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Para tirar do papel

As informações necessárias para escrever o plano de negócios de uma empresa que ainda vai começar

Thiago Fernandes, dono da Hard (Alexandre Battibugli)
DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h48.

Nesta terceira e última reportagem da série com planejamentos de pequenas e médias empresas, Exame PME acompanhou a elaboração do plano de negócios da Hard, da cidade paulista de Hortolândia. A empresa, de fabricação e distribuição de roupas e equipamentos para esportes e turismo de aventura, começa a funcionar em 2011. O plano levou três meses para ser colocado no papel e contou com o apoio de Juliano Graff , da empresa paulista de investimentos Master Minds. "É um passo a passo que também pode ser seguido por empreendedores ao montar uma segunda empresa ou novas unidades de negócio dentro da empresa atual", diz Graff . Veja as etapas percorridas.

A empresa

Veja também

Histórico- A ideia da empresa partiu de um trabalho de Thiago Fernandes, de 25 anos, praticante de esportes de aventura, para um curso de administração concluído em 2008. O objetivo é produzir roupas e equipamentos para esportes e turismo de aventura, como escalada, trekking, rafting e montanhismo. Os tecidos têm proteção solar, secagem ultrarrápida e resistência a abrasão.

Momento- O projeto começou a tomar forma no início de 2010, depois que Fernandes viajou um ano pelo país para buscar fornecedores. A intenção era terceirizar toda a confecção, mas uma análise mais profunda levou-o a investir numa fábrica própria. "A especificidade da costura desse tipo de vestuário elevou demais os custos e levantou dúvidas sobre a qualidade", diz Fernandes. As máquinas de costura foram importadas e estão em fase final de ajustes. "A operação começa em janeiro", diz Fernandes.

Cenário- Entre 2008 e 2009, o turismo de aventura cresceu 10% no Brasil, com o aumento no número de pequenas empresas especializadas em organizar eventos para esse público. Há poucos fabricantes nacionais de vestuário e equipamentos. Parte da demanda é suprida por marcas como a americana The North Face, que já abriu uma loja em São Paulo. "Isso mostra que há espaços não ocupados nesse mercado e é um alerta para a indústria nacional se adaptar à concorrência internacional", diz Fernandes. Hoje, os itens de marcas importadas chegam ao consumidor com preços até 140% mais altos do que em seu país de origem. Fernandes acredita que a Hard pode crescer ao fornecer artigos nacionais de boa qualidade a preços mais acessíveis. "O produto da Hard é adaptado ao nosso clima, com tecidos mais leves", diz Fernandes. "Os importados são mais pesados, muitas vezes feitos para locais com neve."

Objetivo do plano- Estabelecer as bases da empresa, determinando quais produtos produzir e em que quantidade, preços e como entrar no mercado.


Passo a passo

1- O Setor

A análise considerou clientes, fornecedores, concorrentes (atuais e potenciais) e produtos substitutos. No Brasil, há oito competidores importantes. Três usam o mesmo tipo de tecido que a Hard. Nenhum tem confecção 100% própria. Como faltam dados específicos sobre vestuário de aventura, buscaram-se informações correlatas. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura (Abeta), esse mercado tem cerca de 5 milhões de adeptos e movimentou 540 milhões de reais em 2009.

Para que serve- Essa análise fornece as primeiras pistas para definir o modelo de negócios. No caso da Hard, confirmou-se que a qualidade da confecção é decisiva. "As roupas devem ser resistentes e impermeáveis, o que demanda tecidos específicos e costuras especiais", diz Fernandes. "Os custos ficaram muito altos quando estudei a hipótese de terceirizar tudo." Assim, partiu-se com mais certeza para o planejamento de uma fábrica.

Como fazer- Praticante de esportes de aventura, Fernandes conhece bem os produtos. Mesmo assim, ele percorreu várias lojas no Brasil, nos Estados Unidos e no Chile e pesquisou 12 sites de marcas nacionais e estrangeiras. Detalhes sobre operação e distribuição dos fabricantes foram obtidos com lojistas. Profissionais de marketing de revistas especializadas ajudaram a traçar o perfil dos consumidores. "Eles têm pesquisas sobre os leitores", diz Fernandes. Em geral, informações sobre o setor em que se pretende atuar podem ser obtidas em relatórios de feiras e de associações de classe. Neste caso, as fontes foram a Abeta e a Adventure Sports Fair.

