Carreira

Há vida profissional fora das empresas gigantes

Migrar de uma grande para uma pequena empresa pode trazer ganhos para a carreira do profissional de RH e até aumentar sua visibilidade no mercado

Lucy Yokoyama, gerente de RH da FMC Química: depois de trabalhar 12 anos em duas empresas grandes, ela não pensa mais em voltar (Fabiano Accorsi)

Lucy Yokoyama, gerente de RH da FMC Química: depois de trabalhar 12 anos em duas empresas grandes, ela não pensa mais em voltar (Fabiano Accorsi)

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Da Redação

Publicado em 28 de novembro de 2013 às 15h41.

Há seis anos, a administradora de empresas Lucy Yokoyama, de 45 anos, chegou a FMC Química, localizada em Campinas, no interior de São Paulo, para assumir o cargo de gerente de recursos humanos. Pouco tempo depois, a carioca Isabel Medeiros, de 31 anos, formada em comunicação social, passou a responder pelo cargo de gerente de gente e gestão do Grupo Umbria (formado por Spoleto, Domino’s Pizza e Koni Store). Em agosto de 2008, foi a vez de a psicológa paulista  Júlia Georgief, de 54 anos, integrar o time da Construtora Mudar, que atua na construção, incorporação e vendas para o segmento econômico, como superintendente de recursos humanos.  

As três executivas carregam algo em comum em suas trajetórias profissionais: ao assumir seus atuais postos, elas migraram de grandes corporações para empresas de menor porte, um movimento que tem se mostrado cada vez mais comum no cenário corporativo com o aquecimento da economia. “Para crescer com consistência, as menores vão buscar nas grandes executivos com ferramentas de processo”, diz a sócia-diretora da consultoria TeamWork Hunting, Simone Madrid. Foi exatamente isso que as três passaram a fazer em seus novos papéis.

Após 25 anos no Grupo Pão de Açúcar, onde chegou ao cargo de gerente de RH da Sendas Distribuidora, cuidando de cerca de 12 000 funcionários e mais dois anos na subsidiária brasileira da Weatherford, empresa americana do setor de óleo e gás com 53 000 funcionários no mundo (1 000 no Brasil), Júlia aceitou o convite da carioca Mudar, na época com apenas 98 funcionários, para implantar um novo modelo de gestão e o planejamento estratégico. Para ela, a principal diferença entre as gigantes e as pequenas está na velocidade. “Os resultados dos trabalhos aparecem muito mais rápido”, diz Júlia. “No Pão de Açúcar, a implantação do modelo de gestão levou dois anos; aqui foram cinco meses.”

O excesso de funcionários e cargos das grandes podem significar longos caminhos para mobilizar os líderes ao pessoal de ponta, qualquer que seja o processo. “Nem sempre se consegue mostrar a um operador de caixa qual a importância da avaliação de desempenho. Ele faz porque o chefe manda, mas não entende bem o motivo daquilo”, exemplifica. “Na Mudar, qualquer um vai ao RH ou tira sua dúvida com um chefe que está muito mais envolvido em gestão e tem mais clareza dos processos.”


Nem tudo, porém, são flores. A diferença de estrutura pesa na rotina dos profissionais acostumados a regalias e a uma certa grandeza. No edifício do Grupo Pão de Açúcar, em São Paulo, Júlia contava com academia, salão de beleza, lojas e coordenava uma equipe de 60 pessoas. “No entanto, sem tantos recursos, fui capaz de perceber que posso fazer muito mais coisas do que pensava, basta focar nas prioridades”, afirma. “Já concluí a implantação dos processos de RH na Mudar e agora estou iniciando os treinamentos técnicos e comportamentais.”

Segundo Marcelo Santos, presidente da consultoria de gestão de pessoas Doers, que tem a Fesa como sócia investidora, profissionais com o perfil da Júlia podem se dar muito bem ao migrar para uma companhia menor. “O risco da mudança é a pessoa se deparar com uma organização que não tem cultura de RH e se desapontar com isso”, observa. “O RH da pequena empresa tem que ser um agente transforma dor.”

A mudança, porém, pode não ser boa para outro tipo de profissional. “Quem tem perfil muito cartesiano, voltado a processos e hierarquia, tende a não se adaptar às pequenas”, diz ele, com conhecimento de causa — antes da Doers, Santos foi vice-presidente de RH do BankBoston, do Itaú e do Banco Safra. 

CHOQUES CULTURAIS

Como Júlia, Isabel Medeiros também passou por choques culturais ao deixar a Ambev e assumir o cargo de gerente de gente e gestão do Grupo Umbria. O primeiro deles, numa convenção da empresa. “Uma funcionária machucou o pé e, quando olhei para o lado, eram os próprios sócios que faziam curativos na moça”, lembra ela. “Numa grande companhia, quem machuca o pé vai para o departamento médico, mas aqui a família é um valor muito presente.”

Formanda em comunicação social com pós em gestão empresarial pela FGV e MBA pelo Ibmec, Isabel chegou a Ambev em 2000, como estagiária. Chegou a gerente de gente e gestão das unidades de Cuiabá e, em 2006, ocupava o mesmo cargo na unidade do Norte Fluminense, quando começaram a circular boatos sobre uma possível nova mudança de cidade. “A Ambev transfere muito e eu estava cansada de ficar longe de casa e dos amigos, além de sentir que já tinha conquistado meu objetivo — chegar a gerente”, diz Isabel.


