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Sem essa de cada um na sua

Como a gestão por processos está mudando a rotina e os resultados da Johnson & Johnson no Brasil

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

Adilson e Maira mal se conheciam até poucos meses atrás. Ele, vendedor. Ela, assistente de logística. Um era para o outro apenas uma voz na outra ponta da linha telefônica. O assunto quase sempre era algum problema na entrega de determinado produto. Para vender, Adilson oferecia os prazos de entrega que o cliente pedisse. Maira entregava, mas dentro dos limites de custos e das possibilidades da fábrica. Era comum que a encomenda, definida sem a participação do pessoal de logística, esbarrasse em algumas dessas limitações. Adilson só sabia que o pedido não havia sido entregue dentro do prazo combinado quando o próprio cliente lhe telefonava para reclamar. Embora trabalhassem na mesma empresa, a divisão de produtos de consumo da Johnson & Johnson, Adilson Melguizo e Maira Matteis cumpriam suas tarefas isoladamente e só se comunicavam se algo enroscasse. E, quando isso acontecia, o cliente esperava até que os dois encontrassem uma solução.

Esse episódio da vida cotidiana dos dois profissionais é apenas um pedaço do tortuoso caminho de um pedido de compra numa organização tradicional, compartimentada por funções. Mudar isso tem sido o desafio da subsidiária brasileira da J&J. Em abril deste ano, os 220 funcionários envolvidos no processo de atendimento ao cliente -- vendas, trade marketing, logística e crédito e cobrança -- passaram a integrar um único time que ocupa o quinto andar da sede da J&J na marginal Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. A equipe, a maior da companhia no país, é comandada por José Vicente Marino, que deixou de responder apenas pelas funções de diretor de vendas. "Ninguém olhava além das próprias tarefas", diz. "Depois das mudanças, as informações passaram a fluir e as pessoas trabalham com o mesmo objetivo."

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Esses funcionários, antes dispersos pelo escritório e pela fábrica, em São José dos Campos, no interior paulista, passaram a integrar sete células multifuncionais, organizadas por tipo de cliente -- grandes varejistas, farmácias, distribuidores e atacadistas. Os executivos da J&J buscaram a base teórica para a implantação do novo sistema no conceito de gestão por processos, propagado nos anos 90, quando o consultor americano Michael Hammer criou o termo reengenharia, que para muitas empresas virou sinônimo de corte de pessoal. Recentemente, Hammer passou a fazer mais explicitamente a apologia dos processos que, segundo ele mesmo, era desde o início sua idéia original. "Embora o conceito não seja novo, ainda há uma longa distância entre a teoria e a prática", diz Luiz Vieira, vice-presidente da consultoria Booz Allen Hamilton. "Isso faz com que uma iniciativa como a da Johnson possa ser considerada pioneira."

O começo da reorganização foi em março de 2000, quando o paulista José Antonio Justino, vindo da diretoria da subsidiária colombiana da J&J, assumiu o comando da companhia no Brasil. A J&J brasileira vinha de um período de estagnação desde meados da década de 90. A empresa não conseguia reagir com energia ao avanço de concorrentes como Kimberly-Clark e Procter&Gamble e de empresas menores em mercados tradicionalmente dominados por ela, como o de fraldas. Logo ao chegar, Justino reuniu 70 executivos da J&J por três dias na sede da consultoria especializada em mudança organizacional Amana-Key, em Cotia, na Grande São Paulo. Depois, juntou-se a um grupo de 270 funcionários com diferentes níveis de chefia. A pauta: como voltar a crescer. Desses encontros ficou decidido que a orientação por processos seria o principal passo para atingir a meta de faturar algo equivalente a 1 bilhão de dólares em 2006 -- quase o dobro das receitas da J&J no ano passado. "As decisões foram tomadas por consenso", diz Oscar Motomura, diretor da Amana-Key.

Uma das mudanças imediatas foi a reorientação da equipe de vendas, até aquele momento organizada por quatro categorias de produtos -- artigos para bebê, para cuidados pessoais, medicamentos de venda livre e os relacionados à saúde, que incluíam os preservativos Jontex e itens de higiene bucal. "A antiga estrutura causava dispersão de esforços", diz Marino. "Era comum os vendedores de diferentes categorias esbarrarem pelos corredores de uma mesma rede de varejo."

