PME

O mundo tem dinheiro a dar com pau, diz Abilio a empreendedores

Em mentoria a empreendedores, empresário diz que o que falta no mundo não é dinheiro nem projetos, mas sim boa gestão.

Abilio Diniz: em mentoria, empresário respondeu empreendedores (Germano Lüders/Site Exame)

Abilio Diniz: em mentoria, empresário respondeu empreendedores (Germano Lüders/Site Exame)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 19 de setembro de 2017 às 06h00.

Última atualização em 19 de setembro de 2017 às 06h00.

São Paulo – Se você é empreendedor ou sonha em ter o seu negócio, deve sonhar também em bater um papo com um dos maiores empresários do país, Abilio Diniz.

Na semana passada, alguns empreendedores tiveram essa chance. Abilio participou de uma mentoria online promovida pela Endeavor e durante uma hora respondeu a perguntas de empreendedores interessados em aprender com a experiência dele. A conversa foi transmitida ao vivo por EXAME (veja o vídeo ao final do texto).

Na mentoria, Abilio falou sobre temas caros a quem tem a sua própria empresa como gestão, demissões e crise, e também sobre felicidade e vida pessoal . Contou ainda sobre os aprendizados que teve em sua trajetória como empreendedor.

Por muitos anos, Abilio Diniz foi conhecido por estar à frente do Pão de Açúcar e hoje está no Carrefour, na BRF e na Península, empresa que atua no mercado financeiro.

Leia abaixo os principais trechos da mentoria com Ablílio Diniz com perguntas enviadas por empreendedores.

Como você encara a situação do Brasil hoje, o quanto isso influencia suas decisões de empreendedor?

Abilio Diniz - Chamo a atenção para o fato de que não é só no Brasil. Hoje qualquer um tem que olhar para velocidade com que o mundo se transforma. Quem garante que a fabricação de carros vai ser tão importante no futuro, por exemplo? Todo investidor tem que olhar para as incertezas do mundo de hoje. E no Brasil também uma incerteza política.

Eu sou menos pessimista em relação ao Brasil do que estou preocupado com esses movimentos mundiais. Acho que o Brasil retomou seu caminho, acho que estamos numa crise política complicada, muita turbulência, mas a economia está retomando, a descida pela rampa foi estancada, a inflação está contida e com isso as famílias consomem mais, gera mais empregos. Eu tenho uma expectativa de renovação na política, espero que os brasileiros votem melhor, espero uma renovação no Congresso e no Executivo. Acho que ninguém vai segurar o Brasil.

Você passou por cenários adversos ao longo de sua história. Como focar no crescimento em momentos tão adversos?

Temos que ter uma ideia muito clara de que crise termina. Senão, não é crise, é algo estrutural. Crise tem início, meio e fim. Quando se tem essa consciência, durante a crise você se prepara, não faz movimentos bruscos. Nos momentos mais difíceis, você faz como se estivesse jogando xadrex e move somente os peões, não move as peças grandes. Faça movimentos mais cautelosos. E é preciso saber se preparar para o que vem depois da crise. Todo cara competente se segura na crise, salta depois e cresce.

O que te move depois tantos altos e baixos?

Eu gosto do que faço. Não paro porque gosto. Esse é o grande ponto, gostamos de empreender, gostamos de empresa, eu e pessoas como o Jorge Paulo Lehmann, a gente se diverte fazendo. Porque, se eu não trabalhasse, se eu diminuísse o ritmo, o que eu iria fazer? Ficar mais em casa? De jeito nenhum.

Que dicas pode dar para quem quer empreender com pouco ou nenhum recurso? 

É preciso ter muito clara a diferença entre o empreendedor e aquele que decide fazer uma carreira de executivo. Para o empreendedor, o fim do mês é o momento de pagar conta. Para o executivo, é um momento de receber. Os riscos de uma vida de executivo são muito menores do que do empreendedor. E é necessário tomar risco, se não toma risco vai ser difícil crescer. Mas tem que ser um risco bem calculado. Qualquer empreendedor tem que seguir a seguinte regrinha: diagnóstico, planejamento e ação.

Uma coisa que eu sempre busquei é benchmark. Questiono sempre: ‘quem é o melhor do mundo nesse negócio que eu quero fazer?’. Sempre fui muito mais um copiador do que um inventor. Se ninguém está fazendo aquilo, desconfie se o negócio é bom mesmo.

Depois desse benchmark, do diagnóstico, aí você parte para o planejamento e para a ação. Tem que ter cuidado, mas tem que tomar risco.

No mundo empreendedor fala-se muito em barriga no balcão. Como é barriga no balcão?

Barriga no balcão é boa até certo ponto. Se a pessoa fica sempre com a barriga no balcão, ela não empreendedora é técnica. Quanto mais você fica ali na operação, mais desenvolve sua capacidade de fazer aquilo. Mas técnico você contrata, já o empreendedor, o visionário, o cara que tem a garra para avançar é um pouco diferente.

Por isso, quando o negócio está pequeno, não é problema colocar a barriga no balcão, mas quando o negócio cresce o empreendedor precisa passar a ser um gestor. Gestão é um elemento escasso no mundo. O mundo tem uma quantidade enorme de projetos. O mundo tem dinheiro a dar com pau, se você tem um bom projeto vai buscar investimento. O que falta no mundo é gestão. As empresas crescem, morrem, expandem pela gestão e isso está ligado com liderança, e esse é um elemento escasso no mundo.

