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Glifosato na UE: a discussão sobre o herbicida tem reflexos no Brasil?

Devido à extensão de área e condição de clima tropical, o Brasil é um dos países que mais utiliza o glifosato na agricultura e pode sentir os reflexos da decisão da União Europeia

Glifosato: introduzido no mercado na década de 1970, o químico chegou a representar 92% do uso de todos os herbicidas usados no mundo (Paulo Fridman/Getty Images)

Glifosato: introduzido no mercado na década de 1970, o químico chegou a representar 92% do uso de todos os herbicidas usados no mundo (Paulo Fridman/Getty Images)

Mariana Grilli
Mariana Grilli

Repórter de Agro

Publicado em 18 de outubro de 2023 às 16h49.

Na semana passada, os países da União Europeia não formaram a maioria dos votos para prorrogar a autorização de uso do herbicida glifosato, cuja vigência vence no fim deste ano. As nações do bloco têm dúvidas sobre manter a aplicação do químico nas lavouras até dezembro de 2033. Uma parte defende que o glifosato é seguro e essencial para o controle de plantas invasoras na atividade agrícola. A outra alega que o produto faz mal à biodiversidade e à saúde humana.

O fato de não haver consenso até o momento levantou o questionamento, por parte do agronegócio global, sobre a disponibilidade do herbicida mais utilizado no mundo para a próxima década.

Por causa da relevância do setor agropecuário, o Brasil é um dos países que mais utiliza o produto químico. Por isso, Eduardo Leão, presidente da CropLife Brasil, afirma que a dúvida que paira sobre a prorrogação do glifosato pode ter consequência direta à agricultura nacional.

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Neste sentido, ele defende que o debate considere as especificidades de cada região, sendo o Brasil um país tropical, com mais incidência de pragas e doenças e sem o frio dos países temperados para quebrar este ciclo.

“O que nos preocupa é quando se deixa de colocar a ciência como base para essas decisões. A gente defende que continuem as análises científicas, rigorosas, dos impactos dos produtos para a saúde e o meio ambiente, mas adaptado às nossas condições. O Brasil precisa continuar trabalhando com seus modelos de regulação”, afirma Leão.

Se não o glifosato, qual herbicida?

Esta utilização quase unânime para a produção agrícola global tem uma explicação, segundo Caio Carbonari, vice-diretor de Faculdade de Ciências Agronômicas da UNESP. “Hoje não existe no mercado um substituto direto com eficácia e índices seguros de toxicidade como o glifosato. Então, a questão é qual a alternativa, se o glifosato ficar proibido?”, diz.

Ele explica que, para fazer agricultura, produtores rurais precisam eliminar a vegetação espontânea – chamada comumente de planta daninha – e deixar o solo dedicado apenas à cultura principal. O glifosato pode controlar mais de 150 tipos de plantas daninhas, em diversas culturas ao redor do mundo.

A questão é que aplicá-lo de forma incorreta pode causar a mortandade de espécies que estão no entorno, podendo provocar o desequilíbrio do ecossistema local. Por isso, a discussão, segundo o vice-diretor da UNESP, vai além de usar ou não o glifosato, mas como e sob quais condições.

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Aqui no Brasil, em 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu manter o uso do glifosato, sob determinadas restrições. O órgão estabelece que os agricultores devem utilizar tecnologias de aplicação que reduzam em 50% a deriva – dispersão das gotas do herbicida para fora da lavoura – para doses acima 1,8 mil gramas por hectare.

Já para doses acima de 3,7 mil gramas por hectare, em regiões próximas a moradias ou escola, a Anvisa exige uma margem de segurança de cinco metros até a parte externa da lavoura, além da redução da deriva em 50%.

“O produto foi avaliado com base nas recomendações agronômicas adequadas de uso, tanto do ponto de vista do aplicador, da segurança ambiental e da própria cultura que é alvo. A dose está relacionada à aplicação correta, ao uso de equipamento de proteção e tudo isso é regulamentado sob determinadas condições. Não tem outro herbicida que substitua o glifosato atualmente, por isso usar de forma correta é importante”, afirma.

Glifosato: aliado do plantio direto?

Bastante contrastante com o modelo europeu, a agricultura brasileira assume como premissa a técnica do plantio direto, em que o solo permanece coberto com palhada, folhas e outros materiais orgânicos para manter os nutrientes e o equilíbrio térmico do solo. Segundo Carlos Carbonari, isso é permitido exatamente porque o glifosato consegue atuar na eliminação apenas das plantas invasoras sem ter que arar a terra, como era antigamente.

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“Ou você revolve o solo, retira biomassa e contribui para emissão de carbono, ou você faz o controle quimicamente. Do ponto de vista ambiental, o Brasil tem seu modelo de produção muito baseado no glifosato. Em clima tropical, se tirar o glifosato do Brasil, a gente vai regredir para uma condição mais desfavorável.”, afirma o vice-diretor da UNESP.

Ele esclarece que a Europa não fez a transição para agricultura sustentável e tem o inverno para congelar a vegetação parte do ano, logo, o impacto no continente é menor. “É certo que uma proibição lá teria impacto na agricultura das Américas, muito maior que o que ocorreria na Europa", diz.

Impactos econômicos à Europa

Introduzido no mercado na década de 1970 pela Monsanto – posteriormente adquirida pela Bayer –, o químico chegou a representar 92% do uso de todos os herbicidas usados no mundo e um terço do volume usado na produção agrícola da Europa, segundo estudo publicado na revista Nature.

“As perdas econômicas decorrentes da proibição do glifosato, estimadas em estudos revistos por pares, variam entre 3 euros por hectare no milho para silagem e até 553 euros por hectare na produção de videira”, cita o trecho do estudo de autoria do pesquisador suíço Robert Finger.

Para área agricultável da França, as perdas de lucro podem variam de 6,5 a 80 euros por hectare. Os autores da pesquisa também encontraram referências de que a redução de lucro na produção agrícola alemã pode variar entre 4,7 a 12 €/ha, enquanto o trigo da Suíça pode chegar a reduções entre 35 e 68 €/ha.

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Um estudo da CropLife Europa mostra reduções de margem bruta de 10% a 30% para culturas como trigo, colza e ervilha no Reino Unido, e de 4% a 37% para trigo, cevada e batata na França. Eduardo Leão, representante da entidade no Brasil, diz não ter conhecimento sobre dados que estimem esta possível perda econômica, caso o produto deixe de ser permitido aqui.

A multinacional alemã está "confiante" de que a aprovação do glifosato seja renovada na votação a ser realizada pela comissão da União Europeia na primeira quinzena de novembro. "A renovação da aprovação de glifosato continuaria a fornecer uma importante tecnologia para o manejo integrado de plantas daninhas para os agricultores e outros usuários da Europa", afirma a Bayer por meio de nota.

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