2- O Negócio

Turismo de aventura requer roupas que protejam de machucados, frio e calor. O público-alvo são praticantes de esportes como rafting e escalada e de circuitos que incluem mountain bike e trekking. "São consumidores que aceitam pagar mais caro por um produto que não os deixe na mão no meio do mato", diz Fernandes. A maior parte tem entre 25 e 30 anos e bom poder aquisitivo. As roupas da Hard são de poliamida especial produzida nas cidades de Americana e Paulínia, no interior de São Paulo.

Para que serve- "O mais importante ao definir o foco de um negócio é não se desviar da meta de geração de caixa ao longo do caminho", diz Graff. No caso da Hard, isso significou não levar adiante a ideia inicial de produzir equipamentos na China. "Qualidade para esse tipo de consumidor é fundamental", diz Fernandes. "Seria difícil fazer um bom controle de tão longe."

Como fazer- Analisar dados do mercado, capacidades do empreendedor e características do projeto é a primeira tarefa. "É importante definir o negócio em razão da demanda e da capacidade de investimento", diz Graff. Fernandes também pesquisou a trajetória de marcas fortes, como a americana Columbia e a alemã Jack Wolfskin, para entender o que as fez crescer. "Observar bons exemplos diminui o espaço para erros", diz Graff.

3- Produtos

Fernandes escolheu alguns produtos, como calças e camisas, não disponíveis no Brasil ou muito caros quando importados. Depois contratou estilistas para desenhar os produtos piloto. Com os modelos, buscou fornecedores para cotar o custo das matérias-primas.

Para que serve- As peças piloto são importantes para calcular todos os custos envolvidos e testar a receptividade no mercado. Esses modelos também foram levados para avaliação dos lojistas e de consumidores potenciais, que sugeriram modificações.

Como fazer- No caso da Hard, ouvir os lojistas diretamente foi fundamental. "Perguntei quais são os produtos com maior procura e quais são os mais difíceis de encontrar no mercado", diz Fernandes. "Isso ajudou a escolher o que fabricar primeiro."


4- Plano de Marketing

A observação da estratégia das marcas concorrentes e as informações colhidas com os profissionais de revistas especializadas ajudaram Fernandes a definir o posicionamento da marca e como abordar os pontos de venda. Uma empresa especializada, a A10, desenhou o logotipo de forma a obter um desenho que pudesse ser adaptado a etiquetas e materiais promocionais. Observou-se que cerca de 80% do público da Hard decide suas compras em consultas na internet. "Por isso, boa parte dos investimentos será em marketing digital", diz Fernandes. Para o ponto de venda, estão previstos treinamentos e incentivos para os vendedores.

Para que serve- O plano de marketing aponta os principais canais de venda e os investimentos necessários para aparecer no mercado. Fernandes mapeou 53 lojas especializadas em turismo de aventura. No início, apenas dez receberão os produtos da marca. Depois de eventuais ajustes, a distribuição será ampliada para 30 pontos de venda, nas capitais de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná. A expansão para lojas de esportes em geral será considerada depois de concluída a etapa do varejo especializado.

Como fazer- Uma visita aos sites de empresas líderes de um setor e a feiras de negócios costuma revelar boa parte das estratégias de marketing adotadas no mercado. Uma forma de definir o orçamento do marketing é pesquisar balanços de empresas de capital aberto para ter uma ideia do percentual estabelecido no setor. No caso da Hard, ficou acertado que o marketing representa algo em torno de 10% das receitas.

5- Plano Financeiro

Das análises anteriores, foi feita uma projeção de faturamento e despesas dos cinco primeiros anos. Custos e receitas foram separados por produto. Colocaram-se, ainda, despesas não operacionais (tributos, administração, aluguéis etc.), investimentos, retirada de lucro, bônus, capital de giro, fluxo de caixa e retorno do investimento. "O investimento total deve chegar a 600.000 reais e se pagar em dois anos", diz Fernandes.

Para que serve- As contas informam o total do investimento necessário, indicam a viabilidade financeira e permitem olhar para a empresa como um investimento. Entram no cálculo todos os custos atrelados aos produtos (matéria-prima, salários, impostos) e os investimentos (aluguel ou compra
de imóveis, máquinas).