Atualmente as pessoas associam escalabilidade a modelos digitais. Você é um empreendedor do varejo. O que pode ensinar para essa turma que olha o digital?

Como eu disse, eu gosto de olhar para quem está dando certo. E tem um cara que eu admiro que é o Jeff Bezos, procuro ler o que ele fala. O digital e o e-commerce são um negócio de conveniência. Você está entregando na casa da pessoa, te que ser o mais conveniente possível. E na cabeça do Bezos “temos que viver para o consumidor.” Tenho que entender o consumidor tentar adivinhar o que ele pensa antes dele saber o que ele quer. Quem vai entrar nesse meio não pode esquecer disso.

E tem a conjugação do online com o físico, que também é conveniência. A Amazon e o Alibaba estão fazendo loja física. Eles descobriram que as pessoas muitas vezes pesquisam no digital e depois vão comprar no físico. O cara quer comprar uma bicicleta, pesquisa na internet e escolhe, diz: ‘Essa é a bike que eu quero, agora deixa eu apalpar, deixa eu sentar’. No momento da finalização, elas vão no físico.

Essa conjugação é importante. Tem muito pouca gente que aprendeu a fazer isso. Tem gente que está esquecendo o físico, o que acho errado.

Você já demitiu? Como foi a experiência?

Vou citar Maquiavel: ‘O mal você faz rápido, o bem você vai fazendo aos pouquinhos para que dure’. Se você vai demitir alguém, faz rápido, liquida o assunto e vira a pagina. É um erro tentar ver se pode conseguir melhorar. Se já deu chances e a situação não mudou, o melhor é liquidar a fatura logo, quanto mais depressa melhor.

E quando o problema é um sócio?

Então você está na sociedade errada. A melhor maneira para lidar é através do dialogo. Eu gosto das pessoas que têm divergências comigo, que tenham ideias diferentes da minha, aí eu posso crescer. O cara que diz que eu sou bacana, eu sou ótimo, isso eu já sei. Eu quero a divergência. Nesse caso minha regra é: ‘Vamos conversar, ou você me convence ou eu te convenço’. Se não conseguirem chegar a um acordo, quem está em cima fala: ‘Já te escutei, não me convenceu, faz do jeito que estou falando’.

Você pensa que humildade é usar roupa velha? Não é assim. É saber escutar, é o respeito pelas ideias do outro. Quando você faz isso as pessoas te respeitam. Você verifica se aquela ideia é melhor do que a sua e toma a decisão.

O que fez pra ser um empreendedor melhor na sua trajetória?

Tem uma coisa que acredito: você cresce muito mais nas dificuldades, nas tristezas, do que na alegria. Na alegria você desfruta, na adversidade você aprende.

O momento mais importante da minha vida foi quando o Pão de Açúcar quase quebrou. Ninguém acreditava que a gente fosse sair. Eu estava no meio de um conflito de família, a empresa quebrando, e no meio disso eu fui sequestrado. Foi um período muito difícil na minha vida. Quando saí do outro lado, era um homem muito diferente.

Isso não quer dizer que eu recomendo ‘arrume um sofrimento para poder crescer’. Mas, então, quando você tem momentos sofridos, não se queixe tanto, pense o que pode tirar daquilo. Quando algo está dando errado pense ‘onde posso melhorar’, em vez de buscar na janela quem é o culpado. Assim, a pessoa cresce. Eu não tenho nada de excepcional que as outras pessoas não tenham. Minha vida sempre foi degrau por degrau. O que tive de diferente foi garra, vontade de fazer.

O que pode nos dizer sobre ambição?

Quando colocar a ambição como meta, não deixe de dar valor àquilo que você tem hoje. Você pode ter sonhos, mas não deixe de dar valor para o que conseguiu. As pessoas ficam infelizes porque colocam metas lá frente que ainda não alcançaram. É preciso dar valor às coisas pequenas da vida pra poder ser feliz. Tem que ser feliz todos os dias.

Dá para equilibrar vida pessoal e profissional?

Isso é muito importante. A coisa que mais valorizo é a felicidade. Você pode ser o cara mais rico do mundo e não ser feliz. A vida é composta de papéis e atividades e a sabedoria da vida é manter isso em equilíbrio. O que adianta ter um emprego bacana, ter um empreendimento, mas trabalhar tanto que sua mulher e filhos estão dormindo quando você chega em casa? E por outro lado, ter uma família feliz, mas não ter empenho no trabalho para as suas realizações?

Se pudesse voltar no tempo que decisões gostaria de ter tomado?

As pessoas perguntam: ‘Qual foi o grande erro da sua vida?’ O grande erro foi o contrato que fiz com o Casino em 2005. Eu faria de novo, mas faria bem feito. Se você vai contratar alguma coisa, o momento do contrato é o mais importante. Tem que prever todas as possibilidades e, se brigar, briga no contrato, não lá na frente. O contrato mal feito é um desastre. Dê importância ao momento de contratar, vá à exaustão, tome o tempo que for necessário, prefiro não fazer o negócio do que fazer mal feito.

Veja o vídeo completo da conversa aqui:

yt thumbnail
Acompanhe tudo sobre:Abilio DinizEmpreendedoresEndeavor

Mais de PME

Mais na Exame