Revista Exame

O novo salto do consumo se apoia na sofisticação

A grande oportunidade para as empresas não está mais no aumento do volume de vendas — e sim na sofisticação dos hábitos de compra dos brasileiros. Queremos produtos melhores — e isso pode agregar 600 bilhões de reais ao consumo até 2020

Weliton, a mulher, Andrezza, e os dois filhos: 500 000 reais para trocar móveis e eletrodomésticos (Germano Lüders/EXAME)

Weliton, a mulher, Andrezza, e os dois filhos: 500 000 reais para trocar móveis e eletrodomésticos (Germano Lüders/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 16 de janeiro de 2014 às 17h56.

São Paulo - Há cinco meses, o baiano Weliton de Nascimento, de 45 anos, mudou-se com a mulher, Andrez­za, e os dois filhos para um apartamento de 260 me­tros quadrados no bairro de Campo Belo, na zona sul da capital paulista. Desde então ele já gastou cer­ca de 500 000 reais para trocar móveis e eletrodo­mésticos.

Geladeira, exaustor, fogão, microondas e má­quina de lavar — que antes eram aqueles tradicio­nais, brancos e mais simples — foram substituídos por aparelhos com acabamento de inox, incluindo um refrigerador que se conecta à in­ternet. Dono de uma pequena empresa de terceiri­za­ção de mão de obra, Weliton tem hoje renda mensal de cerca de 60 000 reais.

Em 2013, o casal, que cos­tuma viajar para o exterior pelo menos cinco vezes por ano, também trocou os celulares por dois smart­pho­nes de última geração. O plano da operadora, que agora inclui internet 4G e serviço internacional, pas­sou de 200 para 500 reais mensais. Outra aquisi­ção recente foi um Land Rover Freelander zero, jipão que custa 170 000 reais. “Como nosso padrão de vida melhorou, ficamos mais seletivos”, diz Weliton. 

As escolhas do casal Weliton e Andrezza ajudam a entender um fenômeno que, aos poucos, está mudando a cara do consumo no Brasil — a disposição para optar por produtos mais sofisticados e pagar mais por eles. Em escalas e proporções diferentes, isso está sendo observado em todas as classes sociais e em diversas categorias, desde simples pacotes de biscoito até automóveis.

O retrato mais amplo está na cesta de produtos vendidos em supermercados. Numa análise feita pela consultoria Nielsen com 85 categorias, a proporção de consumidores dispostos a desembolsar um valor maior por produtos mais elaborados aumentou em 51% delas.

Atenta à transformação na demanda, a indústria nunca lançou tantos produtos para atender a essas novas necessidades. Um levantamento exclusivo realizado pela Nielsen a pedido de EXAME mostra que haverá recorde de lançamentos neste ano. Quase 20 000 novos itens deverão chegar às prateleiras até o fim de dezembro.

Quase metade equivale a produtos com atributos e preços acima da média de seus respectivos segmentos. O acréscimo no preço final gira em torno de 10%. Para algumas categorias pesquisadas, essa mudança pode representar um desembolso adicional de menos de 1 real por embalagem. Mas atenção: essas pequenas trocas individuais podem mudar a cara do consumo no país.

Uma projeção feita pela Nielsen mostra o tamanho da oportunidade. Caso o perfil de consumo brasileiro se igualasse ao americano em percentual de vendas de produtos com preço acima da média da categoria, só com sabão para lavar roupas, para ficar num exemplo, o mercado faturaria 618 milhões de reais a mais sem nenhum  aumento no volume de vendas.


“A qualificação é a grande oportunidade de expansão de consumo no país”, diz Eduardo Ragasol, presidente da Nielsen no Brasil. “O consumidor está cada vez mais disposto a pagar mais quando vê vantagens na troca.”

A sofisticação do consumo também pode ser observada em bens duráveis, como eletrodomésticos, automóveis e celulares. Em todos os casos, a proporção da venda de opções mais sofisticadas aumentou nos últimos três anos. Nesse período, os modelos básicos — com motor 1.0 — deixaram de ser a maioria dos veículos vendidos no país.

