Na Vale, governança é um problema que vai além de impasse sobre CEO
Processo de eleição, que vai voltar à pauta do conselho amanhã, expõe as fragilidades da mineradora como uma corporation
Karina Souza
Repórter Exame IN
Publicado em 21 de fevereiro de 2024 às 09:23.
Última atualização em 21 de fevereiro de 2024 às 15:02.
A indecisão a respeito de quem vai ocupar a cadeira de CEO da Vale pode ter fim ainda nesta semana, com uma nova reunião do conselho marcada para amanhã (22). O resultado — independentemente de qual seja — vai movimentar as ações da companhia, guiadas atualmente mais pelas manchetes do que pelo preço do minério de ferro.
O racha dentro do conselho da mineradora não é novidade. Mas os fatos recentes mostraram como isso pode, cada vez mais, se tornar um problema. Qualquer CEO indicado por um conselho dividido chega com menos força para lidar com todos os desafios de uma gigante de quase R$ 300 bilhões de valor de mercado.
Resolver a governança é o ponto de partida para uma solução de todos os outros desafios — inclusive mais eficiência operacional e melhores estratégias para lidar com os ciclos das commodities.
“Mesmo com o preço da commodity estável, as ações da mineradora estão perto das mínimas históricas e a companhia está perdendo espaço entre as mais valiosas do mundo em valor de mercado”, escreve a equipe de analistas de Leonardo Correa, do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da Exame).
Os analistas apontam a eleição do novo CEO como um ponto de incerteza junto a outros, como a distribuição de dividendos e eventuais provisões adicionais.
Apesar de privatizada há 27 anos, a Vale enfrenta constantemente pressões de governos em relação à sua gestão. O Estado mantém uma golden share na empresa e a participação indireta via fundos de pensão de estatais (em especial, Previ, do Banco do Brasil, e Petros, da Petrobras).
Essa porta permanece aberta principalmente porque a mineradora, uma das principais empresa do mercado de capitais brasileiro, nunca teve de fato um dono, um acionista de referência (no sentido mais estrito, de alguém preocupado e ‘apegado’ à companhia, no bom sentido da palavra) desde que passou à iniciativa privada.
“Qualquer empresa precisa ter alguém com o compromisso de longo prazo, de olho na perenidade da companhia. Isso é ainda mais necessário em empresas com estrutura pulverizada, uma vez que há uma rotatividade maior da gestão e dos acionistas da empresa”, diz Alexandre Di Miceli, especialista em governança.
A mineradora enfrentou um retrocesso de governança ao voltar a ter dois assentos do conselho dedicados à Previ, mesmo depois de se tornar uma corporation, na visão de fontes especializadas em governança ouvidas pelo INSIGHT. Isso poderia até fazer sentido dentro da estrutura anterior de participação do fundo de pensão, mas, diante da participação atual (8,71%) deixa de fazer sentido.
“O que a Vale precisa é de um conselho que tenha as competências necessárias para ser presidente do conselho da Vale. Isso é o que aconteceu em 2021. Para que voltar a um ator que não tem essas competências?”, diz uma fonte familiarizada com a Vale.
Eleger um conselho eficiente depende de engajamento de acionistas (ou stewardship, para usar a palavra em inglês que não encontra tradução perfeita para o português). Na Vale, esse é um xadrez complexo por uma série de motivos, que remontam à própria história da companhia como uma empresa privada.
A Vale foi privatizada há quase 30 anos. Isso está longe de significar que a companhia passou a ter um dono privado comprometido com seu futuro e investido no longuíssimo prazo do negócio. O que a companhia teve desde então, até a decisão pelo projeto de pulverização de seu capital, foi um grupo de investidores financeiros (em sua maioria) que mantiveram sua posição por um longo período.
Durante mais de duas décadas, a Vale teve controle definido: um grupo de investidores unidos por meio de acordos e holdings, mas pulverizados quanto à participação no capital. Eram fundos de pensão brasileiros, a Bradespar, holding de investimento do Bradesco, e a mineradora Mitsui, com uma fatia menor do que os demais. São esses acionistas que até hoje se envolvem com o futuro do negócio. Mas, agora, distantes de serem maioria.
Esse cenário, somado à alta liquidez da companhia, forma uma receita no mínimo complexa. Hoje, a Vale concentra em seu quadro de acionistas uma grande quantidade de investidores passivos — menos propensos a se engajar em decisões quanto ao futuro da companhia.
Além dos investidores passivos, a Vale conta, dentro de seu quadro, com investidores institucionais variados, entre eles, fundos internacionais que muitas vezes têm restrições a respeito de nomear pessoas para o conselho de administração. Segundo diretrizes internas, eles podem escolher apoiar um ou outro candidato, mas não podem propor e muitas vezes nem mesmo agir em conjunto.
Sobram, nessa conta, os investidores nacionais. “O que acontece? Quem toma a iniciativa em geral está fazendo algo sob uma perspectiva questionável do ponto de vista para o futuro da companhia. Existe um foco em benefícios próprios e em tomar decisões que resultem em capital político em algum momento”, diz uma fonte familiarizada com o processo de eleição de conselheiros na Vale.
Trazendo todo esse contexto para os fatos mais recentes, esse complexo jogo consegue produzir até mesmo uma jabuticaba do processo de eleição do novo CEO. Hoje, uma das discussões a respeito do processo vigente de eleição, de acordo com uma fonte, é a possibilidade de Bartolomeo, caso não seja reeleito, concorrer à vaga com outros dois candidatos. Uma costura, no mínimo, atípica — como boa parte do que tem acontecido ultimamente nas entranhas da Vale.
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Karina Souza
Repórter Exame INFormada pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada pela Saint Paul, é repórter do Exame IN desde abril de 2022 e está na Exame desde 2020. Antes disso, passou por grandes agências de comunicação.