Economia

"Turbulência européia não descarrila o Brasil", diz Schwartsman

Mesmo o pior cenário, o de um calote da Grécia, teria um impacto moderado no Brasil, segundo o ex-diretor do BC

Schwartsman, ex-diretor do BC: dinamismo da economia brasileira vem do mercado interno (foto/Divulgação)

Schwartsman, ex-diretor do BC: dinamismo da economia brasileira vem do mercado interno (foto/Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

O economista-chefe do Banco Santander, Alexandre Schwartsman, ex-diretor da área internacional do Banco Central, confia que os efeitos da crise fiscal da Grécia e de outros países europeus não serão suficientes para mudar a trajetória de crescimento econômico do Brasil. Por ora, de acordo com ele, os reflexos do imbróglio europeu são pequenos, restringindo-se à oscilação da bolsa, à valorização do dólar e a um ligeiro aumento do risco-país, de 1,2% para 1,5%. O destino da Grécia, porém, ainda não está definido. A elite européia - Alemanha à frente - discute como irá rachar a conta da ajuda que os gregos necessitam. Para Schwarstman, o desafio da União Européia é difícil: precisa evitar que um de seus membros dê calote e ao mesmo tempo não pode fazer isso de uma maneira que emita uma mensagem errada - a de que a porta da salvação foi escancarada. Ou seja, que o caminho está aberto para outros países mais à frente pedirem dinheiro.

EXAME - Que efeito a crise da dívida da Grécia e de outros países europeus pode ter na economia brasileira, além do que já gerou de volatilidade na bolsa?
Alexandre Schwartsman -
Algum efeito esses acontecimentos sempre têm. Mas, ao que me parece até agora, não há paralelo com o que tivemos quando houve a quebra do banco americano Lehman Brothers em setembro de 2008. Naquele momento ocorreu uma queda sincronizada da economia mundial.

EXAME - O crédito para o país não pode ser afetado?
Schwartsman  -
Da mesma forma, acho que o mercado de crédito não será abatido como foi pela crise de setembro de 2008. Claro que, em alguma medida esse tipo de turbulência encarece o crédito. Quanto? Por ora, o custo subiu pouco. No caso do Brasil, o custo do CDS (Credit Default Swap, um derivativo usado como seguro contra calote e cujo preço serve como termômetro do risco de um país) com prazo de 5 anos rodava na casa de 1,2% no final do ano passado. Começou a subir por volta do dia 20 de janeiro e agora está em 1,5%. É uma piora de 0,3 ponto percentual. Para ter uma idéia, no pior momento da crise pós Lehman Brothers, o custo do CDS chegou a oscilar entre 4% e 4,5%. O preço atual é o maior desde junho do ano passado, mas é inferior ao risco da Espanha, que está em 1,6%. Enquanto isso, o de Portugal está em 2,2% e o da Grécia, perto de 4,5% (Continua...).


EXAME - Esse foi o único reflexo do enrosco europeu no Brasil?
Schwartsman - 
Houve também um efeito na moeda. A cotação do real frente ao dólar passou de 1,75 para perto de 1,90. A Grécia, por ter câmbio fixo, fica numa situação bem pior - o efeito do aumento do risco-país torna-se devastador para a atividade econômica.

EXAME - A conclusão é que esse problema, por ora, não tem potencial para abalar a economia brasileira?
Schwartsman -
Como no Brasil o dinamismo vem sobretudo do consumo e dos investimentos no mercado interno, não vejo como esses eventos possam descarrilar a economia.

EXAME - Mas a situação na Europa ainda não está resolvida. Não pode haver uma piora no quadro?
Schwartsman -
O pior cenário seria a ocorrência de um default (calote na dívida) grego. Caso isso ocorresse, seria um calote de magnitude maior que o da Argentina. Aí é que é preciso ficar de olho. Somente a necessidade de refinanciamento da Grécia é da ordem de 80 bilhões de euros. Além disso, eles têm uma dívida alta para rolar. A questão é quem são os detentores desses papéis. Imagina-se que a maioria dos títulos não esteja com bancos, e sim com fundos de investimento e fundos de pensão. Se for assim, não deve ser afetada a saúde de nenhum banco, o que seria o pior (Continua...).


EXAME - Por que a Grécia está tão pior que os outros países também problemáticos, como Espanha e Portugal?
Schwartsman -
A Grécia tem um problema mais agudo porque já vinha antes da crise em situação ruim, com um déficit elevado e dívida muito alta em relação ao PIB. Os gregos entraram na União Européia manipulando números fiscais. Foi como um cavalo de Tróia. Depois se descobriu o presente grego: um déficit pior do que o apresentado de início.

EXAME - Há uma saída em vista para a crise?
Schwartsman - 
O desafio da Europa é arranjar um jeito de estancar a crise no nascedouro sem dar chance de contágio, mas também sem passar uma mensagem errada. É certo que o alemão e os demais europeus mais ricos vão ter de pagar parte da conta dos gregos. O que está em discussão é quanto eles vão pagar e quanto vai ficar para os gregos. Teme-se que a ajuda crie um incentivo para outros países mais à frente pedirem dinheiro. Então, no momento, a União Européia está discutindo como rachar a conta.

EXAME - A ajuda do Fundo Monetário Internacional não é uma possibilidade?
Schwartsman - 
Os europeus não querem recorrer ao FMI porque isso seria visto como uma incapacidade de a União Européia conseguir resolver um problema interno. Outra hipótese, a de deixar a Grécia dar calote, também é complicada. Como ficaria a situação? Um default dentro da União Europeia? Ou a Grécia teria de sair da União? E, caso saísse, sua dívida seria em euros ou em dracmas? Não está claro como um país sairia nessa situação. Ao mesmo tempo, a União Européia não é uma federação, como os Estados Unidos, que tem um poder central e regras para honrar compromissos e administrar transferências se um estado quebra.

EXAME - De que modo a hipótese pior, do calote grego, afetaria o Brasil?
Schwartsman -
Para o Brasil o reflexo seria um custo maior, tanto para o governo como para as empresas brasileiras, ao contrair dívida lá fora. Poderia também haver alguma desaceleração econômica na Europa e isso reduzir nossas exportações. Mas todos esses efeitos seriam de segunda ordem, nada comparáveis ao que houve na crise que se seguiu à quebra do Lehman Brothers, quando todos os países caíram juntos. Mesmo no pior cenário, o reflexo aqui será menos importante e, desde que não signifique um fechamento do crédito, não será suficiente para descarrilar o crescimento do Brasil.

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