Economia

Fusões podem ser benéficas aos consumidores, diz presidente do Cade

Para Arthur Badin, quando os ganhos de sinergia e escala são repassados para a população, as grandes transações não são um problema

Badin, presidente do Cade: "crise dá oportunidades para empresas brasileiras se expandirem no exterior" (.)

Badin, presidente do Cade: "crise dá oportunidades para empresas brasileiras se expandirem no exterior" (.)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

As fusões e aquisições começaram o ano em alta no Brasil. Animadas pelas perspectivas de expansão da economia nos próximos anos, empresas de todos os portes foram a campo em busca de boas oportunidades de negócios. Mas o que mais chama a atenção é a crescente escala dos acordos. A recente compra da petroquímica Quattor pela Braskem criou a oitava maior companhia do setor no mundo. Nos últimos dias, Camargo Corrêa e Votorantim, duas gigantes do ramo de cimentos, disputam palmo-a-palmo participações acionárias na portuguesa Cimpor - e o resultado final terá impactos concretos sobre a concentração do setor no Brasil.

Todo esse frenesi é sentido também em Brasília, onde o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) é o órgão responsável por verificar se os acordos podem lesar a livre concorrência e os consumidores. Para o presidente da autarquia, Arthur Badin, qualquer que seja a escala do negócio, o importante é garantir que os ganhos de sinergia beneficiem a população. Em entrevista ao Portal EXAME, Badin afirma também que é preciso eliminar "gargalos jurídicos" para que o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência possa responder com maior rapidez às demandas.

Portal EXAME - As transações envolvendo empresas brasileiras estão cada vez mais complexas, seja criando grandes grupos nacionais, seja marcando a internacionalização das empresas. Que tipo de desafios a análise de processos desse porte traz para o Cade?
Arthur Badin -
Acredito que esses casos não tragam, do ponto de vista técnico, complexidade para a qual a economia e o direito antitruste já não tenham instrumentais teóricos e metodológicos suficientes para lidar. Quem conhece o estado da arte e acompanhou sua evolução recente não terá qualquer surpresa em relação às decisões do Cade nesses casos.


Portal EXAME - Alguns especialistas em direito concorrencial afirmam que o Cade está cada vez mais conservador, adotando acordos de reversibilidade mesmo em casos desnecessários. O senhor concorda?
Badin -
Não acredito que o Cade tenha alterado o padrão de decisão nos últimos quatro anos. Uma conquista notável no sistema brasileiro de defesa da concorrência é a razoável estabilização da jurisprudência e o aumento da previsibilidade na aplicação do direito e da política antitrustes.

Portal EXAME - A preocupação fundamental do Cade é preservar o ambiente de concorrência. Como conciliar a necessidade de escala crescente das empresas com a livre concorrência?
Badin -
Entendo não haver contradição entre esses dois objetivos. Se os ganhos de eficiência forem compartilhados com os consumidores, a operação será benéfica para toda a sociedade. A diminuição da pressão concorrencial pode, às vezes, ser compensada com ganhos de eficiência tais que, no final das contas, o bem-estar agregado de toda população aumente. Essa análise é sempre feita caso a caso. O que o Cade deve combater é o abuso do poder econômico, que leva a aumento de preços, restrição da oferta e alocação ineficiente de recursos na economia, o que no limite implica diminuição do emprego, da renda e do crescimento econômico.

Portal EXAME - Algumas consultorias esperam um aumento do número de fusões e aquisições neste ano. A estimativa é de que haja 700 operações neste ano, ante 630 no ano passado. Como o senhor avalia essa retomada dos negócios?
Badin -
Após a crise, é natural que haja um reposicionamento dos investimentos em todo mundo. A crise depreciou vários ativos e com isso abriu boas oportunidades de negócio. Considerando que os efeitos da crise foram menos graves no Brasil, empresas brasileiras têm a oportunidade de expandir seus negócios para além das fronteiras nacionais.


Portal EXAME - O Cade está preparado para esse aumento da demanda? Que medidas o conselho está tomando?
Badin -
Mais do que aumento do número de casos, operações maiores vêm ocorrendo desde a crise. O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência não tem condições, hoje, de responder a essa demanda de modo satisfatório, ou seja, tecnicamente adequado e em prazo economicamente razoável. Esse grau de excelência somente será possível de ser alcançado com a aprovação do Projeto de Lei 06/09, que aguarda votação no Senado Federal. Esse projeto eliminará os gargalos jurídicos que impedem, hoje, o Cade de responder com o mesmo padrão de qualidade das autoridades de defesa da concorrência de outros países. O projeto visa reduzir o "Custo Brasil", burocracia e incerteza jurídica que decorrem da nossa lei atual, mediante três objetivos primordiais. O primeiro é a reorganização institucional do SBDC e ampliação dos quadros técnicos. O segundo é a instituição da análise prévia de atos de concentração, com prazos fixos e céleres para decisão final. O terceiro é o aprimoramento e racionalização dos procedimentos administrativos. Esses avanços já foram aprovados pela Câmara. Agora depende do Senado.

Portal EXAME - Desde fevereiro começou a vigorar uma mudança no procedimento, a fim de acelerar a tramitação nos processos. Que tipo de benefícios essa mudança trará para as empresas?
Badin -
A mudança no procedimento é fruto de uma iniciativa conjunta do Cade, SDE, SEAE, Procuradoria do Cade e Ministério Público no Cade. Ela racionaliza o trâmite processual, evitando pequenas fases burocráticas desnecessárias. Estimo que a iniciativa vá economizar aos cofres públicos cerca de 100.000 reais com publicações oficiais. Além disso, permitirá a redução em 20% do tempo médio de análise de atos de concentração em todo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Em 2009, o tempo médio de casos simples ("fast track") foi de 56 dias, e de complexos, 180 dias. 63% dos casos são "fast track".

Portal EXAME - O que o senhor diria para as empresas que estão planejando uma fusão ou aquisição?
Badin -
O Brasil, assim como todas as economias desenvolvidas e civilizadas, tem lei de defesa da concorrência e um órgão técnico e independente para aplicá-la. Não importa o peso ou tamanho da empresa. A decisão do Cade no caso Nestlé/Garoto foi um marco na história da defesa da concorrência no Brasil porque representou um passo importante no sentido do fortalecimento técnico e institucional da autoridade antitruste brasileira. Em 2004, James Amoroso, considerado por duas vezes o melhor analista europeu sobre Nestlé e analista do banco suíço Helvea, afirmou a um jornal brasileiro que a empresa nunca se arriscaria a uma compra desse tipo na Europa e nos Estados Unidos, quanto já tinha 26% do mercado. Para ele, a Nestlé acreditou que seu peso no Brasil podia mudar isso. Ora, o "peso" da Nestlé no Brasil não a coloca acima ou além do alcance da lei e dos interesses da sociedade brasileira. Na mesma época, os professores Celso Campilongo, Ronaldo Porto Macedo e Afonso Arinos Neto publicaram um artigo em que afirmavam que está na hora de dar um basta aos ataques grosseiros ao sistema brasileiro de defesa da concorrência, prestigiá-lo e defender a lei. Segundo eles, o contrário disso é misturar política, direito e economia, como nas ditaduras e nas Repúblicas bananeiras. E assim continuará sendo.

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