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AES avança rumo à abertura do mercado e vê regulação como ponto essencial para continuar crescendo

Companhia, que tem uma das três maiores comercializadoras dentro de casa, defende regras mais claras para funcionamento de hidrelétricas

AES: empresa bateu recorde de vendas ao varejo no primeiro trimestre (AES Brasil/Divulgação)
AES: empresa bateu recorde de vendas ao varejo no primeiro trimestre (AES Brasil/Divulgação)
Karina Souza

Karina Souza

27 de maio de 2023 às 11:00

A AES Brasil, uma das principais empresas de geração de energia 100% renovável do país, quer desburocratizar, cada vez mais, a migração de clientes para o mercado livre, de olho na abertura do setor a partir de 2024. A companhia já conquistou avanços importantes em relação a esse objetivo -- como se tornar uma das três principais comercializadoras de energia do país. Mas ainda é só o começo. Daqui para frente, Rogério Jorge, vice-presidente comercial da companhia, destaca em entrevista ao EXAME IN que o principal ponto para a companhia avançar não tem a ver tanto com investimento ou tecnologia, mas principalmente com regulação.

Como reflexo dos aportes feitos principalmente de 2019 para cá, a AES  tem uma posição de destaque na comercialização varejista de energia. Esse tipo de serviço, para esclarecer, é feito por entidades -- como uma geradora de energia, por exemplo -- capazes de cuidar de todo o processo de migração de clientes do ambiente regulado para o Mercado Livre e a gestão posterior do consumo deles, a fim de que não tenham irregularidades com a Câmara de Comercialização de Energia (CCEE), por exemplo. No primeiro trimestre deste ano, a companhia bateu recorde de vendas nessa divisão, criada em 2019: foram mais de 120 novos clientes trazidos ao portfólio, que somam, ao todo, 207. De acordo com dados do boletim de março da CCEE, a companhia fica atrás, em volume consumido, apenas da EDP e da Matrix Comercializadora de Energia.

Cerca de 90% da energia vendida dentro dessa divisão vai para grandes consumidores -- os que podem, há mais tempo, comprar energia no mercado livre, bom lembrar. E que têm uma demanda bastante específica, de serem donos da energia que consomem, como aponta Rogério Jorge,  vice-presidente de relacionamento com o cliente da AES Brasil, ao EXAME IN. Em outras palavras, não basta, para eles, comprar energia mais barata, mas sim garantir que terão acesso a ela a todo tempo, minimizando ao máximo os riscos. Hoje, esses consumidores também contam com subsídios para a autoprodução, que isentam tributos de ICMS, o que também favorece essa busca por investimento. 

É uma demanda completamente diferente das pequenas e médias empresas, que têm procurado a companhia tanto para projetos de geração distribuída quanto para futuras compras, de olho na abertura do mercado a partir do ano que vem. Para eles, preço é (quase) tudo. "Na hora que vamos conversar com clientes, a primeira pergunta é: ‘qual a economia que eu vou ter?’. Mas a segunda é: ‘de onde vem essa energia e como você garante que ela é renovável?’”, diz Jorge.

De olho em atender a essa demanda, a companhia tem investido em rastreabilidade. Hoje, a AES consegue mandar para os clientes (todos, tanto as grandes indústrias quanto pequenos comércios) um certificado que atesta a origem da energia de forma 100% renovável. É um ponto importante, dada a quantidade de empresas que tem metas de descarbonização, cujo cumprimento está atrelado não só à própria operação, mas também à de fornecedores. Um fator que colabora para a busca  por sustentabilidade desde já.

Mais do que tornar a energia rastreável, a companhia também tem colocado em prática políticas de preço baixo. Jorge destaca, por exemplo, os contratos firmados com desconto garantido. Ou seja, um produto de preço fixo, para um cliente que está no mercado livre. Funciona assim: a AES cobra desse cliente, ao longo de toda a vigência do contrato, um preço fixo que é obrigatoriamente, por exemplo, 20% menor do que o que ele pagaria à distribuidora, no mercado cativo. "É atrativo na medida em que os clientes conseguem minimizar o risco com bandeiras tarifárias, por exemplo, o que torna essa alternativa interessante", diz Jorge.