Um mês depois do pedido de demissão, ela soube da oportunidade do Grupo Umbria numa conversa de salão de beleza. Mesmo participando de um processo seletivo em uma multinacional, decidiu mandar seu currículo, e cada um dos três sócios a entrevistou durante quatro horas. A empatia foi imediata e Isabel ficou com a vaga.

Na época, o grupo era formado apenas pelos restaurantes Spoleto e Domino’s Pizza, faturava cerca de 180 milhões de reais e tinha apenas 340 funcionários.

Modelo de gestão implantado não havia. “Foi outro choque. As grandes empresas têm tudo formatado e padronizado”, diz Isabel que enxergou nas carências de gestão uma oportunidade de crescimento. No primeiro mês, fez um diagnóstico e recebeu apoio dos sócios para implantar o que fosse necessário, como a tabela de cargos e salários, avaliação de desempenho e modelo de planos de metas.

Muito do que implantou no Grupo Umbria ela trouxe da Ambev, inclusive o nome da área. “Na Ambev, eu era mais uma entre 60 ou 70 gerentes de gente e gestão; aqui, eu faço a diferença, crio, discuto processos e os implanto”, compara.

Assim como Júlia, Isabel também vê hoje os resultados de seu trabalho mais rapidamente, opinião compartilhada por outros colegas do grupo que traçaram movimento similar ao dela, como o diretor da Central de Serviços, também um ex-Ambev, e a gerente financeira, ex-Contax. “Todos os processos de RH acontecem dentro de casa, nada é terceirizado, incluindo o treinamento nas lojas-escola.”

SALTO PROFISSIONAL

Ao migrar para uma companhia menor e assumir toda a responsabilidade pelo trabalho de criação e implantação de processos, o profissional de RH pode agregar muito mais experiência do que se passasse mais tempo numa função mediana na grande empresa. Como consequência, sua visibilidade também aumenta no mercado.

“Esses executivos vão para posições mais estratégicas, que lhes permitem ver o negócio como um todo, e não de forma departamentalizada”, diz Simone, da TeamWork Hunting. “Com mais autonomia e desafios combinados a bônus de sucesso por produtividade, eles dão um salto que às vezes leva anos em grandes corporações.” 


Marcelo Santos, da Doers, usa o exemplo de Isabel para corroborar a    tese de que a empresa pequena cresce com um executivo que traz na bagagem a experiência das grandes, e vice-versa: o profissional também cresce com a mudança. “A companhia não vai ser pequena ou média a vida inteira”, afirma ele. “E, se o executivo fizer um bom trabalho e for bem-sucedido, não encontrará dificuldade para fazer o caminho de volta para uma grande corporação, se ainda quiser.” Difícil vai ser querer.

Nos cinco anos de Grupo Umbria, Isabel já recebeu convites de outras médias e grandes empresas — há pouco tempo, inclusive, o convite de uma multinacional, recusado como os demais. “A experiência de trabalhar em uma grande empresa vale mais do que uma universidade, mas eu não quero voltar à escola”, diz ela. “Aqui, estou fazendo história, crescendo junto.” Em 2010, a organização atingiu o faturamento de 426 milhões de reais e conta hoje com 870 funcionários. E o que é melhor para Isabel: seus sócios são cariocas e adoram o Rio. “Não corro o risco de ser transferida”, brinca. 

O CHARME DAS PEQUENAS

Graduada em administração de empresas, a paulista Lucy Yokoyama, gerente de RH da FMC, também não pensa no caminho de volta. Isso foi seu sonho lá atrás ,quando ainda era recém-formada e buscou estágio na Alcan. “Em 1988, quando cheguei, a Alcan já tinha um modelo de gestão por competências”, lembra. Lá, Lucy alcançou o cargo de assessora, equivalente ao de consultor de RH, e seguiu para a Eletropaulo, que tinha acabado de ser adquirida pelo Grupo AES e contava com 10 000 funcionários. 

Em 2000, foi chamada para participar do start-up da Eletronet, do mesmo grupo, mas que tinha apenas 100 funcionários. “Consegui me envolver em todos os processos e ter maior interação com os funcionários.”

Quando Lucy foi para a Altana Pharma, atual Nycomed Pharma, em 2002, já tinha em mente que não queria voltar para uma gigante. “É uma delícia trabalhar em empresa com poucos funcionários.”

Há seis anos, ela chegou à FMC Química, já como gerente de RH. A companhia tinha 250 funcionários (hoje já tem 350) — pequena apenas em número de gente. A FMC atua num mercado competitivo e fatura 500 milhões de dólares por ano. “É uma organização que faz grandes investimentos, tem profissionais capacitados, metas ousadas e grandes desafios, como o de mais que dobrar o faturamento até 2014”, afirma Lucy. “Isso requer um RH estratégico, atuante, que de fato contribua para o crescimento do negócio.”

A diferença, segundo ela, é que numa empresa de muitos funcionários se trabalha muito com programas e consultorias e é difícil para o RH acompanhar um a um. “Eu gosto de planos personalizados, não acredito em programas para uma organização inteira, em fórmulas mágicas que sirvam para todo mundo”, diz. Com menos gente, há a chance de se conhecer melhor a equipe e montar planos de desenvolvimento que tragam resultados efetivos. “Acredito que o executivo de RH ganha credibilidade junto aos líderes quando fala a línga deles, quando eles percebem que o RH conhece seus desafios. É agindo assim que se adquire a capacidade de influenciar os gestores”, diz.

Tarefa que, com mais de 1 000 funcionários, pode ser mais árdua, em sua opinião. Por isso, ao olhar para trás, Lucy não tem dúvidas: “Se ainda puder escolher, o que me motiva é trabalhar em empresas com menos funcionários. Eu prefiro as menores”

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