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Quando o auge profissional vem após a maternidade

"Por toda a minha licença-maternidade, não carreguei o peso do estresse ou da incerteza sobre meu emprego. Lá em 2011, a empresa já estava atenta a uma cultura corporativa inclusiva", conta Priscilla Mattar, vice-presidente da área médica da Novo Nordisk

Priscilla Mattar, da Novo Nordisk: Fui contratada no oitavo mês de gestação, mas tenho consciência de que a minha experiência é fora da curva (Divulgação/Divulgação)

Priscilla Mattar, da Novo Nordisk: Fui contratada no oitavo mês de gestação, mas tenho consciência de que a minha experiência é fora da curva (Divulgação/Divulgação)

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Publicado em 11 de maio de 2024 às 08h00.

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Por Priscilla Mattar*

Há doze anos, entrei pela porta de mais uma sala de reunião para uma entrevista de emprego em busca de um novo desafio profissional. Estava curiosa para expandir meus conhecimentos por uma nova molécula, que despertava então muita curiosidade e otimismo na comunidade médica e era recém-chegada no Brasil. Tratava-se de uma nova classe de medicamentos para diabetes, em desenvolvimento também para obesidade, diferente de tudo que havia disponível e com um potencial de mudar a vida de milhares de pessoas. Como endocrinologista, me parecia a posição dos sonhos. Só que eu não estava sozinha quando passei por aquela porta: aos oito meses de gestação, carregava a minha segunda filha na barriga.

Na época, a ideia de uma funcionária ser contratada tão perto do parto era tão surpreendente que, de fato, se não fosse o empurrãozinho e a visão do meu parceiro, eu não acreditaria que, 24 horas depois, estaria dizendo “sim” para a vaga de gerente médico-científico na Novo Nordisk e que, hoje, chegaria à vice-presidência de uma das áreas mais estratégicas da empresa. O meu primeiro dia foi como o de qualquer pessoa chegando ao novo emprego. Me perguntava se que me adaptaria, como causaria uma boa impressão, se as pessoas iriam gostar de mim? Porém, tudo isso potencializado por um sentimento de ter que deixar todo o trabalho e todos os colegas em apenas 30 dias – quando sairia de licença-maternidade.

Essa pressão irreal, porém, logo se dissipou. Na semana seguinte a minha chegada, a transição para a pessoa que me substituiria durante a licença-maternidade começou. E foi possível orientá-la para que o trabalho tivesse continuidade nos meses em que eu estaria exclusivamente dedicada às minhas filhas e à minha família.

Por toda a minha licença-maternidade, não carreguei o peso do estresse ou da incerteza sobre meu emprego. Lá em 2011, a empresa já estava atenta a uma cultura corporativa inclusiva e voltada para o bem-estar dos colaboradores e de nós, mulheres e mães. Determinada a seguir adiante com minha carreira, sete meses depois estava de volta, e mal sabia a ascensão profissional que estava por vir – lembrando que era uma época em que a licença-maternidade padrão no universo corporativo era de quatro meses.

Conto a minha história com final feliz, mas sei que esse acolhimento que recebi ainda não existe para todas as pessoas cuidadoras. Como mostra o estudo “As consequências da licença-maternidade no mercado de trabalho: evidências do Brasil”, promovido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), 12 meses após o nascimento do bebê, cai quase pela metade a empregabilidade das mulheres que tiram licença-maternidade. A maior parte das saídas ocorre sem justa causa e por iniciativa do empregador. E quanto menor o nível de instrução da funcionária, maiores as chances de perder o emprego.

Inspirada pelas minhas filhas, jovens mulheres que me estimulam diariamente a ser generosa e a questionar o status quo e a visualizar um outro mundo, e pela minha própria jornada de desenvolvimento profissional, procuro fazer da minha liderança mais um elo de uma corrente de bem para fortalecer as carreiras de mulheres, principalmente num dos momentos mais arrebatadores de suas vidas, que é a maternidade.

Na Novo Nordisk, particularmente, essa responsabilidade é compartilhada. Na afiliada onde estou baseada, mais da metade dos colaboradores são mulheres. Não medimos esforços para aumentar a representatividade feminina em cargos hierárquicos e temos quase 60% de líderes que se identificam como mulheres. A minha equipe atual é composta majoritariamente por profissionais do sexo feminino e em diversas etapas de suas jornadas familiares - algumas gestantes, outras em licença-maternidade – além de novos pais, que acabaram de retornar de suas licenças paternidades, que agora é de 60 dias na Novo Nordisk.

Aqui, todas essas pessoas são bem recebidas, acolhidas, reconhecidas e promovidas. Enquanto mulher, mãe e profissional em cargo de liderança, essa é minha forma de contribuição para perpetuar não só a cultura da empresa, mas também de celebrar a prosperidade que alcançamos independentemente de nossas histórias, que são tão únicas e potentes - e isso é inovador.

Tenho consciência de que a minha experiência é fora da curva. Recentemente, me deparei com uma publicação no The Economist que trouxe dados que me fizeram constatar o quanto ainda faltam oportunidades para nós. Entre eles, uma pesquisa do Banco Mundial do ano passado chegou à conclusão de que países que aderiram a leis relacionadas a cuidados infantis viram a participação das mulheres na força de trabalho aumentar 4%, em média, cinco anos depois da promulgação. O Fórum Econômico Mundial prevê que, nesse ritmo, precisaríamos de 170 anos para que o gap econômico global de gênero seja extinto, e, convenhamos, não temos esse tempo.

Sheryl Sandberg, um grande nome da tecnologia, escritora, e também uma de minhas inspirações, uma vez escreveu: “No futuro, não haverá mais mulheres líderes, haverá apenas líderes”. Quando as minhas filhas chegarem ao mercado de trabalho, esse é o legado que espero ter deixado para elas. E para muitas.

*Priscilla Mattar é vice-presidente da área médica da Novo Nordisk

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