Para dar conta dessa demanda, a companhia aponta, no balanço e na entrevista, que está em contato estreito com associações de diferentes segmentos, de olho em entender -- e formular -- a melhor demanda para cada um deles. Junto a essas oportunidades observadas, a companhia também aproveita o melhor que os times de P&D fora do país conseguem oferecer. Lembrando que o grupo AES está presente em 14 países, é capacidade de sobra para ser aproveitada. Inclusive, foi a partir dessa interação internacional que a companhia conseguiu fechar um contrato de destaque neste início de ano.

O projeto envolve uma construção no Complexo Eólico Cajuína, localizado no Rio Grande do Norte para uma grande indústria brasileira, a fim de assegurar o fornecimento de energia para os próximos 15 anos, começando em 2024. "Acoplamos a esse projeto práticas do que o cliente já fazia em outras regiões, como tratar atributos ambientais, relacionamento com comunidades, tudo isso veio do global para o local", diz Jorge.

O que falta para avançar? Regulação

Apesar de todos os avanços, o porta-voz defende que ainda há muito mais espaço a ser conquistado, especialmente considerando a abertura do mercado para a baixa tensão. Relembrando, o alcance a esses consumidores foi incluído no PL 414/2021 no fim do ano passado, apontando a redução de barreiras a partir de janeiro de 2026, chegando aos consumidores residenciais em 2028. O projeto ainda precisa ser votado e não se sabe, ao menos por enquanto, se essas alterações serão mantidas na íntegra.

De olho no futuro, o executivo aponta três tópicos prioritários, na visão da companhia, para serem colocados em discussão daqui até lá. O primeiro tem a ver com uma regulamentação para o serviço prestado pelas hidrelétricas, indo além da remuneração pela energia vendida por elas mas abrangendo uma nova configuração do serviço prestado por elas a partir do momento em que os consumidores terão a oportunidade de migrar para o mercado livre.

"Por exemplo, se você gerou energia solar de dia, à noite, terá de consumir do sistema, atendido pelas hidrelétricas. Pensando nisso em larga escala, a regulamentação sobre esse serviço prestado, de 'hedge' do setor, terá de evoluir", afirma Jorge. Hoje, as hidrelétricas formam a maior parte da capacidade instalada em operação da AES. São 2,6 MW de portfólio hídrico, ante 1,1 MW de eólica e 295 MW de solar.

Além do uso das hidrelétricas, também está na pauta recente do setor o uso de baterias para armazenamento de energia. Um ponto que, hoje, segundo a AES, não é competitivo no Brasil (na regulação atual) mesmo com a companhia tendo uma parceria com a Siemens para uma empresa chamada Fluence, líder global nesse segmento. O que não significa que conversas desse tipo não estejam em andamento. Sandoval Feitosa, diretor geral da Aneel, afirmou que a agência deve fazer duas consultas públicas sobre armazenamento ainda este ano, de olho em uma nova regra já em 2024.

Ainda em uma perspectiva de curto prazo, Jorge também aponta a necessidade de regras claras para renovação de concessões. O tema, tão em alta por causa dos contratos da Light, também atinge a AES, ainda que em uma velocidade menor: os contratos da companhia têm um prazo ligeiramente maior, vencendo entre 2032 e 2033.

Do lado da outra ponta, a consumidora, a AES defende também a necessidade, em médio prazo, de regras mais claras para a abertura de mercado para a baixa tensão. "Se um cliente de varejo não paga, ele volta para o mercado regulado? Por que a distribuidora seria obrigada a aceitá-lo? Tem questões sobre isso. Sem falar na migração em si. Se alguém não quiser migrar para o mercado livre, vai arcar com o custo do sistema todo?", diz.

Por enquanto, o que existe é uma consulta pública, feita no ano passado, para discutir uma proposta capaz de atender aos consumidores de baixa tensão. De acordo com uma portaria publicada pelo Ministério de Minas e Energia, caso a medida se confirme, os consumidores residenciais poderiam escolher o próprio fornecedor a partir de 2028.

São temas densos e que levam anos de discussão, o porta-voz da AES reconhece. No entanto, a resolução desses pontos (e de tantos outros que virão daqui para frente) se tornam inevitáveis em um setor que passará por uma mudança completamente transformadora em breve.

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Karina Souza

Karina Souza

Repórter Exame IN

Formada pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada pela Saint Paul, é repórter do Exame IN desde abril de 2022 e está na Exame desde 2020. Antes disso, passou por grandes agências de comunicação.