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O que não falta é espaço

Cresce em São Paulo o mercado de especialistas que zelam pelo conforto, saúde e boa produtividade dos funcionários no ambiente de trabalho

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

O negócio de instalações de escritório movimentou só na capital paulista mais de 1 bilhão de reais no ano passado. Instalações de escritório? Isso mesmo. Não se está falando aqui da construção de edifícios comerciais, mas de um nicho intermediário no segmento de construção civil -- aquele que vem depois de terminada a obra, porém antes da ocupação final, o "recheio". Cadeiras, estações de trabalho, divisórias, ar-condicionado, luminárias, instalação elétrica... Enfim, a infra-estrutura completa que precisa estar pronta antes de a companhia ocupar um andar ou um edifício com seus funcionários. O que pode parecer adereço de decorador, sem importância num projeto arquitetônico, na verdade não permite amadorismo. "O computador transformou o antigo escritório", afirma o arquiteto Edo Rocha. Das estações de trabalho com meras tomadas elétricas e linha telefônica, passamos hoje a contar com uma parafernália de equipamentos eletrônicos que exigem espaço adequado para funcionar. "Pode parecer uma questão banal, mas colocar toda essa plataforma tecnológica em funcionamento requer um trabalho complexo", diz Rocha.

Lembra-se da fusão de dois colossos do setor farmacêutico, o alemão Hoechst Marion Roussel e o francês Rhodia Farma? No fim de 1999, as duas empresas centenárias uniram-se para formar a Aventis Pharma. Os mais de 350 funcionários que na época trabalhavam em seus escritórios em São Paulo passaram a dividir a mesma cultura e os mesmos valores corporativos -- e, principalmente, o mesmo teto. A quem coube uma parte importante da tarefa de integrar os times? Aos arquitetos. É no espaço físico que se processa a integração. Na divisão das baias, na definição dos novos chefes e de suas salas, na extinção e na criação de áreas, novos colegas se conhecem, se amam ou se tornam rivais. No caso da Aventis, a missão foi confiada ao escritório do arquiteto paulistano Marcel Monacelli, aliado a uma consultoria imobiliária.

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Durante seis meses, foram pesquisados quatro edifícios que poderiam sediar a Aventis Pharma no país. Foram comparados os custos envolvidos na mudança, o espaço por funcionário, o tamanho das áreas de circulação de cada um deles. O próprio escritório da Hoechst na zona sul serviu de teste para a integração provisória dos funcionários. Mas logo ficou claro que, aos olhos dos funcionários, a mudança para um novo local era fundamental para a consolidação da nova companhia. Em outubro de 2000, mais de 400 deles começaram a trabalhar no condomínio América Business Park, na marginal Pinheiros. Hoje, são quase 600 funcionários, que ocupam 5 400 metros quadrados do condomínio -- um edifício inteiro e mais um andar de outro.

Monacelli integra um grupo de arquitetos paulistanos que se especializaram em planejar e executar a instalação de espaços comerciais. O trabalho desses profissionais não se reduz à escolha de cadeiras, carpetes e divisórias. Cabe a eles o desenvolvimento de estações de trabalho eficientes e o planejamento de uma iluminação adequada e de um sistema de ar condicionado não agressivo, além da coordenação de toda a infra-estrutura, para que o conjunto seja produtivo, funcional e flexível. Há também o nicho dos chamados escritórios "doentes", que prejudicam a saúde e a produtividade dos funcionários (veja o teste abaixo). Quando surgem sintomas como queixas freqüentes e baixos resultados dos funcionários, o arquiteto faz o diagnóstico e avalia a gravidade do caso. A "cura" geralmente consiste na reforma e remodelagem do local -- realizada pelos arquitetos, claro. Quando as empresas têm de cortar custos e aumentar a eficiência, os escritórios especializados desenvolvem planos e estratégias para resolver problemas arquitetônicos corporativos. A crise de energia, por exemplo, piorou os negócios de um lado -- já que reduziu os investimentos. De outro, aumentou o número de empresas em busca de soluções para aproveitar o potencial de iluminação natural. O custo estimado de um escritório com "recheio" inteligente num edifício de alto padrão em São Paulo oscila entre 850 reais e 1 200 reais por metro quadrado.

Flexibilidade é a palavra-chave nesse negócio: as empresas que desbravam a agitada economia brasileira têm de operar modificações, expansões e reduções de espaço sem traumas e em tempo recorde. O escritório de Edo Rocha foi contratado para operar uma "cirurgia" num galpão industrial da ADP, empresa que terceiriza serviços de contabilidade e recursos humanos. O espaço, de 6 000 metros quadrados, tinha de ser transformado em um escritório de alta tecnologia e, mais que isso, agradável para os 800 funcionários que lá trabalhariam. Segundo Rocha, a obra, que levou quatro meses, custou 3,6 milhões de reais. O resultado você pode ver na foto que abre esta reportagem.

Profissionais do ambiente

O que se vêem hoje são grandes empresas de arquitetura especializadas no projeto e na implantação de escritórios que substituam os antigos ateliês. Trata-se de um nicho novo ainda com potencial a ser explorado. Literalmente, o que não falta em São Paulo é espaço para esses profissionais: a cidade possui 8,7 milhões de metros quadrados úteis de escritórios, segundo dados da CB Richard Ellis, consultoria de imóveis comerciais. E há mais 1 milhão de metros quadrados prestes a desaguar no mercado nos próximos quatro anos. "Mais de 70% do segmento de edifícios inteligentes está concentrado no estado de São Paulo", afirma Monacelli, também vice-presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (Asbea). Na contabilidade da Asbea, existem entre 60 e 100 escritórios paulistas de arquitetura aproveitando o crescimento do setor -- desde os menores e desconhecidos até os de arquitetos renomados, como o de Edo Rocha e o Athié/Wohnrath Associados.

