Alegação antiga não justificaria detenção de Temer, dizem juristas
Especialistas afirmam que faltam elementos concretos de que o ex-presidente solto seria um empecilho para as investigações
Estadão Conteúdo
Publicado em 22 de março de 2019 às 08h36.
Última atualização em 22 de março de 2019 às 10h11.
São Paulo — A decretação da prisão de Michel Temer despertou polêmica entre juristas e advogados. Em 46 páginas de sua decisão, o juiz Marcelo da Costa Bretas não cita nenhum fato recente cometido pelo ex-presidente para justificar a decretação de prisão.
De fato, o pagamento teria acontecido em 2014 e os supostos atos para atrapalhar as investigações são de 2017 e 2018 e, envolvem diretamente, na maioria dos caos outros acusados e não o ex-presidente.
Bretas justifica-se afirmando que a corrupção é crime extremamente grave. "O Supremo tem súmula afirmando que a gravidade abstrata de um crime não é motivo para a decretação da prisão", afirmou o professor de Processo penal da Universidade de São Paulo (USP), Gustavo Badaró.
"A contemporaneidade dos fatos é requisito em todos os tribunais para a prisão", disse.
De acordo com ele, em toda a decisão de Bretas não há nada que justifique a decretação de prisão de Temer. "Alega-se que ele (o ex-presidente) usava sua influencia política para a prática de crimes. Isso cessou quando ele deixou a Presidência. Ele foi encontrado em casa, uma coisa grotesca", afirmou.
Bretas, segundo ele, diz que a prisão é necessária para a manutenção da ordem pública, para a garantia da instrução penal e para a aplicação da lei penal — que são as possibilidade legais para a decretação da prisão preventiva —, mas sem apresentar nada concreto no caso atual.
"Não se pode alegar fatos investigados em outros processos para justificar a decretação da prisão em outro inquérito", disse Badaró.
A prisão preventiva é um dos quatro tipos de detenção previstos na lei penal brasileira. Ela é um instrumento cautelar executado pela Justiça quando há suspeitas de obstrução à Justiça ou destruição de provas, bem como quando há indícios de que se permanecer solto o suspeito pode continuar cometendo delito. Ela não tem um período mínimo nem máximo para durar.
O criminalista João Paulo Martinelli, doutor em direito penal, também considerou o pedido de prisão de Temer "vago de fundamentação".
Também para ele, a justificativa de "gravidade de delito" não é suficiente para sustentar o pedido de Bretas. "Uma prisão como esta não pode ocorrer por fatos pretéritos."
O advogado disse ter tentado identificar alguma forma de obstrução à Justiça, destruição de provas ou existência de um plano de folga, mas não conseguiu encontrar esta fundamentação no pedido de prisão do juiz federal Bretas. "Em caso contrário, a prisão pode ser revogada em breve", comentou.
Um eventual habeas corpus de Temer deve ser tratado pelo desembargador Abel Gomes, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
Ele é o relator dos processos da Lava Jato no Rio de Janeiro. Para Badaró, se o TRF-2 negar a liminar, certamente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou STF devem pôr em liberdade o ex-presidente.
"Não apresentaram nenhum prova de que os crimes estariam ainda sendo cometidos em 2019", afirmou Badaró.
De acordo com ele, Bretas não explicou ainda por que não decretou medidas alternativas á de prisão, como a proibição de viajar para o exterior ou o bloqueio de bens para impedir que Temer se desfaça de seu patrimônio.
Já a constitucionalista Vera Chemim avalia como difícil de um habeas corpus ser concedido a Temer no âmbito da primeira instância. "Se houver indícios de crimes graves, organização criminosa, ou de um esquema de lese o Estado, acho difícil de ser concedido."
Leia a decisão na íntegra
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