A montadora americana Ford deixou de produzir automóveis sem direção hidráulica e sem travas elétricas em 2013. Também é sintomático que neste ano, pela primeira vez, a venda de smartphones tenha superado a de aparelhos convencionais no Brasil. “Muita gente da classe C compra celulares de mais de 2 000 reais”, diz Ana Peretti, diretora de marketing da fabricante Sony Mobile, cujo aparelho mais caro chega a 2 600 reais.

À medida que crescem as vendas de celulares mais sofisticados, avança também o perfil dos pacotes de serviço. Na operadora Telefônica Vivo, que detém 40% do mercado de planos pós-pagos do país, o crescimento de assinaturas desse segmento passou de 23% para 29% no último ano. 

Na última década, o Brasil dependeu — como nunca — do consumo das famílias para crescer. Foi uma aposta com ótimos resultados no início. Com desemprego em queda, renda e crédito em alta, era natural que o consumo se transformasse na mola propulsora do país. Mas o modelo se esgotou, como os pibinhos dos últimos três anos mostram.

A renda parou de subir, não há mais espaço para aumento no emprego e, depois de tanto contrair dívidas, o brasileiro segurou os gastos para pagá-las. De 2003 a 2008, o crescimento médio dos gastos das famílias foi de 4,8% ao ano. A previsão para 2013 é de 2,3% de aumento.

É inegável que depender do consumo para impulsionar a economia como um todo é irracional: parece haver, aqui, consenso mesmo entre os habitantes do mundo real e os habitantes de Brasília. Todos sabemos que o país precisa de investimentos, notadamente em infraestrutura, para crescer daqui para a frente. Mas isso não quer dizer que o brasileiro vai parar de consumir. 

O recado para as empresas é outro: ele vai consumir, mas de outro jeito. Será cada dia mais criterioso. O mercado de massa ainda vai crescer, mas boa parte da expansão futura virá do que os especialistas chamam de trade up. O fenômeno que se observa hoje é uma consequência natural da mudança de patamar do país na última década.

Quem tinha de comprar geladeira básica já comprou. A era do “tanquinho”, aquela máquina de lavar simplesinha que simbolizou a ascensão da classe C, ficou no passado. Numa radiografia do consumo no Brasil publicada neste ano, a consultoria Boston Consulting Group mostrou que o consumo deu um enorme salto nos últimos dez anos: passou de 1 trilhão de reais em 2003 para 2,6 trilhões neste ano. Até 2020, a evolução prossegue, mas num ritmo mais modesto — o aumento será de 600 bilhões de reais.


A BCG mostrou também que o fenômeno de sofisticação do consumo se traduz em comportamentos similares em faixas de renda diferentes. Brasileiros na faixa de renda anual de 3 000 a 15 000 dólares estão aprimorando suas escolhas em itens como eletroeletrônicos, eletrodomésticos e perfumes.

Aqueles que ganham de 30 000 a 45 000 dólares por ano optam por itens mais caros em categorias como vinho, café e lazer. Na faixa acima de 45 000 dólares, aumentam drasticamente gastos em viagens e bens de luxo, como carros importados. Cerca de 80% desse grupo também melhorou o padrão de suas casas.

No curto prazo, um soluço da economia pode colocar um freio nesse avanço. Mas, segundo especialistas, trata-se de um caminho inevitável para os próximos anos. “A sofisticação do consumo pode ocorrer numa velocidade maior ou menor, a depender da economia. Mas essa é uma tendência clara daqui para a frente”, diz Olavo Cunha, sócio da consultoria BCG.

Novas fronteiras

No estudo da BCG, uma das novas fronteiras da sofisticação do consumo está no setor de serviços. Os gastos nesse segmento deverão crescer 4% ao ano até 2020, 1,5 ponto percentual a mais do que a média geral do consumo. Esse avanço já permite o surgimento de empresas como a rede de academias Bodytech, com mensalidades que chegam a 900 reais.