São quase 2 000 arquitetos envolvidos diretamente. Isso sem falar na cadeia de empregos gerada por essas obras. De fábricas de móveis a empresas de engenharia elétrica, o boom desse ramo de negócios beneficiou vários setores. Do valor total movimentado no ano passado, apenas 10% corresponde aos projetos de layout (o desenho de distribuição do mobiliário e de outros equipamentos -- trabalho dos arquitetos). O movimento é grande também entre os outros envolvidos. As empresas de mobiliário detêm uma fatia de 40%. O restante impulsiona empresas de instalações elétricas, ar-condicionado e carpetes, por exemplo.

O escritório Athié/Wohnrath surgiu há 13 anos. Dos cinco arquitetos que originalmente compunham o grupo, em 1989, o número de profissionais aumentou para 250 nos últimos cinco anos. "Começamos a expandir com a criação de um departamento de engenharia para dar assistência técnica às obras", diz Wohnrath. "Quando nos demos conta, tínhamos 250 pessoas de várias áreas trabalhando, de coordenadores de logística a especialistas em contratos." O escritório hoje tem filial no Rio de Janeiro e atende ainda a outras capitais -- além de prestar serviço para outros países na América do Sul. No ano passado, o Athié processou nada menos que 140 milhões de reais em compras para clientes do porte de Computer Associates e Microsoft, instalados na Torre Norte, zona sul de São Paulo (que concentra a maior parte dos chamados edifícios inteligentes na cidade). Os clientes -- mais de 300 corporações -- podem verificar a situação do orçamento, ver fotos da instalação e acompanhar todo o processo sem ir até o local da obra, se preferirem.

A explosão do segmento corporativo se deu com a abertura do mercado brasileiro. "As privatizações e o desenvolvimento da economia nacional também ajudaram a expandir o mercado", diz Rocha. Acostumadas a padrões mais exigentes de instalações de trabalho, as multinacionais trouxeram necessidades novas para os escritórios de arquitetura locais. As múltis continuam sendo clientes importantes, mas arrastaram também as companhias locais numa onda de reestruturação ergonômica dos espaços de trabalho (para quem não entende nada da linguagem dos arquitetos, a tal preocupação com a ergonomia está diretamente ligada ao mobiliário e ao dimensionamento correto dos equipamentos de trabalho, já que eles garantem conforto e bem-estar às pessoas). E livraram muita gente daquelas baias feias e apertadas -- as "cocheirinhas", onde muitos ficam confinados de oito a dez horas por dia. "Há cinco anos, as empresas brasileiras não representavam 10% do nosso faturamento. Esse número dobrou", diz Carlos Queiroz, diretor da Voko, fábrica alemã de móveis para escritório, no Brasil desde 1976. A Voko teve um faturamento de 41,5 milhões de reais no ano passado. São Paulo é responsável por 70% de seu movimento geral.

Vocação natural

Mas por que, então, São Paulo? Que motivos transformaram a capital paulista em pólo dos escritórios de arquitetura que prestam esse tipo de serviço? "Nenhum outro lugar exigiu tanto que os arquitetos se especializassem nisso", diz Rocha. A demanda na cidade por projetos de interiores para grandes empresas é -- e sempre foi -- maior que nos outros estados. Essa demanda levou à extrema profissionalização dos escritórios de arquitetura, como o de Ivo Wohnrath e o de Rocha. Hoje, eles colhem os lucros de anos de trabalho desenvolvendo know-how, e podem atender tantos os exigentes clientes multinacionais quanto as empresas brasileiras. Rocha, por exemplo, tem em seu portfólio o Banco Garantia e a sede da Bayer em Buenos Aires.

Outro motivo para explicar um mercado tão grande é que a cidade assumiu sua vocação natural: é a capital brasileira dos negócios. São Paulo se beneficiou, em especial, com a abertura do mercado, porque recebeu grande parte dos escritórios das companhias que chegaram ao país. E mesmo que eventualmente a produção saia da região metropolitana, levando consigo indústrias e fábricas, grandes empresas vão continuar mantendo escritórios por aqui. "Há 100 anos, apenas 20% das pessoas trabalhavam em escritórios. O restante estava no campo ou na indústria", diz Rocha. "Hoje, acontece o oposto."

Há cada vez mais empresas interessadas em disputar a fatia dos escritórios de arquitetura. As consultorias imobiliárias, por exemplo, apostam no segmento do gerenciamento de projetos, isto é, na intermediação entre o cliente e todos os prestadores de serviço. Essa função até então integrava o escopo de trabalho dos arquitetos, o que já está gerando discórdia entre os profissionais do setor. "O gerente de projetos é responsável pela supervisão dos serviços de todos os fornecedores, inclusive dos arquitetos. São duas funções bem diferentes", diz Telma Fattori, diretora da área de gerenciamento de projetos da Cushman & Wakefield Semco. "Estamos brigando com quatro ou cinco grandes consultorias imobiliárias que têm um marketing poderoso e o cliente na mão", diz Monacelli. "Eles não tem o know-how necessário." A briga vai ser boa. Afinal, só o planejamento e a supervisão movimentam acima de 200 milhões de reais a cada ano.

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