O passo seguinte foi a criação de uma força-tarefa liderada pelo então diretor de logística, Nelson Cattaruzzi, de 54 anos. Seu objetivo era redefinir a organização do pessoal envolvido na área de atendimento ao cliente. "Não havia modelos de outras unidades da Johnson no mundo a seguir", diz Cattaruzzi. O grupo passou cerca de seis meses perambulando pelos diversos departamentos a fim de conhecer o caminho exato de um pedido. Ao colocar as informações no papel, chegaram ao espantoso número de 5 493 atividades realizadas pelas pessoas envolvidas no processo de atendimento. Mais surpreendente foi a descoberta de que um terço delas era dispensável, como alguns relatórios diários sobre a participação de mercado dos produtos. Os gerentes, na verdade, liam apenas o consolidado depois de vários dias. A revisão das tarefas ajudou a definir os papéis das pessoas na nova organização, que passaria a se basear em três células piloto a partir de setembro de 2002. Cada uma atenderia um tipo de cliente. No final daquele ano, os executivos da J&J distribuíram uma cartilha que trazia noções básicas do conceito de gestão por processos. (Alguns deles já estão circulando por outras unidades da J&J na América Latina, interessadas em implantar o mesmo sistema.)

Com as novas tarefas, vieram também novas nomenclaturas. Os assistentes passaram a ser gestores de informação. Os vendedores passaram a ser gestores de negócio, encarregados do planejamento de determinada venda até o momento em que o produto chega ao cliente. A responsabilidade de integrar a equipe e mantê-la andando no mesmo compasso é do gerente de célula. Os gerentes de departamento tornaram-se uma espécie de treinadores, especialistas em suas áreas de conhecimento. Sua missão é disseminar as melhores práticas entre as células. Cattaruzzi, o antigo diretor de logística e os dois gerentes nacionais de vendas, por exemplo, passaram a desempenhar a função de arquitetos, termo usado por Hammer para indicar os responsáveis pela manutenção do processo. Todos respondem a Marino.

A mudança no fluxo de informações possibilitou que alguns problemas comuns acabassem -- entre eles os descontos em produtos premium, que contrariavam a estratégia da companhia, e prazos de pagamento mais longos que o fluxo de caixa da empresa permitia. "Agora trocamos informações o tempo todo", diz Melguizo, gestor de negócios. Em vez de dividir espaço com outros vendedores, como antes, ele agora fica na mesma mesa que seus colegas de célula. Todos passaram a ser avaliados por indicadores de faturamento, lucratividade e eficiência na entrega dos pedidos. Disso depende a remuneração variável mensal dos vendedores. Para os demais integrantes da célula, o resultado da avaliação determina o quanto podem levar de bônus no fim do ano.

Mais motivados, os funcionários passaram a dar idéias de melhorias que ultrapassam as fronteiras da J&J. Descobriu-se, por exemplo, que seria melhor fechar determinados pedidos em dias específicos para evitar que um caminhão viajasse com espaço ocioso na caçamba. Os integrantes das células também passaram a sugerir mudanças na operação dos clientes. O caminhão da rede de supermercados Wal-Mart saía do centro de distribuição de São Paulo levando mercadorias para as lojas em São José dos Campos, no interior paulista. Voltava sempre vazio. A sugestão do pessoal da J&J: por que não passar na fábrica da J&J, também em São José dos Campos, e carregar o caminhão com mercadorias que abasteceriam o centro de distribuição da Wal-Mart em São Paulo? Com isso, a J&J economizaria uma viagem. E a redução de custos obtida seria compartilhada pelas duas empresas. "Antes, cuidando da entrega de todos os clientes ao mesmo tempo, não tínhamos como perceber detalhes como esse", diz Maira Matteis, gestora de informação de atendimento ao cliente.

Outras formas de integração com os clientes estão sendo colocadas em prática, o que resultou em previsão de vendas mais precisas e processos logísticos mais azeitados. Antes 89% dos pedidos chegavam nas condições combinadas. Atualmente são 97%. E os custos da J&J baixaram em cerca de 2% do faturamento. "Com essa parceria também estamos melhorando nossa operação", diz Jorge Faiçal, diretor de compras do Wal-Mart. "A Johnson já foi conhecida como uma empresa lenta e burocrática, mas dessa vez a iniciativa de mudar as coisas foi dela."

