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Depois de três anos de crescimento acelerado, a Atento perdeu receitas e aumentou seu prejuízo. O que aconteceu com a empresa que entrou no Brasil para ser a número 1 dos call centers?

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

Ao desembarcar no aeroporto internacional de Cumbica, em São Paulo, em janeiro de 1999, o irlandês Martin Hackett tinha como missão criar a maior empresa de call center do Brasil. A serviço do grupo espanhol Telefónica, para o qual trabalha há 11 anos, Hackett venceu o desafio. Especializada em prestar serviços de relacionamento com o cliente -- que explodiram no país na segunda metade da década de 90, impulsionados pelas vendas por 0800 e pelos serviços de atendimento ao consumidor, os SACs --, a Atento tornou-se, de fato, a número 1 entre os call centers brasileiros. No ano passado, seu faturamento de 526 milhões de reais foi mais que o dobro da receita de seu concorrente mais próximo, a Contax, do grupo Tele Norte Leste, também dono das operadoras de telefonia Telemar e Oi.

Nos três primeiros anos de operação no Brasil, a Atento registrou índices de crescimento invejáveis -- quase decuplicando a receita entre 1999 e 2001. No ano passado, porém, seu faturamento encolheu 4,5% em relação aos 550 milhões de reais de 2001. Seu prejuízo subiu para 90 milhões de reais, o maior desde que chegou ao Brasil (veja quadro abaixo).

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A retração de faturamento da Atento poderia ser considerada apenas uma leve derrapada caso o resto do mercado também tivesse encolhido. Não foi o que aconteceu. Em 2002, as receitas das prestadoras de serviços de call center aumentaram 24% em relação ao ano anterior, totalizando quase 2 bilhões de reais, segundo a IDC Brasil, consultoria especializada em tecnologia da informação e comunicações. "O ano de 2002 foi de penitência", afirma Hackett, que está com passagens compradas para voltar à Espanha, onde vive desde os 3 anos. Em seu lugar, ficará o paulistano Agnaldo Calbucci, de 44 anos, um dos primeiros funcionários da Atento no Brasil.

Mas, se o resto do setor está cres cendo, o que aconteceu com a empresa que entrou no Brasil para ser a número 1 no negócio de call centers? O aumento da concorrência, acirrada especialmente a partir de 2001, é a primeira parte da resposta. A Atento foi a primeira multinacional com poder de fogo a se estabelecer no país. Em seus primeiros sete meses de vida, já contava com 11 000 funcionários. Em fevereiro de 2000, pagou 140 milhões de dólares ao empresário carioca Alexandre Accioly pela Quatro/A, então um dos maiores call centers do Brasil.

De 2001 para cá, porém, outros grandes grupos se estabeleceram por aqui. Vieram atraídos pelo potencial de mercado, representado pelos 75% dos serviços de atendimento ainda executados por empresas que relutam em terceirizar essas atividades. É o caso, por exemplo, do Bradesco, que mantém mais de 3 500 pessoas em seu call center interno. Um desses novos concorrentes foi a Contax, que começou a operar em janeiro de 2001. No ano passado, a Contax faturou 212 milhões de reais. Outra que entrou com força foi a Companhia Brasileira de Contact Center (CBCC), do grupo Teletrim, cujos acionistas são o banco Credit Suisse First Boston e a Victori Telecom. Atualmente com 5 300 funcionários, a CBCC tem em sua carteira de clientes os Correios e a rede de locadoras de vídeo Blockbuster. Houve também a proliferação de call centers talibãs. Eles formam a maior parte do setor, que soma cerca de 280 empresas no país. Tendo como clientes pequenas e médias empresas, muitos desses talibãs trabalham com mão-de-obra informal e com cooperativas, o que torna seus preços altamente competitivos.

Com mais concorrência, era de esperar que a vida da Atento ficasse mais difícil. Em 2001, por exemplo, a empresa perdeu um grande contrato, o da Telemar, que deixou a fornecedora original e migrou, por razões óbvias, para a sua parente Contax. A retração de receita da Atento, no entanto, não foi causada exatamente por uma fuga de clientes. No ano passado, a empresa perdeu alguns contratos, mas ganhou outros. Terminou o ano com 112 clientes, um a mais do que iniciou. O principal impacto na receita veio da revisão de contratos de clientes antigos. Pressionadas pela necessidade urgente de cortar custos, cerca de 30 empresas optaram pela renegociação. Algumas abriram mão do atendimento 24 horas de seus telefones 0800 para ficar apenas com atendimento em horário comercial. Outras preferiram reduzir o número de atendentes, deixando o cliente esperar alguns minutos a mais. Clientes que contratam serviços mais complexos e de maior valor agregado -- como o atendimento feito por profissionais especializados, médicos e engenheiros, por exemplo -- tiraram partido da maior concorrência para conseguir preços mais baixos. A Ford -- que terceiriza para a Atento, além dos serviços de atendimento a consumidores finais, o atendimento aos mecânicos de sua rede de assistência técnica de caminhões -- é exemplo disso. "Nosso contrato de 2002 foi menor que o de 2001", diz o mineiro Oswaldo Jardim, superintendente de marketing da montadora.

