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STF criminaliza homofobia, mas faz ressalva quanto à liberdade religiosa

Ou seja: fiéis, pastores e líderes religiosos têm assegurado o direito de pregar suas convicções, desde que não se convertam em discursos de ódio

LGBT: decisão do STF, considerada histórica por integrantes da Corte servirá de baliza para orientar decisões judiciais nas diversas instâncias do País (Rebeca Figueiredo / Contributor/Getty Images)

LGBT: decisão do STF, considerada histórica por integrantes da Corte servirá de baliza para orientar decisões judiciais nas diversas instâncias do País (Rebeca Figueiredo / Contributor/Getty Images)

Tamires Vitorio

Tamires Vitorio

Publicado em 13 de junho de 2019 às 20h36.

Última atualização em 13 de junho de 2019 às 20h45.

São Paulo — Por 8 a 3, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (13), enquadrar a homofobia e a transfobia como racismo. Dessa forma, os ministros do Supremo entenderam que a legislação sobre racismo, em vigor desde 1989 no País, também deve ser aplicada para quem praticar condutas discriminatórias homofóbicas e transfóbicas, sejam elas disparadas contra a homossexuais, transexuais ou contra heterossexuais que eventualmente sejam identificados pelo agressor como LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais).

O tribunal fez ressalvas, no sentido de deixar claro que a repressão contra essas condutas não restringe o exercício de liberdade religiosa. Ou seja: fiéis, pastores e líderes religiosos têm assegurado o direito de pregar suas convicções, desde que essas manifestações não se convertam em discursos de ódio, incitando hostilidade ou a violência contra a comunidade LGBT. 

Por exemplo: um pastor pode dizer que a homossexualidade é pecado, mas se defender a violência contra homossexuais essa conduta pode agora ser enquadrada como crime de racismo. 

A legislação sobre racismo prevê penas de um a até cinco anos de reclusão para quem negar emprego, ou impedir acesso ou recusar atendimento em hotel, restaurantes, bares, estabelecimentos comerciais ou impedir o casamento ou convivência familiar e social para pessoas por conta de raça ou cor.

A decisão do STF, considerada histórica por integrantes da Corte servirá de baliza para orientar decisões judiciais nas diversas instâncias do país. Ao todo, o tribunal dedicou seis sessões plenárias para discutir o tema, no julgamento mais longo ocorrido até aqui durante a presidência do ministro Dias Toffoli que assumiu o comando do tribunal em setembro do ano passado.

"O bom seria que não tivéssemos de enfrentar esse tema em pleno século XXI, no ano de 2019", disse Toffoli, ao dar o último voto na sessão.

A discussão sobre a criminalização da homofobia provocou algumas divergências dentro da Corte. Dos 11 ministros, 10 votaram para declarar omissão do Congresso Nacional ao não ter aprovado até hoje uma lei sobre o tema - o único voto contrário nesse sentido foi o do ministro Marco Aurélio. Quanto à criminalização, 8 magistrados votaram para que as condutas homofóbicas e transfóbicas sejam enquadradas como racismo - discordaram desse segundo ponto Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski.

Ao abrir uma divergência parcial dos colegas, Lewandowski disse que causa "repugnância" as condutas preconceituosas de qualquer tipo, mas observou que apenas o Congresso Nacional poderia criminalizar a homofobia. "A Carta Magna é clara: apenas a lei, em sentido formal, pode criminalizar uma conduta", afirmou.

Homofobia como racismo

Relator de uma das ações sobre a criminalização da homofobia, o ministro Celso de Mello utilizou um precedente de um caso julgado pelo próprio STF, em 2003. Na ocasião, o Supremo manteve a condenação do editor Siegfried Ellwanger por crime de racismo devido à publicação de livros que discriminavam judeus. Tanto naquela época, quanto agora, o tribunal avaliou que o racismo é um conceito amplo, de dimensão social, que não se limita a questões de cor ou raça.

"O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+), são considerados estranhos e diferentes", disse Celso de Mello. 

Procurado pela reportagem, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou a postura do Supremo de enquadrar a homofobia como racismo por conta própria, sem uma lei sobre o tema. "A Câmara aprovou a criminalização da homofobia no final de 2006 e o Senado arquivou. Mesmo que o Congresso não tivesse legislado, na minha opinião, não caberia ao Supremo Tribunal Federal criar tipo penal via interpretação", afirmou Maia, em nota enviada pela assessoria.

"Normalmente, em casos como este, o Supremo determina que o Senado suspenda ou modifique lei considerada inconstitucional, mas pode ser que o STF, na publicação da decisão, determine que os efeitos passem a valer imediatamente. No entanto, mais frequente, é que o Supremo determine ao Senado a expedição de um decreto", afirma João Paulo Martinelli, especialista em direito penal.

Para Anna Júlia Menezes, advogada criminal no Vilela, Silva Gomes e Miranda, a decisão do Supremo e a vigência da legislação são coisas distintas. "Ainda que o Supremo julgue ao tema e decida pela criminalização da homofobia, em equiparação ao crime de racismo, os parlamentares poderão legislar sobre a questão, já que a ideia é que a decisão do STF supra a suposta omissão do Legislativo até que este último se pronuncie", diz Anna.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não havia se manifestado até a publicação deste texto.

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