Quem separa demais vida pessoal da profissional tende a ser menos honesto
Estudo mostra que, para organizações, seria aconselhável ajudar funcionários a evitar a divisão de suas identidades pessoais e profissionais
Beatriz Correia
Publicado em 8 de agosto de 2019 às 05h50.
Última atualização em 8 de agosto de 2019 às 05h50.
Que tipo de funcionário você preferiria ter em sua equipe: um que incorpora a máxima de Shakespeare, "para ser sincero consigo mesmo", ou algo que esteja mais próximo da crença de Michael Corleone de que "não leve nada para o lado pessoal; são apenas negócios”?
De acordo com uma nova pesquisa de Maryam Kouchaki, da Kellogg (que cita tanto Shakespeare quanto O Poderoso Chefão), é mais provável que os funcionários se envolvam em comportamentos inadequados se suas vidas pessoais e profissionais estiverem em compartimentos distintos.
Quando as pessoas separam suas identidades de trabalho daquelas que assumem em casa e com amigos, a separação pode levá-las a se sentirem sem autenticidade, o que aumenta o risco do comportamento antiético, explica Kouchaki, professora associada de administração e organizações.
Em diversos experimentos e um estudo de campo, Kouchaki e colegas mostram que as pessoas que integram suas diferentes identidades em uma personalidade consistente se sentem mais autênticas e, portanto, menos propensas a se envolver em comportamento imoral do que as que não conseguem unificar suas identidades.
“Todos nós temos múltiplas identidades que podem se manifestar a qualquer momento”, diz Kouchaki, que realizou a pesquisa com Mahdi Ebrahimi , da California State University, Fullerton e Vanessa Patrick , da Universidade de Houston. “Quando essas identidades são integradas através de um significado compartilhado, há um senso de coesão, que leva a um maior sentimento de autenticidade e melhor comportamento moral”.
Mas quando estão segmentadas, diz ela, “nos sentimos em conflito, o que cria um sentimento de falta de autenticidade e maior risco de comportamento antiético”.
Falsidade e comportamento antiético
As pesquisas anteriores de Kouchaki levaram em consideração a sobrecarga produzida pelo sentimento de falta de autenticidade.
Neste trabalho, ela e suas colegas concentraram-se na autenticidade e na integração das identidades. Especificamente, as pesquisadoras queriam estabelecer um elo entre a integração das identidades de um indivíduo e os sentimentos de falta de autenticidade, levando a um comportamento desonesto. Realizaram quatro estudos para averiguar esta possibilidade.
Primeiro elas estabeleceram um elo entre identidades pouco integradas, digamos, ser gerente no trabalho, ciclista competitivo na academia e mãe à noite, e o sentimento de falsidade sentido por essas pessoas.
Quase 300 profissionais foram aleatoriamente designados a ler e responder a declarações criadas para estimular sentimentos de baixo ou alto nível de integração de identidades. Receberam as informações que cada pessoa tem múltiplos “eus” ou identidades e que, como profissional normal, têm duas identidades principais: sua identidade profissional e sua identidade não profissional, como a demonstrada em casa.
Em seguida, os participantes tiveram que pensar e escrever sobre como essas duas identidades eram segmentadas e incompatíveis, ou integradas e compatíveis. Em seguida, reagiram a diversas declarações destinadas a medir os sentimentos de falta de autenticidade em uma escala de sete pontos, tais como "não tenho certeza de quais são os meus sentimentos 'reais'" e "não sinto poder ser meu verdadeiro eu".
Como previsto, os participantes expostos a afirmações de baixo nível de integração de identidades a respeito de como seus diferentes eus eram incompatíveis relataram maiores sentimentos de falta de autenticidade do que os que responderam a perguntas de alto nível de integração sobre identidades compatíveis.
Em seguida, as pesquisadoras procuraram mostrar que, quando as identidades das pessoas são mal integradas, elas estão mais propensas a se envolver em comportamentos antiéticos.
