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Recuperação só vem com retorno da demanda americana, diz Rajan

Ex-economista-chefe do FMI afirma que demanda gerada, porém, não será sustentável devido aos déficits já apresentados

Raghuram Rajan (--- [])
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Da Redação

Publicado em 6 de maio de 2009 às 14h12.

Raghuram Rajan, ex-economista-chefe do FMI, acredita que uma recuperação da economia mundial terá início apenas com uma melhora no cenário observado nos EUA. A demanda gerada pelo governo americano, porém, não será sustentável em longo prazo devido ao crescimento do déficit público. Com isso, países emergentes serão obrigados a usar suas reservas, e suas empresas, em especial as voltadas às exportações, também terão sérios problemas.

O pior da crise já passou?
- A verdade é que ninguém sabe (risos). Creio que não veremos mais o rápido declínio que vimos nos dois últimos trimestres, que eram uma reação imediata a choques traumáticos - choques tanto no comércio externo quanto em investimentos. Em certa medida, o setor financeiro americano parece ter se estabilizado. Mas isso não significa que não haverá mais perdas vindas desse setor. Mas existe certo grau de estabilidade, pois o crédito voltou a se estabilizar num certo nível, ainda que baixo. Certamente essa é uma boa notícia. Mas isso não significa que o caminho será o de uma recuperação rápida e dramática. Creio que a recuperação, quando vier, terá mais a forma de um gráfico em “U” do que em “V”.

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Logo, o senhor está moderadamente otimista em relação a uma recuperação?
- Não. Os problemas do sistema americano estão estabilizados. Mas de agora em diante, os bancos europeus vão começar a exibir mais problemas, em conseqüência do contágio com os países do leste europeu. Existe uma longa lista de medidas que precisam ser tomadas corretamente para termos uma recuperação consistente. A grande prioridade é fazer uma limpeza no sistema bancário americano, onde ainda há muito a ser feito. Isso significa dizer que o pacote Geithner precisa ser implementado com sucesso.

Qual a situação dos bancos americanos e europeus depois das operações resgate de seus governos?
- Creio que ainda veremos uma nova onda de perdas a ser contabilizada nos balanços desses bancos. Não se trata apenas dos créditos podres do subprime. Para os americanos, são perdas do mercado imobiliário comercial, de cartões de crédito e de perdas das indústrias. E tudo isso deve aumentar, especialmente se a taxa de desemprego continuar a crescer. Já na Europa, além de problemas nos mercados imobiliários do Reino Unido e da Espanha, temos também os empréstimos que foram feitos para o leste europeu. É o caso da exposição dos bancos austríacos ao leste europeu, por exemplo, que chega a 75% do PIB austríaco. E tanto a Bélgica quanto o próprio Reino Unido apresentam problemas semelhantes. É por isso que os europeus estão tão interessados em que o FMI venha em socorro do leste europeu. Logo, precisamos analisar essa nova série de perdas para poder entender o seu efeito colateral.

E o sistema bancário dos países emergentes? Onde o senhor vê potencial para uma crise bancária?
- Até agora, boa parte do sistema bancário do mundo emergente, e também o brasileiro, tem apresentado bom grau de imunidade em relação à crise graças às grandes reservas. Mas, de agora em diante, teremos o que chamo de "uma crise em fogo brando". Se a economia global não se recuperar rapidamente e se as finanças globais continuarem em crise, esses países terão de gastar suas reservas. Suas empresas também terão problemas, principalmente aquelas voltadas para as exportações. Esse caráter de "fogo brando" da crise poderia ampliá-la significativamente nos países que hoje têm uma economia relativamente saudável.

Quais são os países emergentes que poderiam se tornar mais vulneráveis à crise?
- São os suspeitos de sempre. Inicialmente, os que não têm uma política fiscal consistente. E existem aqueles desastres dormentes, países altamente expostos aos mercados de exportação ou também os que são grandes usuários de capital, os que apresentam grandes déficits em conta corrente. Qualquer uma dessas possibilidades pode se tornar bastante problemática no futuro. Eu diria que países como a África do Sul, Hungria e Bulgária como os que têm os maiores déficits em conta corrente. E entre os exportadores, países como a Coréia do Sul.

