Economia

O essencial sobre o vaivém dos combustíveis

A incerteza impera: qualquer um dos 1.600 juízes federais pode conceder novas liminares

Temer e Meirelles: liminar de juiz do DF coloca o governo em novo impasse (Adriano Machado/Reuters)

Temer e Meirelles: liminar de juiz do DF coloca o governo em novo impasse (Adriano Machado/Reuters)

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Camila Almeida

Publicado em 25 de julho de 2017 às 18h03.

Última atualização em 25 de julho de 2017 às 18h04.

O aumento do imposto sobre os combustíveis, uma das soluções do governo para fechar as contas de 2017, subiu no telhado nesta terça-feira. O juiz substituto Renato Borelli, da 20ª Vara Federal do DF, suspendeu o aumento, que geraria mais 10,4 bilhões de reais ao governo, com o entendimento de que tributos deste tipo devem ser aprovados via Congresso, não por decisões monocráticas do poder Executivo.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que respeita a decisão do juiz, mas que a Advocacia Geral da União vai recorrer. Chega-se, portanto, a mais um daqueles cenários bem brasileiros: o consumidor não sabe quanto paga, o empresário não sabe quanto cobra, o governo não sabe quanto arrecada. O que esperar deste impasse?

A liminar foi concedida atendendo a uma ação popular do advogado Carlos Alexandre Klomfahs. Segundo a petição, o aumento de imposto foi feito por vias contrárias à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Diz o autor do documento que a “majoração deve ser por lei, em sentido formal, e não por decreto” e “vedada a atualização, por ato do Executivo, em percentual superior aos índices oficiais”. “A arrecadação estatal não pode representar a perda de algum Direito Fundamental, não podendo haver, portanto, uma aporia entre a necessidade de arrecadação e os direitos fundamentais constitucionais do cidadão”, afirma o juiz. No curso do texto, o magistrado também aponta vedação da cobrança de tributos antes de decorridos noventa dias da publicação da lei que aumentou o imposto.

A Advocacia-Geral da União anunciou que pretende recorrer. O pedido será apreciado por um dos desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, que aprecia as ações da Justiça Federal do Distrito Federal. Não há prazo para que a decisão seja tomada, podendo inclusive ser avaliada com a mesma rapidez que a liminar na primeira instância.

A incerteza causada por liminares lembra outro caso famoso. Em 2016, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi indicado ao cargo de ministro-chefe da Casa Civil pela ex-presidente Dilma Rousseff, uma chuva de ações populares caiu nas mãos de juízes federais de todo o país. As liminares concedidas e derrubadas fizeram de Lula subir e cair do cargo por três vezes. O mesmo pode acontecer com os preços da gasolina — mesmo que o governo reverta a decisão desta terça-feira, qualquer um dos 1.600 juízes federais pode conceder uma liminar bloqueando mais uma vez o aumento.

Uma saída é que o TRF designe sempre o juiz Renato Borelli para apreciação de causas parecidas, que pelo princípio de “racionalidade do sistema” — ou seja, ações com a mesma motivação e consequências devem ser apreciadas pelo mesmo magistrado, evitando o acionamento constante e inútil da Justiça. Mas, por enquanto, as incertezas continuam.

A equação do preço

O preço final dos combustíveis é resultado de uma equação complexa. A cobrança dos tributos PIS/Cofins na gasolina é a que teve maior aumento nos últimos dias dentre todos os combustíveis: 107%, o que representa um aumento de 41 centavos no preço da bomba que, de acordo com a Agência Nacional de Petróleo, seria uma alta de 11,7%, indo de 3,485 para 3,895 o preço por litro. Com isso, o governo conseguiria arrecadar 5 bilhões de reais até o final do ano. No diesel, a elevação dos tributos é de 86%, enquanto que para o produtor de etanol é de 9%. Já para o distribuidor de etanol, que não pagava esses impostos, a cobrança passa a ser de 19 centavos por litro.

Essa mudança, vale lembrar, veio pouco depois de a Petrobras ter anunciado que acompanharia mais de perto as mudanças de preço do combustível no mercado internacional, alterando o preço nas refinarias mesmo que diariamente, se fosse necessário. Guilherme França, gerente executivo de comercialização da Petrobras, afirmou em entrevista a EXAME Hoje no dia 13 de julho que a expectativa era de que o preço baixasse na bomba, a partir da oferta de um produto mais competitivo.

Mas o preço para o consumidor depende de outros fatores, especialmente em relação à gasolina. “A Petrobras vende o produto para as companhias distribuidoras a partir dos seus polos de venda, como as refinarias e os terminais. Na gasolina, o nosso preço representa cerca de 30% do preço da bomba; no diesel, 50%”, afirma França.

Os outros fatores que compõem o preço da gasolina são justamente impostos e tributos, que até junho deste ano respondiam por cerca de 30% do total, de acordo com o Ministério de Minas e Energia. Também conta o preço do álcool praticado nas usinas, já que ele corresponde por 27% da gasolina vendida na bomba; e margem de distribuição e revenda. O preço do etanol no diesel não tem muita influência, já que apenas 8% do biodiesel vendido nos postos é álcool. A margem de impostos cobrada também é menor, ficando em torno de 20%.

Na teoria, o governo tem justificativa para ter escolhido os combustíveis para dar mais uma garfada nos brasileiros. Em países como França, Alemanha, Itália e Reino Unido, os impostos sobre o combustível correspondem a mais de 50% do preço total. “Lá fora, o governo justifica essa alta cobrança de impostos alegando que eles servem para financiar a infraestrutura de transportes, o transporte público e desestimular o uso do transporte privado. No Brasil, taxar mais a gasolina significa aumentar a tributação para as classes média e alta, que usam mais o carro, o que faz sentido em termos de política”, afirma Edmilson dos Santos, especialista em petróleo e professor da USP.

O momento econômico também permitiu essa alta nos tributos. “O governo, antes, não poderia aumentar essa carga tributária porque pressionaria muito a inflação e, consequentemente, o Banco Central não poderia baixar as taxas de juros, que impactam diretamente as contas do governo. Agora, com a deflação, foi possível mexer nessa política sem ter tanto impacto”, afirma Santos.

Isso tudo, claro, na teoria. Nos últimos dias, a população deu reiteradas mostrar de não ter aceitado um aumento de impostos vindo de um governo que abre o cofre para congressistas votarem de acordo com seus interesses. Borelli não citou nenhum desses fatores em sua decisão desta terça-feira, e se ateve a questões técnicas. Seja como for, sua liminar jogou o governo em um novo período de incertezas.

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