Novamente elas levaram os participantes a sentir que suas identidades eram bem integradas ou mal integradas, e depois os participantes jogaram um jogo de cara ou coroa on-line. Cada jogador fez dez jogadas, prevendo o resultado antes de comandar o giro na moeda virtual. Os participantes foram instruídos a relatar com honestidade a precisão de suas previsões e, para cada previsão correta, recebiam uma recompensa em dinheiro.
As pesquisadoras descobriram que os participantes que foram expostos às instruções de baixo nível de integração trapacearam significativamente mais do que os que foram expostos à declaração de alto nível de integração e os de um grupo de controle que não havia sido exposto às declarações sobre integração de identidade.
Assim, quando as identidades das pessoas estão mal integradas em múltiplas identidades, elas relatam que se sentem sem autenticidade e se comportam de forma antiética. Mas seriam esses sentimentos de falta de autenticidade a causa do comportamento antiético?
Em outro estudo, as pesquisadoras levaram novamente 144 universitários a sentirem que suas identidades eram mais ou menos integradas, e novamente pediram que respondessem a diversas perguntas para medir a autenticidade, tais como “neste momento, eu sinto como se não conhecesse muito bem a mim mesmo”.
Em seguida, as pesquisadoras apresentaram aos alunos oito cenários de comportamento antiético, como trapacear em um projeto escolar, e perguntaram qual seria a probabilidade de agirem dessa maneira. Mais uma vez, elas encontraram vínculos confiáveis entre a baixa integração das identidades e os sentimentos de falsidade e o aumento do comportamento indevido. Criticamente, no entanto, as pesquisadoras conseguiram confirmar estatisticamente que a falta de autenticidade era o fator que sustentava a relação entre baixo nível de integração de identidades e o comportamento desonesto.
Teste no mundo real
Por fim, as pesquisadoras queriam confirmar se essa relação entre falta de autenticidade e desonestidade existia nos locais de trabalho no mundo real, e não apenas no laboratório. Assim, recrutaram 150 pares de chefes e subordinados da vida real de várias organizações.
Os subordinados relataram o nível de sua integração de identidades e seus sentimentos gerais de autenticidade no trabalho. Os supervisores, por sua vez, registraram até que ponto o funcionário se envolvia em vários comportamentos inadequados, como falsificar relatório de despesas ou ser mal educado com alguém no escritório.
Mais uma vez, as pesquisadoras descobriram uma correlação significativa entre o baixo nível de integração de identidades dos trabalhadores e os relatos de seus chefes sobre desonestidade organizacional e interpessoal.
As respostas da pesquisa indicaram que os trabalhadores com baixo nível de integração de identidades relataram maior sentimento de falta de autenticidade e foram julgados por seus supervisores como mais propensos a trapacear ou se envolver em outro tipo de comportamento antiético.
Trazendo o seu eu inteiro para o trabalho
Em caso extremo, o comportamento antiético pode levar a escândalos corporativos que causam forte impacto financeiro e à reputação corporativa para as organizações. No entanto, mesmo comportamentos menos extremos podem contribuir para uma cultura negativa e aumentar a probabilidade de outros casos de mau comportamento.
Kouchaki diz que as empresas devem, portanto, tentar ajudar os funcionários a integrar a sua identidade profissional com as demais identidades, o que, por sua vez, fomentará o comportamento ético. Isso pode ser feito através de uma série de iniciativas, desde o traje informal às sextas-feiras, quando os funcionários podem se vestir mais à vontade, até retiros corporativos que incentivam discussões emocionais e francas.
Compreender a conexão entre se sentir falso e a propensão à desonestidade também agrega outra camada de contexto a uma ideia defendida por Sheryl Sandberg e outros líderes do Vale do Silício: o direito dos funcionários de trazerem seus "eus inteiros" para o ambiente de trabalho.
"Não há prova incontestável de que trazer seu eu inteiro para o trabalho é uma boa ideia. Certamente poderia haver consequências não intencionais", diz Kouchaki. “No entanto, demonstramos ser do interesse das organizações ajudar os funcionários a ter mais controle e coesão sobre suas identidades".
Texto publicado originalmente no siteKellogg Insight, da Kellog School of Management