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Filhos criados, trabalhos dobrados?

A bem da verdade é que nada é mais comum do que pais aflitos e indecisos sobre o quanto se envolver ou não na vida econômica de filhos adultos

Sigrid Guimarães: uma boa educação não garante prosperidade nem livra ninguém de se angustiar quando, já crescidos, seus filhos enfrentam dificuldades. (Alocc Gestão Patrimonial/Divulgação/Divulgação)

Sigrid Guimarães: uma boa educação não garante prosperidade nem livra ninguém de se angustiar quando, já crescidos, seus filhos enfrentam dificuldades. (Alocc Gestão Patrimonial/Divulgação/Divulgação)

Sigrid Guimarães
Sigrid Guimarães

CEO da Alocc Gestão Patrimonial

Publicado em 13 de maio de 2023 às 08h39.

No último artigo, propus algumas reflexões sobre a integração das questões financeiras à educação de crianças e jovens, o que acredito ser realmente importante para a tranquilidade dos pais e dos filhos no futuro. No entanto, uma boa educação não garante prosperidade nem livra ninguém de se angustiar quando, já crescidos, seus filhos enfrentam dificuldades.

A bem da verdade é que nada é mais comum do que pais aflitos e indecisos sobre o quanto se envolver ou não na vida econômica de filhos adultos. Como tenho dito sempre, quando se trata de família, tudo é pessoal e único, mas podemos encontrar pontos de contato, alguns padrões de comportamento e critérios para tomar decisões.

Uma das situações frequentes tem origem no desejo de engajar os filhos nos negócios da família. É normal sonhar em transmitir seu empreendimento aos descendentes. Parece um caminho não só natural como com boa chance de sucesso, já que os herdeiros são os principais interessados na boa condução do negócio e podem ser preparados pelos pais desde cedo. Perfeito, certo?

Talvez sim, talvez não. O que acontece se, mesmo bem preparado, seu filho for menos competente do que o necessário ou do que um profissional da sua equipe ou se ele simplesmente tiver uma vocação diferente? Em casos assim, a insistência em transmitir o comando coloca em risco as relações familiares, o futuro da empresa e o do seu filho em uma tacada só.

A conveniência de preparar os herdeiros para assumir os negócios é bastante conhecida, mas pouco se fala sobre o momento adequado para começar. Não é raro que, iniciando-se cedo demais, antes que tenham vivido outras experiências e desenvolvido outros interesses, a perspectiva do trabalho garantido se torne uma condenação ou um excelente pretexto para se acomodarem, limitarem seu próprio potencial e evitarem se expor às pressões e exigências do mundo exterior. Imagine, que, por uma razão pessoal qualquer ou pelas razões mais extremas, como uma crise ou mesmo o fracasso do negócio, ele deseje ou precise encontrar uma posição no mercado. Quais serão suas chances se todo seu currículo estiver atrelado à empresa da família?

Uma segunda situação comum é a do jovem com vocação para uma atividade com perspectiva de remuneração bastante inferior ao seu padrão de vida. Grandes acadêmicos, cientistas, artistas etc. podem trabalhar duro e brilhantemente a vida toda sem formar um patrimônio expressivo, e é de se esperar que ao menos os primeiros anos sejam de dinheiro curto. Além disso, há pessoas que, de fato, não conseguem se adaptar aos ambientes altamente competitivos onde estão as melhores remunerações, embora possam ser muito produtivas em posições mais modestas. Não deveria ser motivo de vergonha.

O problema prático é que essas escolhas inviabilizam hábitos anteriores e contrastam com o padrão da família. Frequentemente, pais relutam em aceitar que um filho tenha uma vida mais simples ou com um status social menor, em vez de se orgulharem porque, afinal, ele aprendeu a lição de viver dentro do seu limite financeiro. Por outro lado, é muito razoável que não vejam sentido em deixá-lo passar por dificuldades enquanto acumulam mais do que necessitam. Afinal, para que serve o dinheiro, se não para viabilizar escolhas que não têm nele mesmo o seu fim?

O dilema, então, é compensar ou não, e até que ponto, a baixa remuneração do trabalho do filho. Como sempre, o cerne da questão financeira está em cada um conhecer suas próprias necessidades e possibilidades. A tentação dos pais é subestimar a capacidade dos filhos de lidar com necessidades, a tentação dos filhos é superestimar as possibilidades dos pais. Se, desde cedo, seu filho entendeu que o dinheiro é sempre um cobertor curto e administrá-lo é negociar entre o desejado e o possível, metade do caminho está andado – e aí está o valor da educação financeira.

Se você, por sua vez, está seguro de que sua ajuda será um incentivo, e não o contrário, o que lhe resta é saber quais são as necessidades concretas e quanto você pode despender sem comprometer seu próprio futuro nem dilapidar o patrimônio. Saber com precisão o que é ou não possível é uma das grandes vantagens de contar com um bom planejamento patrimonial.

Conforme o caso, talvez, você possa adiantar parte da herança na forma de fundos, prover um imóvel de moradia (com o cuidado de que o custo de manutenção esteja ao alcance do donatário), garantir os estudos dos netos, certo volume de recursos líquidos regulares ou apenas um bom plano de saúde... Quanto antes isso estiver claro e estabelecido, melhor para você e para o seu filho e menores as chances de ser surpreendido com um drama a cada fim de mês.

Caso você faça parte do pequeno grupo de detentores de uma fortuna capaz de garantir regularmente o suficiente para que seus descendentes mantenham o nível de vida a que se habituaram, o dinheiro até pode livrá-lo do desconforto de ter que dizer não, mas não vai livrá-lo das consequências de um sim mal aplicado. Se destinar um montante adequado a alguém produtivo, capaz de reconhecer limites e empenhado em construir algo pode ser um auxílio precioso, o excesso de facilidade tende a tornar-se uma maldição, alimentar a inércia e péssimos hábitos, especialmente para quem não tem compromisso com uma carreira.

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