Economia

EUA e China sairão antes da crise

Robert Mundell, conselheiro do governo chinês, diz que país pode ter falta de investimentos

Robert Mundell (--- [])

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Da Redação

Publicado em 6 de maio de 2009 às 14h13.

Robert Mundell, Nobel de Economia em 1999, não tem problemas em deixar claras suas previsões sobre o futuro econômico mundial: EUA e China devem ser os primeiros a sair da crise internacional - e uma melhora não demora tanto a aparecer. Porém, o conselheiro do governo chinês lembra que o país sofrerá caso o cenário adverso persista mais que o previsto, sem conseguir o nível de investimentos que necessita para sustentar seu crescimento.

O pior já passou?
- Há um amplo espectro de opiniões a esse respeito. Há os que acham que a crise vai durar um bom tempo - de dois a três anos, ou até mais - e os que acreditam numa recuperação mais rápida. Eu me incluo no lado otimista. Creio que os EUA vão sair da recessão já por volta da metade do ano, começando a se expandir e isso marcará o começo da recuperação. Os primeiros países a mostrarem sinais visíveis de recuperação serão os EUA e a China - e é preciso levar em conta que a China nem se encontra em recessão. Depois será a vez das economias européias, pois elas estão numa situação mais difícil do que os EUA.

E quais serão os sinais de que a recuperação será consistente?
- Nos EUA, um bom indício será a queda nos estoques de moradias e de automóveis. Esses dois setores são críticos para o país. Enquanto esses estoques se mantiverem muito altos, não haverá novas encomendas, por duas razões: as pessoas continuam temerosas de comprar e de perder o emprego e elas também esperam que os preços continuem caindo. Outro grande indicador da recuperação será o retorno da confiança, dado pela valorização das bolsas de valores e pela concessão de novos empréstimos pelos bancos.

E o que acontecerá com a China?
- No ano passado, a China cresceu mais de 10% e esse ano o governo chinês fixou uma meta de crescimento da ordem de 8%. Acho improvável que os chineses consigam tal crescimento, creio que vão ficar entre 6% e 7%. Outra coisa importante é que os chineses produziram um pacote de estímulo bastante efetivo. Eles vão gastar cerca de 600 bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento ao longo dos próximos dois anos. Uma vez que muitas das empresas chinesas são estatais, elas têm agora a vantagem de ser subsidiadas. No meio da crise, sem o dinheiro do governo, muitas delas poderiam quebrar. Os subsídios permitem que a economia chinesa não afunde.

O senhor acredita que a China pode continuar a crescer mesmo que o mundo continue numa desaceleração prolongada?
- No ano passado, as exportações chinesas cresciam a uma média de 25%, um nível muito impressionante. Mas agora todo aquele mercado exportador em alta desapareceu completamente. E ao invés de crescer, agora esse mercado diminui a uma taxa de 20%. Houve uma tremenda reviravolta tanto nas importações quanto nas exportações chinesas. Mas o que acontece na China é algo de certa forma inesperado em termos de demanda doméstica: o consumo tem crescido. E isso já está afetando a indústria automobilística. Mas se essa crise se prolongar, a China terá um grande problema, porque o país não receberá o nível de investimento de que precisa. Certamente a China terá que enfrentar uma taxa maior de desemprego. E hoje já vemos grandes ondas de migração, partindo das cidades em direção ao campo, um retorno que afeta dezenas de milhões de pessoas que perderam o emprego. Elas foram atraídas pelo boom e quando a expansão freou bruscamente, elas se viram obrigadas a voltar para casa.

O crescimento chinês será capaz de estimular o crescimento em outras economias?
- Creio que não, porque a economia chinesa é da ordem de 4 trilhões de dólares, um pouco menor do que a japonesa. Já a economia americana é da ordem de 14 trilhões de dólares. E a zona do Euro é da ordem de 12 trilhões de dólares. Logo, uma economia do tamanho da chinesa é importante, mas ela não será capaz de compensar uma desaceleração de escala global.

Apesar das reivindicações dos países emergentes para a criação de uma nova moeda mundial, que substitua o dólar, esse tema não avançou durante a reunião do G20. Por quê?
- Antes do encontro do G20, o presidente do banco central chinês, Zhou Xiaochuan, chegou a publicar no website do banco central uma proposta para um movimento de criação de uma nova moeda, a partir do uso de SDRs, os direitos especiais de saque, do FMI. Ele disse que é preciso garantir a estabilidade do sistema financeiro internacional. Isso provocou muita discussão, mas ele não obteve nenhum apoio para sua iniciativa entre os demais líderes do G20. E isso aconteceu apesar de que antes do encontro, países como a França, Grã-Bretanha e a Alemanha ensaiaram um apoio à idéia de se reformar o sistema monetário internacional. Mas acontece que o presidente Obama afirmou claramente que ele se opõe a isso. Creio que a idéia não prosperou em parte porque os chineses perceberam que não teriam apoio e então decidiram não se expor a um desgaste. Do ponto de vista técnico, até agora não se chegou a uma fórmula que determine como a nova moeda global seria corrigida. Pode ser que eu esteja exagerando na minha interpretação, mas é possível que alguns líderes já estejam tratando disso nos bastidores. Na hora certa, em futuros encontros do G20, eles poderiam chegar com uma proposta mais bem acabada.