Quais serão os sinais que indicarão que a recuperação global está próxima?
- A recuperação sustentável só virá com a recuperação da economia americana. Em parte, porque os EUA foram a primeira grande economia a sucumbir à crise. E a segunda razão é que o epicentro da crise também se deu nos EUA - que são o grande motor do consumo mundial. A recuperação da economia mundial só vai acontecer com o retorno da demanda americana. Mesmo que os lares americanos não voltem a ser os maiores compradores do mundo, o governo americano vai se encarregar de estimular a economia o bastante para que pelo menos em curto prazo, a demanda americana cresça e isso irá beneficiar o resto do mundo.
Por outro lado, os mercados emergentes podem vir a crescer de forma independente dos EUA, mas num ritmo mais lento do que vinham apresentando. A China pode crescer entre 6% e 7% e a Índia entre 4% e 5%. Outros países também podem vir a crescer, especialmente aqueles que não extremamente focados em exportações para os países industriais. Entretanto, nada disso é sustentável em longo prazo e é aí que as previsões se tornam tão nebulosas. Em longo prazo, a demanda gerada pelo governo americano não será sustentável, porque os EUA já estão apresentando enormes déficits. A questão é saber o que vai acontecer daqui a três, quatro, cinco anos. Teremos um aumento da demanda global? Quem vai gerar tal demanda? A menos que tenhamos mais consumo, vindo de países que hoje tem superávits, como a China, nós teremos sérios problemas.

Qual a sua opinião sobre a decisão do G20, de reformular o FMI?
- O Fundo Monetário Internacional deve seguir sua tendência de revitalização, e isso vai significar um novo jogo de forças mundial. Nos últimos anos, o FMI havia se tornado irrelevante tanto para os países industrializados como para as nações emergentes. Agora, há a oportunidade de forjar um novo diálogo global - e isso significa dar mais espaço para novos atores da cena internacional, como os emergentes. A prova de que a mudança terá sido bem-sucedida virá se os países ricos começarem a prestar atenção no Fundo não apenas em seu caráter de imposição de condições a quem empresta mas também como um interlocutor razoável, como uma entidade equilibrada, capaz de examinar os programas de crescimento econômico tanto dos países industriais como dos emergentes - e apontar inconsistências e riscos.

Será que o FMI já vive uma nova era, no sentido de que de agora em diante sua direção será escolhida com a participação dos emergentes?
- Sim. Seria inviável manter a situação do passado, uma vez que nesta crise, os países industriais perderam a razão ao prescreverem políticas econômicas de austeridade para os emergentes que eles próprios não adotaram. Logo, é impossível para eles dizer que “nós, os ricos, temos o monopólio da razão”. Além disso, os países emergentes estão sendo chamados a colaborar com o fundo, em termos de injetarem recursos e também no sentido de gerarem demanda para a produção global. Seria insustentável que um pequeno número de países continuasse a reclamar o monopólio da liderança. Logo, de agora em diante o Fundo terá um processo de seleção aberto.

Faz sentido dizer que o FMI está se tornando uma espécie de banco central mundial - o emprestador de última instância, garantindo liquidez ao mundo?
- Em certa medida, mesmo no passado o Fundo já desempenhava esse papel. A diferença agora é que os países podem vir a sofrer crises sem que tenham nenhuma culpa. Logo, agora tais países necessitam de ‘liquidez pura”, ao invés da liquidez combinada com as condições impostas pelo FMI no passado. No passado, sempre que um país entrava em dificuldade, sempre se concluía - e quase sempre com razão - que tal país estava adotando uma péssima política econômica. Mas a crise atual sugere que é possível que o país em dificuldade tenha alguma culpa, em termos de ter confiado demais no boom mundial de alguns anos. Mas, por outro lado, essa crise, que começou com o subprime nos EUA, acabou criando problemas no Nepal ou no Sri Lanka. Logo, é verdade que alguns países precisam de ajustes, mas grande parte deles vinham adotando políticas fiscais responsáveis e agora se vêem vítimas da falta de liquidez nos mercados globais. Por isso, agora veremos mais injeção de liquidez, através das operações de swap, sem nenhuma condição imposta, do tipo dos ajustes estruturais que vimos no passado. Mas o que o Fundo ainda não fez e o que eu acho que é improvável, é tornar-se um verdadeiro banco central, seguindo essa idéia de que ele tenha a capacidade de emitir moeda. Duvido que isso venha acontecer nas próximas décadas.

Por que não?
- Simplesmente porque os países não iriam confiar numa entidade externa, sobre a qual não teriam um controle político para manter a oferta monetária do mundo. E essa noção de que todo o mundo possa vir a ter uma única política monetária não se harmoniza com a idéia de uma “optimum currency”. E finalmente, creio que temos visto com a União Européia que provavelmente precisamos ter algum vínculo, um sentido de solidariedade no âmbito de uma instituição que tenha a mesma política monetária, no caso de que se um membro se vê em dificuldade, os demais venham em seu socorro. E hoje não vemos esse tipo de solidariedade no mundo. Logo, estamos muito distantes da possibilidade de adotarmos uma única moeda. E hoje o SDR é apenas um direito de tomar um empréstimo.

