Revista Exame

Para a VP de inclusão da Dow, “Não basta contratar. É preciso incluir”

Karen Carter, vice-presidente de inclusão da empresa química americana Dow, defende que é necessário criar nas empresas um ambiente permeável às diferenças

Karen Carter, chief inclusion officer da química Dow: envolver a média gerência é o grande desafio (Germano Lüders/Exame)

Karen Carter, chief inclusion officer da química Dow: envolver a média gerência é o grande desafio (Germano Lüders/Exame)

CM

Cristiane Mano

Publicado em 6 de dezembro de 2018 às 05h30.

Última atualização em 6 de dezembro de 2018 às 05h30.

Um novo integrante do primeiro nível da hierarquia, diretamente ligado ao presidente de grandes empresas globais, começa a ganhar relevância mundo afora — o chief inclusion officer. Na tradução literal, trata-se do principal executivo de inclusão e diversidade, cuja função é diluir a homogeneidade no topo e promover a ascensão de grupos como mulheres, negros, pessoas com deficiência e LGBTI+. Neste ano, empresas como o aplicativo de transporte Uber, a fabricante de artigos esportivos Nike, a difusora de streaming Netflix e até a mais sisuda Dow Jones, que produz informações e índices financeiros, nomearam um executivo para o posto.

A ascensão do cargo representa a escalada do tema, historicamente subordinado à área de RH. Mais de dois terços dos executivos no mundo hoje, segundo uma pesquisa da consultoria Deloitte, apontam a diversidade como assunto importante na companhia em que atuam. Há cinco anos, pouco mais da metade dizia o mesmo. “A ideia é que a diversidade deixe de ser vista como programa ou iniciativa numa área específica e se torne parte da cultura corporativa, do que nós somos”, disse a EXAME Karen Carter, principal executiva de inclusão da empresa química americana Dow desde julho de 2017, quando o cargo foi criado. Sua missão tem sido espalhar essa visão entre os cerca de 50.000 funcionários da companhia no mundo. Em uma visita a São Paulo, Karen falou a EXAME.

O posto de executivo de diversidade vem deixando de ser subordinado à área de recursos humanos para se tornar diretamente ligado ao presidente de grandes empresas. Por quê?

É uma maneira de deixar claro que a diversidade e a inclusão são um imperativo nos negócios. Não se trata de um programa ou de uma iniciativa dentro de uma área específica. Ou algo que fazemos para cumprir alguma regulação. Faz parte de nossa estratégia. Faz parte de nossa cultura corporativa, do que somos. Estamos num momento histórico na companhia, já que em breve vamos nos tornar a Nova Dow [até junho de 2019, em decorrência da fusão com a química DuPont, a companhia decidiu focar apenas ciências dos materiais e separar os negócios voltados para outros setores, como o agrícola, em duas outras empresas].

O presidente mundial Jim Fitterling determinou que temos de ser a empresa de ciência de materiais mais inovadora, mais centrada no cliente, inclusiva e sustentável do mundo. Quando se pensa em ser uma empresa centrada no cliente, a diversidade surge como uma questão necessária porque a sociedade é diversa. Quando o presidente mundial me ofereceu este emprego, eu era a vice-presidente comercial de plásticos especiais e embalagens, com uma carreira de mais de 20 anos na Dow. E ele deixou claro que havia me escolhido porque eu era uma líder de negócio. E que seria preciso montar uma estratégia abrangente para colocar essa discussão no centro de nossa cultura corporativa. Elevar o papel para o nível do time que se reporta ao presidente mundial deu o tom da nova fase e passou a mensagem para toda a companhia.

Quais são os pilares dessa estratégia?

Na nova fase, desenhei sete frentes: talentos, governança, liderança, fornecedores, reputação, consumidores e comunidade. Queremos ter um olhar para nossa própria cultura corporativa, mas também sabemos da importância de promover a discussão ao nosso redor, incluindo clientes e fornecedores. Dentro de casa, uma das frentes mais relevantes tem sido envolver a média gerência. Em muitas empresas, você pode sentir o tema ganhando relevância no topo, perceber um movimento na base com a criação de grupos de afinidade entre os funcionários.