Em troca, oferece mimos para os alunos, como spa, ofurô, fisioterapeutas e até maquiadores — tudo isso para usar à vontade. Criada em 2006, no Rio de Janeiro, a Bodytech teve aumento de 44% no número de clientes nos últimos 12 meses. Hoje, são 105 000 alunos e um faturamento de 324 milhões de reais. A expectativa para o ano que vem é de crescimento de 30%. “O cliente aceita pagar mais se percebe que está adquirindo um produto personalizado”, diz Luiz Urquiza, presidente do grupo Bodytech. 

O que se vê no Brasil é uma espécie de versão acelerada do que se passou nos Estados Unidos a partir dos anos 40. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a expansão econômica que veio em seguida, a oferta de produtos se transformou. Foi quando se consolidaram gigantes de bens de consumo, como a Procter&Gamble, a maior do mundo.

Criada em 1837 por William Procter e James Gamble, a empresa passou quase um século basicamente vendendo velas e sabonetes. Após a Segunda Guerra, a diversificação se acentuou rapidamente. O primeiro detergente para roupas da marca é de 1946, e o primeiro creme dental com flúor, de 1955.

Hoje, a empresa tem aproximadamente 70 marcas nos Estados Unidos. No Brasil, onde está presente desde os anos 80, tem cerca de 30. É uma realidade que deverá mudar à medida que o país entrar para o calendário de lançamentos globais da empresa. Nos Estados Unidos, o sabão líquido para lavar roupas foi lançado há mais de 30 anos pela P&G.


No Brasil, só chegou há cinco. Já o Ariel ­Pods, sabão em cápsulas de dose única que vem com removedor de manchas, chegou ao país em maio deste ano, com uma defasagem de apenas oito meses. Depois de Estados Unidos e França, o Brasil foi o terceiro mercado a receber o produto. 

Crescer nesse contexto é uma tarefa menos óbvia do que já foi no passado. Até pouco tempo atrás, com a expansão rápida no volume de vendas, a questão determinante consistia em ter uma distribuição eficiente. Agora se torna fundamental não apenas estar na prateleira mas chamar a atenção em meio a tantos concorrentes.

Apresentar novidades, nesse caso, é uma arma poderosa. Essa nova fase do consumo não se resume apenas a um fenômeno de aumento de demanda, mas sobretudo de ampliação drástica da oferta. Em 2010, existiam 903 opções de cerveja no mercado brasileiro. Hoje, são 1 301.

O mesmo aconteceu com as geladeiras — cuja variedade saltou de 326 para 446 opções no mesmo período. Itens à primeira vista com menos margem para sofisticação ganharam mais versões, como as lâminas de barbear. Em 2010, havia 147. Atualmente, são 198.

A estratégia da empresa de eletrodomésticos Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Consul, é colocar nas lojas uma gama de produtos cada vez maior, com mais serviços e mais caros. Neste ano, a empresa prevê lançar 160 novos produtos, 15% mais do que em 2012. Entre eles um fogão que se conecta à internet, capaz de baixar receitas numa tela de cristal líquido — ao preço médio de 4 500 reais.

Objetos de desejo

Para sobreviver num mercado inundado de opções, algumas empresas tentam criar nichos. Em vez de digladiar com dezenas de concorrentes para vender itens mais básicos, como liquidificadores e batedeiras de sua marca Walita, a multinacional holandesa Philips decidiu diversificar em segmentos pouco explorados.

Neste ano, lançou uma escova de dentes elétrica, fritadeiras elétricas que não precisam de óleo e um ferro de passar com tecnologia que não queima a roupa. Os preços dos eletrodomésticos da Walita aumentaram, claro. O valor máximo era 600 reais há dois anos. Hoje, passa de 1 000 reais.


“Queremos oferecer objetos de desejo”, diz o holandês Henk de Jong, presidente da Philips para a América Latina. A fabricante de produtos de limpeza Bombril fez o mesmo. De 2010 a 2013, a empresa aumentou seu portfólio de 42 para 66 categorias.