É aqui que entra a segunda parte da resposta para a derrapada da Atento no ano passado. Teria faltado velocidade à empresa para adaptar sua estratégia e seus serviços a um mercado que, momentaneamente, abria mão da sofisticação em favor do custo. "A Atento adotou claramente a estratégia de atuar em nichos de serviços mais complexos, bancados geralmente por grandes empresas", afirma o sócio de uma consultoria especializada em estratégia de empresas de serviços. Até aqui, tudo bem. De acordo com especialistas, a sofisticação dos serviços de call center é uma tendência mundial. "Ela segue paralela à adesão ao conceito de CRM (gestão do relacionamento com o cliente), um dos mais em voga na atualidade", afirma José Roberto Mavignier, analista de telecomunicações da IDC Brasil. "Muitas vezes é o funcionário do call center que faz o elo entre a empresa e o cliente. Por isso, ele deve ter cada vez mais acesso a informações para resolver problemas ou se antecipar às necessidades do cliente."

Na Ford, por exemplo, quando o mecânico de uma concessionária não consegue resolver uma dúvida sobre o conserto de um caminhão, liga para um dos 12 engenheiros ou técnicos da Atento, contratados exclusivamente para atender as concessionárias. "O problema é que durante um período de retração econômica muitas empresas partem para o feijão-com-arroz", afirma Frédéric Donier, vice-presidente da Solving, consultoria de gestão e estratégia. "Nesses momentos, elas abandonam ou adiam a implantação de serviços mais sofisticados."

Diante da reação do mercado, alguns dos maiores concorrentes da Atento também diversificaram suas atividades. A demanda por serviços de cobrança, por exemplo, cresceu. Essa foi uma das razões para que o faturamento da Contax crescesse 45% no ano passado em relação a 2001. "Para compensar a queda de televendas, apostamos nas operações de telecobrança, já que os índices de inadimplência estavam crescendo", diz James Meaney, presidente da empresa. Atualmente, a Contax faz cobrança por telefone para as financeiras Fininvest e Investcred, esta última sociedade do Ponto Frio com o Unibanco. A ACS, contact center do grupo mineiro Algar, também investiu nesse tipo de serviço e ganhou as contas da Intelig e da financeira Losango. Seu faturamento cresceu 20% no ano passado, e entre julho e agosto deste ano foram contratados 1 324 funcionários. "Trabalhamos para empresas de qualquer porte", diz Divino Sebastião de Souza, superintendente da ACS. "Temos clientes com 800 posições de atendimento e outros que só precisam de uma."

A reação da Atento veio em julho de 2002. Inicialmente, a empresa cortou 660 funcionários. Cerca de 160 deles eram da área administrativa e 500 de dois centros de atendimento que foram fechados: o de Fortaleza, no Ceará, que atendia a conta perdida da Telemar, e um dos quatro que funcionavam em São Paulo. Em outubro, mais um centro de atendimento da capital paulista foi fechado. Dos 800 funcionários, 150 foram demitidos e os demais remanejados para outros call centers da empresa. Na mesma ocasião, outras 40 pessoas da área administrativa foram demitidas. "Tivemos de tomar decisões muito difíceis no ano passado para que 2003 pudesse ser melhor", diz Calbucci, que ocupará a cadeira da presidência a partir de 1o setembro, no mesmo dia em que Hackett assume na matriz da empresa, em Madri, a área de negociação de contratos globais da companhia, que opera em 12 países.

O corte de custos da Atento incluiu campanhas de racionalização até do uso de água e das toalhas de papel utilizadas pelos funcionários. A substituição do sistema de galões de água por bebedouros gerou uma economia de 70 000 reais por mês. Outra medida foi a troca dos porta-toalhas de papel dos banheiros. Os antigos soltavam três folhas em vez de uma, como os atuais. Com o novo modelo, o consumo do produto diminuiu 60%. "Pode parecer bobagem, mas para uma empresa com 25 000 funcionários esses detalhes podem gerar uma economia considerável", afirma Calbucci. (A Atento é a oitava maior empregadora brasileira, segundo o anuário Melhores e Maiores, de EXAME.)

Os efeitos da reestruturação começaram a aparecer no primeiro semestre deste ano. O faturamento da empresa aumentou 10% em relação ao mesmo período de 2002. O Ebitda (lucro antes de impostos, amortizações e depreciações) também melhorou: passou de 26 milhões de reais no primeiro semestre do ano passado para 42 milhões nos primeiros seis meses deste ano. Isso significa que a Atento vai desistir de sua estratégia de crescer com a venda de serviços de maior valor agregado? "Pensamos na companhia em longo prazo", diz Calbucci. "A tendência do mercado de call center é deixar de ser de comida a quilo para ser à la carte."

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