Para produzir esse tipo de resultado, a gestão por processos requer funcionários com bom grau de autonomia. "É o que chamamos de compartilhar decisões", diz Luís Fernando Lenski, antigo gerente nacional de vendas e um dos três "arquitetos" da J&J. Um exemplo prático disso é a mudança na forma de fazer as previsões de vendas. Até o ano passado, o planejamento era fruto apenas das necessidades da companhia, definidas pelos executivos de logística e de vendas e impostas aos vendedores. Hoje as metas começam a ser estabelecidas na base da organização. Todos os vendedores preenchem um formulário com as perspectivas de vendas para o mês seguinte. Essa informação é levada em conta pelos gerentes. Também houve outra modificação, que possibilitou a realização de metas mais realistas: antes as previsões de vendas eram divididas por canal -- direto, composto por grandes varejistas, ou indireto, no qual estão distribuidores e atacadistas. Hoje, elas são feitas por cliente.

Para que isso pudesse ser feito, a relação com os 35 distribuidores teve de ser repensada. Cada um deles passou a ter uma área geográfica delimitada para trabalhar. "Antes havia vários distribuidores atuando numa mesma região, enquanto outras estavam descobertas", diz Lenski. Em contrapartida, a J&J deslocou um funcionário para dar expediente nos distribuidores, a fim de ajudá-los a aumentar a eficiência. O vendedor José Luiz Raymundo, de 42 anos, ex-especialista em produtos para bebê, agora é responsável por difundir boas práticas, como gestão de estoques, no Armarinhos Paraná, baseado em Curitiba. "Com a ajuda da Johnson reduzimos os estoques de 60 para 30 dias", diz Juliano de Paula, diretor do Armarinhos Paraná. Em 2000, os distribuidores exclusivos representavam 11% das vendas. Hoje, a participação chega a 58%. "Em outros tempos, o caminho natural para aumentar as vendas seria tentar empurrar produtos para esses compradores", diz Lenski. "Hoje, dentro e fora da companhia, estamos atrás de algo mais duradouro: relacionamento."

TUDO NUMA CAIXA
S
A J&J reorganizou as áreas envolvidas no atendimento ao
cliente. Antes os funcionários estavam isolados em seus próprios departamentos
e cada um tinha um objetivo diferente. Hoje eles se agrupam em células e
compartilham metas
Veja um exemplo de como era antes...
  • Adilson Melguizo (vendedor)
    PRINCIPAL OBJETIVO
    : fechar pedidos
    A QUEM SE REPORTAVAM
    : ao gerente regional de vendas
  • Débora Silva (assistente de administração de vendas)
  • Maira Matteis (assistente de logística)
    PRINCIPAL OBJETIVO
    : entregar as encomendas aos clientes
    A QUEM SE REPORTAVA
    : ao gerente de logística
  • Daniela Moribe (assistente de trade marketing)
    PRINCIPAL OBJETIVO
    : desenvolver ações promocionais nas lojas
    A QUEM SE REPORTAVA
    : ao gerente de trade marketing
  • Fátima Jorge (assistente de crédito e cobrança)
    PRINCIPAL OBJETIVO: manter o fluxo de caixa em dia
    A QUEM SE REPORTAVA: ao gerente de crédito e cobrança
  • ...e de como funciona agora
    Adilson Melguizo (gestor de negócios sênior)
    Débora Silva (gestora de informação de administração
    de vendas)
    Maira Matteis (gestora de informação de logística e
    de serviços a clientes)
    Daniela Moribe (gestora de informação de trade marketing)
    Fátima Jorge (gestora de informação de crédito e cobrança)
    PRINCIPAIS OBJETIVOS COMUNS A TODOS: Fechar e entregar
    pedidos, preocupando-se em desenvolver ações promocionais nas lojas e em
    manter o fluxo de caixa
    A QUEM SE REPORTAM: Marcos Mattar , gestor de célula
    de negócios. Na estrutura antiga, ele era o gerente regional de vendas Fonte:
    empresa
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