Como fazer- "É fundamental ter boa projeção da demanda e clara definição dos preços. Para isso, é importante fazer pesquisa de mercado, mesmo para quem entende do assunto", afirma Graff. Além da composição de custos e receitas, é necessário considerar as condições competitivas de uma empresa iniciante. "Para o cálculo do fluxo de caixa, é preciso lembrar que muitos fornecedores não aceitam parcelamento de quem está começando", diz Fernandes. A projeção mensal de crescimento das receitas pode acompanhar a do mercado. A expansão prevista num prazo maior deve acompanhar as expectativas de aumento no número de clientes atendidos. O cálculo dos custos de produção da Hard foi feito com a ajuda de uma consultoria técnica da área de confecção.

6- Demanda

Uma das maiores dificuldades de um novo negócio é estimar corretamente a demanda. A tarefa é mais difícil ainda se não houver dados consolidados do setor, como ocorre com o vestuário de aventura no Brasil. "Há só informações de produtos substitutos, como roupas de ginástica, que não são exatamente a mesma coisa", diz Fernandes.

Para que serve- A projeção da demanda é fundamental para calcular os custos e as despesas. Depende dela planejar a compra de insumos e evitar problemas como custos excessivos com estoques e oportunidades perdidas por falta de produtos.

Como fazer- Fernandes coletou informações pessoalmente, loja por loja. De aproximadamente 60 lojas, ele conseguiu estimativas de compra com 20 delas. Com base nesses números, fez uma média — pessimista — de quantas peças venderia mensalmente. O número, porém, revelou a possibilidade de a fábrica ficar ociosa nos primeiros meses. Para evitar o problema, resolveu fabricar a quantidade mínima, e o que sobrar vai para
lojas não especializadas. "Nos primeiros meses, a produção será de pouco menos de um terço da capacidade", diz Fernandes.


O Plano

O plano completo da Hard inclui a definição de sua estratégia e do foco do negócio, um plano de marketing e uma análise financeira de viabilidade. Veja aqui um roteiro das partes essenciais que devem estar contidas num planejamento como esse. A íntegra do plano está no Portal Exame PME. Os tamanhos recomendados servem apenas como referência — os textos podem ser maiores, para uso interno, ou menores, se forem usados numa apresentação que não permite aprofundamentos.

Roteiro

Sumário (uma página)- Aqui vão informações sobre tamanho do mercado, produto que a empresa oferece, faturamento no primeiro ano e investimento necessário.

• Descrição (de uma a duas páginas)- Apresenta-se a empresa com um breve histórico, uma descrição sucinta das partes que integram o processo de produção ou da prestação de serviços, se for o caso. Nessa parte do planejamento, colocam-se também a missão da empresa e seus valores.

• Conceito do negócio (de uma a duas páginas)- No que a empresa é diferente dos concorrentes? As vantagens competitivas devem ser descritas, junto com a descrição dos produtos ou dos serviços.

Equipe (de uma a duas páginas)- Nessa parte, vai uma descrição da equipe, número de funcionários, principais funções e organograma. Ao lado do nome dos principais gestores, deve-se incluir um breve currículo — com destaque para passagem por empresas relevantes no setor —, com informações sobre formação acadêmica, experiência profissional e realizações.

• Mercado (duas páginas)- Descrevem-se setor, tendências, concorrentes e público-alvo. Essa parte pode ser enriquecida com pesquisas de mercado.

• Marketing (de três a quatro páginas)- Como a empresa vai se apresentar ao mercado e como vai começar a introduzir seus produtos nos pontos de venda? Aqui devem ser inseridas as respostas a essas perguntas, com um detalhamento sobre o que será feito para divulgar e comercializar os
produtos — como que tipo de campanha será veiculado e em quais canais os produtos serão inicialmente distribuídos. Também é importante explicar a formação dos preços e descrever que tipos de incentivo serão dados a lojistas e vendedores.

• Estrutura e operação (de duas a três páginas)- Como a empresa vai ser organizada? Como vai funcionar? As informações aqui contidas devem descrever a viabilidade operacional do que está sendo proposto. Entre os pontos fundamentais, devem constar uma explicação de como será o processo produtivo, um desenho da cadeia de suprimentos, logística, gestão, política de recursos humanos e infraestrutura.

• Finanças (até cinco páginas)- Aqui é demonstrada a viabilidade financeira do projeto, incluindo o total de investimento necessário e o fluxo de caixa da empresa. Geralmente, faz-se uma projeção para os primeiros cinco anos de funcionamento do negócio, com a descrição de alguns cenários.

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