“As consumidoras querem um produto para cada ocasião de limpeza e estão dispostas a reconhecer o valor que existe naquele produto”, diz Marcos Scaldelai, presidente da Bombril, que deverá faturar 1,5 bilhão de reais em 2013 — crescimento de 36% nos últimos três anos.

Recentemente, a empresa lançou um limpador específico para micro-ondas e computador, um detergente em pó para lavar piso e uma linha de sabão para roupas de bebê testada dermatologicamente — alguns deles até 133% mais caros do que seus pares na prateleira.

Mesmo os consumidores que começam a ingressar na classe média agora já entram nessa faixa de consumo com outra expectativa. É natural que seja assim. Ninguém quer ter uma geladeira pior do que a do vizinho ou um celular que não entra no Facebook, onde estão todos os seus amigos.

Foi o que perceberam os executivos da fabricante de eletrodomésticos Latina, que nasceu em 1995 para produzir tanquinhos para a classe C. Enquanto o mercado de lavadoras de 200 a 400 reais cresceu 60% neste ano, o de produtos abaixo de 200 reais caiu 50%. Em 2012, a empresa tirou de linha suas lavadoras semiautomáticas menores, com capacidade de 3 a 7 quilos de roupa. Entraram no mercado produtos para 9 e 10 quilos. Em 2013, a Latina lançou a primeira linha de secadoras. 

A sofisticação da oferta pode ser a salvação em mercados que vivem momentos difíceis, como o de cerveja. As vendas da Ambev caíram 5% nos primeiros nove meses deste ano. Só não foi pior graças a um empurrãozinho das cervejas premium, cuja participação cresceu de 3% da receita da companhia em 2010 para 6% hoje.

Neste ano, a Ambev lançou sete cervejas nessa categoria, uma delas, a Hertog Jan, importada da Holanda, ao preço de 30 reais a garrafa de meio litro. “Estamos investindo porque o consumidor quer conhecer mais sobre cerveja”, diz Sergio Esteves, diretor de marcas premium da Ambev. Na Argentina, a fatia das cervejas consideradas premium já representa 11% do total consumido. Na Europa, 20%. Nos Estados Unidos, 17%. Estima-se que, no Brasil, poderá chegar a 8% até 2015. “É um hábito sem volta”, afirma Esteves.

Não há atalhos para ter sucesso nessa estratégia. Aumentar o preço apenas com mudanças cosméticas na embalagem e sem caprichar nos atributos do produto pode transformar consumidores em inimigos. É o caso do mercado de café nos últimos anos. Segundo dados da Nielsen, o preço do café no varejo aumentou 18% em 2012, sem qualificação da oferta.

Os consumidores reagiram no ato e optaram por marcas mais baratas. Para escapar dessa armadilha, a fabricante mineira Três Corações decidiu ingressar em novembro no segmento de cápsulas de café, chá e cappuccino. A empresa tem agora a própria máquina, importada da italiana Caffita. Serão três modelos — a mais barata custará 399 reais.

A meta é chegar a 100 000 máquinas vendidas em 2014 e inaugurar uma unidade para produzir as cápsulas no Brasil a partir de 2015. Um pacote de café tradicional de 250 gramas é vendido a 4,50 reais. A mesma quantidade em cápsulas sai por 46 reais. “Esperamos que nossa receita cresça 20% em cinco anos”, diz Pedro Lima, presidente da Três Corações, que faturou 2,2 bilhões de reais em 2012.

A empresa cresceu 35% desde 2010. Segundo a consultoria Euromonitor, embora não represente nem 1% do total do mercado de café, a opção em cápsula deverá crescer 30% nos próximos cinco anos. Ainda é cedo para saber se a estratégia vai dar certo. Com tantas novidades disputando o bolso do consumidor, haverá vencedores e perdedores. O consumidor está, de fato, disposto a gastar mais para ter um produto melhor. Mas rasgar dinheiro ninguém quer.

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