mantido mais ou menos constante nos últimos 20 anos. De acordo com esse padrão, quando o dólar se fortalece, os preços de commodities tendem a cair.
Curiosamente, a regra parece ter mudado a partir de Novembro: o dólar tem se fortalecido junto com as mercadorias. A verdinha encareceu quase 5% contra os principais pares e o preço do minério de ferro, por exemplo, subiu 25%. O do cobre quase 20%. Os termos de troca da economia brasileira, que medem o poder de compra de nossas exportações, estavam em queda desde 2012. Nos últimos seis meses, o indicador aumentou 12%. Do ponto de vista estatístico, há apenas um mês um economista atribuiria probabilidade menor do que 5% de vermos o que estamos vendo.
O destino do país dependerá da capacidade do governo de avançar as reformas. A causa de nossas desgraças (e, portanto, a solução) é doméstica. Felizmente o mundo está ajudando um pouco – pelo menos por enquanto. Vai saber exatamente o que está por trás disso, até onde vai o ajuste e quanto tempo durará a festa. É bom aproveitar a janela (quem sabe baixar um pouco mais rapidamente o juro).
O milagre econômico brasileiro da primeira metade dos anos 2000 ocorreu no vácuo da ascensão chinesa. O governo atribuiu a si o sucesso. Quando a crise de 2008 estourou, afirmou-se que ela seria para o país uma “marolinha”. A China pisou fundo no acelerador e colhemos os frutos de uma política “anticíclica”. A partir de então, o crescimento tornou-se artificial, inflado com estímulos setoriais, subsídios e intervenções. A festa acabou com as finanças públicas em frangalhos, estatais quebradas, pressões inflacionárias e uma das piores recessões da história. O governo naturalmente mudou o discurso, conferindo o fracasso à crise externa.
Não resta dúvida que a desaceleração da economia mundial prejudicou o Brasil bem como todas as economias exportadoras de matérias primas, especialmente as emergentes. A diferença é que, enquanto a maioria dos países teve que absorver taxas de crescimento menores, o Brasil soçobrou, indicando claramente que razões domésticas prevaleceram sobre as externas na explicação da crise. O desastre resultou de um coquetel de políticas equivocadas temperado por escândalos de corrupção – eventos não totalmente independentes entre si.
Mais recentemente, a incerteza econômica tem batido recordes históricos no mundo. É possível fazer essa afirmação graças à ajuda do economista Nick Bloom, da Universidade de Stanford. Com alguns colegas, ele bolou um termômetro baseado em análise do conteúdo de notícias de jornal capaz de quantificar adequadamente a incerteza relativa aos rumos da política econômica em diversos lugares, Brasil inclusive. Atualmente, a versão que compila os resultados dos principais países tem oscilado no maior patamar dos últimos 20 anos.
Pudera. Como é possível planejar decentemente em uma conjuntura susceptível a produzir, em um intervalo de seis meses, o Brexit e a eleição de Trump? Sem falar da situação delicadíssima da Europa, da bomba relógio armada na China, impedimentos presidenciais em Brasil e Coréia, brincadeiras com mísseis nucleares, golpe na Turquia, tensões entre Rússia e vizinhos, ruína da Síria e por aí vai.
No entanto, a despeito desse histórico carregado, o cenário global encontra-se momentaneamente tranquilo – diria até favorável. O PIB mundial cresceu em ritmo anualizado de 3,5% no terceiro trimestre, o maior registro em quase dois anos. Além disso, prevalece um clima de relativo otimismo entre executivos industriais, sugerindo que o ritmo positivo do terceiro trimestre pode continuar no quarto. Os números dos EUA, Europa, Japão e China vieram positivos. O agregado mundial está no maior patamar desde setembro de 2014.
Como compatibilizar a incerteza recorde com uma bonança que há tempos não se via?
A economia americana não está mais tão produtiva quanto antes, mas ganha tração há um bom tempo e a novidade é que o presidente eleito promete jogar lenha na fogueira. No médio prazo, a estratégia poderá ser um tiro no pé porque o PIB encontra-se perto do potencial e o FED não ficará de braços cruzados. No curto prazo, no entanto, os estímulos podem reforçar a aceleração que está em curso. De acordo com a última sondagem com economistas feita pelo Wall Street Journal, há um viés de alta para projeções de crescimento para o próximo ano, invertendo a percepção que prevalecia antes do resultado da eleição.
Na Europa e na China, o risco de turbulências fortes derivado de problemas estruturais tem sido minimizado por políticas monetárias cada vez mais expansionistas. Especificamente no caso chinês, o governo parece ter adiado sine die o tal “rebalanceamento” da economia, necessário para desinflar a bolha insustentável de crédito. A história acabará mal, mas o dia do juízo final pode demorar um tempo, mais de um ano talvez. Até esse dia a economia tende a se comportar normalmente, criando a sensação de que está tudo bem.
O resto do mundo está uma bagunça, mas estes fatores, aliados à ajuda da OPEP, são suficientes para entender a ocorrência de uma combinação incomum de eventos que, por incrível que possa parecer, é favorável ao Brasil.
Há um padrão que liga a cotação internacional do dólar e os preços de commodities industriais que se tem se mantido mais ou menos constante nos últimos 20 anos. De acordo com esse padrão, quando o dólar se fortalece, os preços de commodities tendem a cair.
Curiosamente, a regra parece ter mudado a partir de Novembro: o dólar tem se fortalecido junto com as mercadorias. A verdinha encareceu quase 5% contra os principais pares e o preço do minério de ferro, por exemplo, subiu 25%. O do cobre quase 20%. Os termos de troca da economia brasileira, que medem o poder de compra de nossas exportações, estavam em queda desde 2012. Nos últimos seis meses, o indicador aumentou 12%. Do ponto de vista estatístico, há apenas um mês um economista atribuiria probabilidade menor do que 5% de vermos o que estamos vendo.
O destino do país dependerá da capacidade do governo de avançar as reformas. A causa de nossas desgraças (e, portanto, a solução) é doméstica. Felizmente o mundo está ajudando um pouco – pelo menos por enquanto. Vai saber exatamente o que está por trás disso, até onde vai o ajuste e quanto tempo durará a festa. É bom aproveitar a janela (quem sabe baixar um pouco mais rapidamente o juro).