Mas a barreira em geral para qualquer mudança de cultura está na média gerência. Por isso, nossa governança inclui um conselho de inclusão focado nesse público, selecionando líderes mais influentes em nossa empresa, os guardiões de nossa cultura. Além disso, temos desenvolvido cada vez mais, em nossa academia de líderes, cursos voltados para mudar o comportamento da liderança no sentido de criar uma cultura mais permeável a diferenças de opinião. Estamos desenvolvendo habilidades de escuta ativa, por exemplo. E incentivando os funcionários a reportarem quando sentirem que a liderança desenvolve um comportamento que não é permeável às diferenças.

Um dos primeiros passos das empresas no sentido de incentivar a diversidade tem sido a criação de grupos de afinidade. Mas como fazer com que eles ganhem relevância?

Hoje temos grupos direcionados para os públicos LGBTI+, negros, mulheres, PCDs, funcionários acima de 50 anos, funcionários mais jovens, asiáticos e para a população do Oriente Médio. Cada um desses grupos tem aliados que não pertencem aos próprios grupos. Aliados se tornam patrocinadores dos temas pela empresa. No grupo de mulheres no Brasil, 20% dos membros são homens. Se houver um evento sobre PCDs, negros, LGBTI+, tenha certeza de que haverá a presença de quem não faz parte desses grupos. Nosso presidente tem incentivado todos os líderes da companhia a participar de pelo menos um desses grupos.

Fitterling, presidente mundial da Dow: sem barreira para falar que é gay | F. Carter Smith/Bloomberg/Getty Images

Quais são os melhores indicadores para garantir que o esforço em torno da diversidade traga resultados?

É preciso ir além do acompanhamento demográfico. Hoje sabemos que temos apenas 29% de mulheres em cargos de gestão em todo o mundo. Mas olhar só a demografia não resolve muita coisa. Desenvolvemos outras medidas, como analisar em cada área de negócio quais são os hot jobs, ou seja, os cargos mais críticos para que as pessoas sejam promovidas e ascendam a postos mais relevantes. É um bom indicador de como será a liderança delas no futuro. Outro exemplo na mesma linha: temos um programa para profissionais com alto potencial de crescimento. E queremos ter certeza de que esses grupos refletem a diversidade que almejamos.

É importante medir não apenas o retrato atual mas também os motores que impulsionam esse resultado continuamente e garantem a diversidade no longo prazo. E, sobretudo numa empresa grande, é importante ter um olhar sobre áreas específicas, e não apenas um grande quadro geral. Temos partes da organização muito dominadas por mulheres, por exemplo. E a oportunidade nesses casos é ampliar a presença de homens. E, além dos números, é importante incentivar comportamentos que tornem a cultura verdadeiramente inclusiva e permeável à participação dessas pessoas nas decisões. Queremos construir uma empresa que não apenas atraia pessoas diversas mas também retenha essas pessoas com um padrão igual de inclusão nas decisões e de avanço na carreira.

Qual é a chave para trazer aliados para a agenda da inclusão?

O caminho é explicar as mudanças do ponto de vista do negócio. Não queremos mais diversidade porque é a coisa certa a fazer. Mas porque também é algo que inúmeras pesquisas já mostraram que traz resultado na ponta. Outro aspecto-chave é a criação de empatia. Deixar claro que o que se quer é dar chance igual. E não criar privilégios. Sensibilizar as pessoas, além dos argumentos racionais, também é muito importante. Ouço isso bastante de colegas que têm filhas que começam a se preparar para o mercado de trabalho. Trazer a experiência pessoal dos funcionários para os encontros é importante para criar um ambiente tolerante.

O próprio presidente mundial fala abertamente da experiência dele. Ele é um ótimo presidente mundial, que por acaso também é gay e um sobrevivente de câncer. E o fato de ele não ter problemas em falar de nenhum desses aspectos da vida pessoal dele sinaliza que essas características não representam uma barreira profissional dentro da companhia. Precisamos das melhores pessoas para entregar os melhores resultados que o mercado espera.

O que pode dar errado na tentativa de promover a diversidade dentro de uma empresa?

Não funciona deixar parte dos funcionários de fora do processo, criar a sensação em parte das pessoas de que “isso não diz respeito a mim”. E é isso o que tende a ocorrer quando a diversidade é vista como um programa, um esforço do RH para privilegiar ou acelerar a carreira de alguns grupos. Ou algo que surge, faz barulho e depois vai embora. Direcionar a mensagem apenas para parte da organização não ajuda a criar um ambiente em que exista integração de verdade. É preciso criar um ambiente aberto a conversas que historicamente sempre foram difíceis. 

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