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O eterno dilema do câmbio

Thais Folego O câmbio é como um cobertor curto para a economia: se cobre a cabeça descobre o pé e vice-versa. Depreciado, ele vinha ajudando os exportadores e fazendo do setor externo a única boa notícia do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. A forte valorização do real ao longo do primeiro semestre, porém, trouxe de […]

DÓLAR: o câmbio é como um cobertor curto para a economia – se cobre a cabeça descobre o pé e vice-versa / Mark Wilson/ Getty Images
DR

Da Redação

Publicado em 18 de julho de 2016 às 11h26.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h55.

Thais Folego

O câmbio é como um cobertor curto para a economia: se cobre a cabeça descobre o pé e vice-versa. Depreciado, ele vinha ajudando os exportadores e fazendo do setor externo a única boa notícia do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. A forte valorização do real ao longo do primeiro semestre, porém, trouxe de volta a discussão sobre o risco de um câmbio apreciado demais prejudicar as empresas que exportam. Mas se descobre os pés dos exportadores, o câmbio apreciado ajuda a resolver outro grande problema: a inflação. Afinal, em qual das duas pontas está o equilíbrio certo para o Brasil de hoje?

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O dólar chegou a bater 4,16 reais em janeiro, mas de lá para cá sua trajetória tem sido de queda à medida que as perspectivas econômicas do Brasil melhoram e a aversão ao risco no mundo se reverteu. A moeda fechou o mês de junho em 3,21 reais e nos últimos dias, após intervenções do governo, estacionou na casa dos 3,25. De qualquer forma, é mudança brutal em seis meses. As projeções do mercado colhidas pelo Boletim Focus indicam dólar a 3,40 reais no fim deste ano, mas já há quem o projete em 3 reais.

Nesse conflito, em que um fator econômico resolve um problema e acarreta em outro, não há muito o que o governo possa fazer. “O Banco Central não consegue controlar o nível do câmbio, só a velocidade da queda ou da alta. O que ele está sinalizando com as intervenções é que ele não quer que o dólar caia muito rápido”, avalia Simão Silber, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP.

A forte queda do dólar frente ao real deve fazer com que a inflação caia mais rápido, uma vez que o repasse do câmbio para os preços será menor. Isso, no entanto, deve ser sentido com mais força no ano que vem. A previsão do mercado para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para este ano é de 7,26%, após ter atingido 10,67% em 2015, a maior taxa desde 2002. “A apreciação do real traz a inflação para baixo, abrindo espaço para a queda dos juros, o que ajuda na recuperação da economia”, afirma Felipe Salles, economista do Itaú Unibanco. O banco reduziu sua projeção para o dólar na semana passada, de 3,65 reais para 3,25 reais no fim do ano.

O Banco Central tem sinalizado que não deve cortar a Selic, atualmente em 14,25% ao ano, no curto prazo para combater a inflação – a próxima decisão sai na quarta-feira. Para alcançar a meta de 4,5% de inflação em 2017, o recado é de que a política monetária precisa ficar apertada por mais tempo. Por conta disso, a equipe de economistas do Itaú – de onde veio o atual presidente do Banco Central Ilan Goldfajn – projeta agora o início do ciclo de corte de juros em outubro (ante a previsão anterior de agosto), com uma redução inicial de 0,25 ponto percentual, aumentando o passo para corte de 0,50 ponto em novembro. A expectativa é que a Selic chegue a 10% em 2017.

A bagunça e a ordem

“Temos que avaliar o equilíbrio geral. Os exportadores lidaram com a moeda depreciada proveniente de uma economia desorganizada que estava caminhando para a insolvência. Agora o governo esta tomando as medidas de ajuste fiscal, endereçando primeiro a inflação para depois resolver o aumento da arrecadação”, afirma Samuel Kinoshita, sócio e economista da Bozano Investimentos, que está revisando sua projeção para o dólar no fim do ano de 3,40 reais para algo próximo de 3,15 reais. “Aquele câmbio [com o dólar próximo a 4 reais] não existe com um país arrumado.”

Em um momento em que a economia começa a dar sinais de que parou de piorar, e as exportações estavam reagindo, é claro que o câmbio poderia ajudar nesse processo de recuperação. A avaliação, porém, é de que isso funciona apenas no curto prazo e que o ideal é fortalecer os fundamentos macroeconômicos. “O lado benigno vai suplantar o maligno na valorização do real”, diz Kinoshita.

Para a equipe do Itaú, esse movimento não coloca em risco o equilíbrio do balanço de pagamentos do país no longo prazo. O dólar alto e a atividade econômica vacilante iniciaram no ano passado um ajuste na contas corrente do país com o exterior, com a principal contribuição positiva vindo da balança comercial. “A balança de pagamentos deve continuar boa, apenas não tão boa como antes. O déficit em conta corrente deve voltar a crescer um pouco, mas nada preocupante”, diz Salles. O investimento estrangeiro direto segue em patamar elevado (em torno de 80 bilhões de dólares nos últimos 12 meses) e deve financiar parte deste déficit, enquanto o fluxo de recursos para ações e renda fixa segue caindo.

Uma nova rodada de valorização do real é esperada com o provável afastamento definitivo de Dilma Rousseff da presidência no fim de agosto. O movimento deve ganhar força se o governo de Michel Temer conseguir avanços concretos na agenda de ajustes fiscais ao longo do segundo semestre.

O Brasil e o mundo

A alta da moeda brasileira não é isolada e acompanha o bom desempenho de outras moedas de mercados emergentes. A liquidez no mercado internacional tem sido garantida pela sinalização do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, de que vai demorar mais tempo do que o esperado para subir os juros, além da expectativa de que os bancos centrais de países desenvolvidos possam intensificar seus programas de estímulos para combater os impactos do Brexit, como ficou conhecida a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia (UE). “Isso cria um ambiente benigno para as moedas emergentes”, diz Salles, do Itaú Unibanco.

Com muito dinheiro no mundo, e os países desenvolvidos com taxas de juros próximas a zero, o capital busca países que ofereçam altos retornos. Nessa arbitragem de juros, o país deve ganhar força no radar dos investidores à medida em que o risco político diminui. “Com a maior taxa de juros real do mundo, o Brasil é o grande Peru de Natal disponível no mercado”, diz Silber, professor da USP. O risco-país medido pelos contratos de Credit Default Swap (CDS) – uma espécie de seguro contra o calote de um país – caiu nesta semana ao seu nível mais baixo em 11 meses.

Mas só o cenário externo não explica o salto de quase 20% do real frente ao dólar neste ano, colocando-o entre as moedas que mais se valorizaram no mundo no período. “O Brasil passa por uma mudança de paradigma político e econômico que justifica a valorização do real”, diz Kinoshita, da Bozano Investimentos. O economista avalia que por mais que o governo de Dilma tentasse propor medidas, não tinha sustentação política para tocar a agenda de reformas e ajustes. Esse cenário de real valorizado só deve ser revertido se uma grande surpresa surgir no horizonte. Para investidores e analistas, é uma possibilidade cada vez menor. Mas ninguém se arrisca em descartar nada.

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