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Inovação cabocla

Com o Centro de Biotecnologia da Amazônia abre-se um novo ciclo de desenvolvimento sustentável para as florestas brasileiras

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

Há dez anos, toda segunda-feira, às 5h45 da manhã, o professor Evandro aparece no programa Bom Dia Amazônia, da Rede Amazonense de Televisão, afiliada da Rede Globo em Manaus. Seu papel: falar sobre plantas medicinais. Durante 3 minutos, ele mostra o valor de espécies como o mulateiro, o camu-camu, o mirantã e o cajuru e explica como usá-las no combate a doenças. Professor de farmácia na Universidade Federal do Amazonas e dono da Pronatus da Amazônia, maior fabricante regional de cosméticos e medicamentos fitoterápicos, o doutor Evandro de Araújo Silva é uma figura popular em Manaus. "Aonde quer que eu vá, sempre aparece alguém contando como usa a planta tal contra isso ou aquilo", diz. "Sou um ímã do conhecimento caboclo."

Boa parte da popularidade do professor Evandro deve-se à afirmação da cultura e à recente valorização dos conhecimentos de ribeirinhos, seringueiros e índios. Na verdade, Araújo Silva coleciona informações sobre a flora há muitos anos. "Recolho receitas e ensino a usar as espécies. Possuo dados, ensaios e análises sobre 450 plantas, bem guardadas no cofre." Ele também conhece como poucos o valor da biodiversidade amazônica para a inovação tecnológica. Só o mercado mundial de cosméticos, ávido por novos produtos, movimenta 220 bilhões de dólares e cresce 6 bilhões de dólares por ano. O setor de fitoterápicos gira, mundialmente, mais de 20 bilhões de dólares por ano.

Muitos dos dados que a Pronatus guarda como segredo industrial começarão a ser decifrados a partir do próximo ano com a entrada em operação do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA). Localizado em Manaus, o centro é um conjunto de 26 laboratórios de análises químicas, produção de extratos e processamento industrial. Sua estrutura conta também com uma incubadora de empresas, um biotério (viveiro de animais para testes farmacológicos) e escritórios de apoio à inovação tecnológica. "O CBA é a base do pólo de desenvolvimento sustentável e biotecnologia que queremos ver pujante em 2020", diz a economista Flávia Grosso, superintendente da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). A obra civil está pronta, e máquinas modernas -- inéditas na Amazônia, como cromatógrafos a gás e espectrômetros de massa importados do Japão e dos Estados Unidos, -- já estão no prédio.

Aparentemente, o CBA vai superar três anos de controvérsia e o estigma de "elefante branco". Lançado em 1997 pelo Ministério do Meio Ambiente para dinamizar o Programa Brasileiro de Ecologia Molecular (Probem), o projeto sofreu um terremoto em 2000 com as críticas ao contrato da Bioamazônia -- entidade criada para coordenar o centro -- com o laboratório suíço Novartis Pharma. Em conseqüência do cancelamento do contrato, os recursos governamentais secaram. A Suframa, entretanto, assumiu o projeto, injetando 80% dos 19 milhões de reais investidos no CBA de 1999 a 2002. O Ministério do Meio Ambiente ficou com os demais 20%.

A Suframa também investiu 9 milhões de reais na formação de técnicos para o centro, estruturando os cursos de mestrado e doutorado em biotecnologia na Universidade Estadual do Amazonas e na Universidade Federal do Amazonas. As primeiras turmas formarão, em 2005, sete mestres e 45 doutores em biotecnologia. Para atrair mais cientistas do sul do país e criar capital intelectual na região, o governo do estado do Amazonas também criou a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas, a Fapesp local.

Mas o CBA não deve ser uma instituição acadêmica. "Vamos ser um centro de tecnologia para empresas, articulado à rede de universidades, institutos e laboratórios de biotecnologia existentes no país", diz Imar Araújo, coordenador do centro. Se decidir, por exemplo, investir nas toxinas da planta caba-de-igreja, o CBA poderá recorrer à experiência do Instituto Butantã de São Paulo, o maior centro de toxinas do Brasil. "A idéia é agregar valor à produção sustentável da floresta, aumentar a densidade tecnológica industrial e estimular a inovação", diz Araújo. Ao mesmo tempo, o CBA pretende reconhecer os direitos das comunidades tradicionais que descobrem antes dos cientistas o valor das espécies. "A proteção do conhecimento tradicional de caboclos e índios implica uma complicada batalha de direitos autorais", afirma Flávia Grosso. "Mas é o caminho mais rápido para a inovação tecnológica."

Várias empresas já participam da rede do CBA. A Pepsi-Cola investiu 1,4 milhão de reais na definição das ações prioritárias do centro, interessada no desenvolvimento de extratos de bebidas não-alcoólicas. A Coca-Cola, a AmBev e a Natura assinaram cartas de intenção para a realização de parcerias. A Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) propôs assumir um dos 26 laboratórios. "A Suframa dispõe de um pólo de informática assentado sobre o maior banco de dados biológicos do planeta", diz Josimar Henrique da Silva, presidente da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac). "Não há vantagem competitiva igual."

Os primeiros a sentir o impacto do CBA deverão ser as empresas locais, como Pronatus, Amazon Ervas, Magama, Mistérios dAmazônia e Siema, que ganharão um centro de análises capaz de realizar exames de farmacologia e toxicologia, algo hoje inexistente na região.

Resta apenas um gargalo. Os três ministérios que integram o Conselho do Probem -- Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior -- ainda não definiram o modelo de gestão que dará ao centro autonomia e flexibilidade, capacidade de estabelecer parcerias com empresas e universidades com o mínimo de ingerência política. "A Fapesp, que funciona com atribuições definidas, autonomia orçamentária e liberdade de atuação, é uma boa referência", diz Pedro Passos, presidente de operações da Natura. "A Amazônia precisa de uma Fapesp da biodiversidade."

Há consenso, entretanto, de que o novo centro não será uma estatal. "Estamos trabalhando num modelo de gestão ágil, não estatal e não acadêmico, mas não temos pressa", diz Flávia Grosso. "Os japoneses demoram a tomar uma decisão, mas, quando tomam, em geral, acertam. Eles aparam as arestas antes."

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