E o 1,1 trilhão de dólares destinado ao FMI será suficiente para resgatar os países em dificuldade?
- Por enquanto, creio que sim. Em vários casos, mais do que contrair um empréstimo junto ao Fundo, os países precisam de uma linha de crédito, como agora acontece com o México. É possível que um bom número de países não precise sacar o dinheiro, mas tê-lo como reserva. Isso serve para alertar aos especuladores que queiram atacar sua moeda que eles não terão sucesso. Da mesma maneira, serve para assegurar aos investidores que a dívida do país será honrada. Além disso, o Fundo sempre teve a filosofia de que, se você vai atuar em algum país, você sempre tenha um considerável poder de fogo, seguindo a doutrina do (ex-secretário de Defesa americano) Colin Powell. Mas a minha preocupação aqui tem a ver com o futuro grau de deterioração da economia global. Se já tivermos passado pelo pior da crise, tendo a acreditar que essa quantia seja suficiente para manter a confiança nesses países. Mas se a situação piorar, com o aparecimento de contágio entre países de tamanho considerável, novos aportes serão necessários. Outra questão importante, e que só agora começa a ser analisada é de ordem institucional. Será que os países e suas empresas têm as leis e os tribunais necessários para lidar com falências? Creio que os países deveriam estar se ocupando disso agora.

Que conselho o senhor daria a esses países?
- Que eles aproveitassem a crise para fazer essas reformas institucionais, como precaução, porque elas poderiam aumentar o grau de confiança em suas empresas e economias.

Qual a sua opinião ao desempenho do governo brasileiro e da economia brasileira diante da crise?
- Hoje, o problema enfrentado por todos os países, especialmente os emergentes, é precisamente a dificuldade de agir através dos governos. Nos EUA e demais países industriais, há uma rede de segurança social, através de seguro desemprego e outros programas e aí no Brasil vocês têm o “Bolsa Família”. Tais programas devem ser mantidos e reforçados agora. Mas além disso, os governos verão muitas empresas, principalmente as exportadoras, pedindo ajuda. E será muito difícil para os governos dizer não a essas empresas, que podem vir a demitir. Logo, a intervenção feita pelo governo brasileiro segue a mesma linha adotada pelos demais países. Uma vez que as linhas de capital externo foram cortadas, tipicamente o mercado doméstico tem que comparecer — e se ele não estiver em condições de fazê-lo, será a vez de o governo atuar na forma de empréstimos diretos e subsidiados às empresas. Não creio que isso seja o fim do mundo, mas apresenta uma série de problemas, como o governo ser acusado de estar ajudando os amigos e parentes. Esse é um refrão escutado em vários países. Por outro lado, é preciso reconhecer que os governos se vêem numa posição difícil, porque os mercados privados de crédito de fato secaram e o governo passa a substituí-los da melhor maneira possível. Mas certamente haverá favorecimentos, apadrinhamento e outras coisas indevidas. Mas em democracias, se o governo incorrer em graves abusos, ele será constrangido com a publicação de denúncias a esse respeito.

Qual a sua opinião sobre o desempenho futuro da China e da Índia? Elas serão capazes de manter altas taxas de crescimento?
- A atual crise econômica mundial deve acelerar transformações importantes na China. No curto prazo, creio que o país possa apresentar razoáveis taxas de crescimento. Neste ano, espera-se algo entre 6% e 7%, pois a China está retornando ao antigo modelo de fomentar mais investimentos domésticos, financiados por bancos oficiais. Em termos de estímulo econômico, essas são as medidas mais fáceis para o governo chinês adotar. Mesmo antes da crise, porém, as autoridades já pareciam preocupadas com o modelo de crescimento baseado em exportações. Os chineses têm vivido atritos com países industrializados em razão da invasão de seus produtos manufaturados. As autoridades do país sabem que, no longo prazo, seu crescimento terá de vir do mercado interno.

E a Índia?
- O problema na Índia tem sido o crescimento sem reformas institucionais. E agora assistimos aos constrangimentos gerados por esse processo. A Índia precisa dramaticamente que seu próximo governo adote algum tipo de reforma, porque as finanças do país começam a enfrentar sérios problemas. Outro grande problema indiano é a execução de suas políticas. E se o setor privado se tornar de certa forma adormecido durante a crise, cabe ao governo encorajar novas parcerias para criar mais investimentos, especialmente em infra-estrutura. E uma vez que a próxima eleição (que acontece entre abril e maio) envolve uma coalizão bastante moderada, isso pode vir a se tornar problemático para a Índia daqui a alguns anos. Politicamente, a Índia precisa de um governo coeso, capaz de colocar em ordem as finanças do governo e fomentar o investimento em infra-estrutura.

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