Quanto tempo vai levar para que o mundo tenha uma moeda global?
Isso ainda vai levar vários anos, ou até mesmo décadas para acontecer. Creio que não restam dúvidas sobre a necessidade de se criar uma moeda global, em função de todas as crises e da instabilidade ligadas ao dólar. Entretanto, o outro lado da moeda é que antes da eclosão da crise subprime, o dólar esteve associado a uma expansão da economia global sem precedentes. Todos os países emergentes cresciam rapidamente e até mesmo o FMI estava tendo problemas porque ninguém mais queria recorrer aos seus empréstimos. Logo, nesse período, o dólar produziu coisas boas, prestando um bom serviço à economia global. Mas o custo disso é a instabilidade. Logo, o que precisamos é não apenas substituir o dólar por qualquer moeda global - precisamos de uma moeda que funcione. E a moeda global só vai surgir quando os países emergentes se unirem e pressionarem por sua criação. Mas acontece que até aqui os emergentes não tem demonstrado capacidade de liderança nesse tema. Eles têm deixado as discussões correrem por conta dos EUA ou dos europeus. E os europeus tampouco têm demonstrado capacidade de liderança. Creio que o processo só irá avançar com a ação da China, Brasil e de outros mercados emergentes.

Por que, apesar de ter uma moeda comum, o euro, a União Européia tem demonstrado tanta dificuldade em coordenar uma estratégia de combate à crise?
Não concordo com essa visão. O que para mim é mais impressionante é que desde que a moeda única foi adotada, não tem havido crises profundas dentro da Zona do Euro. Logo, a região tem exibido uma incrível coordenação em termos de política monetária. Se não fosse o euro, a Europa estaria sofrendo muito mais com a crise. A Zona do Euro tem possibilitado que seus países membros se mantenham mais estáveis - e a prova desse sucesso é que hoje os países da Europa do Leste fazem fila para entrar na união monetária. De certa forma, a Zona do Euro é um abrigo para seus países membros, uma espécie de emprestador de última instância. Muitos países de outras partes do mundo, como Ásia, África e a América Latina também acreditam que estariam em melhor situação se eles tivessem um modelo semelhante.

De que maneira a união monetária poderia ser implantada globalmente?
- Existem duas abordagens para isso. Uma seria de baixo para cima, e a outra seria uma abordagem regional. A abordagem regional é bastante lenta e, em minha opinião, não é a melhor. Mas se você não consegue a adesão para uma moeda internacional, o ideal seria que regiões como a América Latina formassem sua própria área monetária. Na região do Pacífico, hoje a moeda chinesa está atrelada à moeda americana. Logo, aí já temos uma área monetária bastante sólida. E se os países latino-americanos também atrelarem suas moedas ao dólar, isso será um instrumento inicial para dar-lhes um bom grau de coordenação, garantindo o poder de conversão em suas próprias economias. No começo, eles nem precisariam usar uma moeda latino-americana diretamente, mas poderiam fazê-lo através de uma zona de câmbio fixo, cuja versão extrema seria o câmbio fixo atrelado ao dólar, com todos os países da região perseguindo a mesma meta. Se houvesse um acordo entre os dois maiores países da região, Brasil e Argentina, os demais países se sentiriam impelidos a seguir na mesma direção. Mas acontece que não é possível que o processo deslanche hoje com o Brasil e a Argentina, porque nenhum deles possui uma história longa o bastante de estabilidade e de coordenação de preços para gerar uma meta confiável de câmbio. É isso que explica a força do dólar americano. Essa tem sido a moeda por mais de um século e as pessoas têm confiança nela. E uma das razões pelas quais a China tem crescido tão rapidamente, é que ela mantém sua moeda atrelada ao dólar. Logo, esse poderia ser um caminho para que a China, o Brasil, Argentina e outros países comecem a se coordenar.

A China continuará investindo em títulos do governo americano, apesar de seu receio declarado de que a moeda americana se desvalorize? E o senhor concorda com Paul Krugman, que diz que ao investir maciçamente em papéis americanos os chineses acabaram vítimas da “armadilha do dólar”? 
- Discordo completamente disso. A China se mantém atrelada ao dólar, no nível de 6,8 yuans por dólar - e hoje este câmbio está fixo novamente - e os chineses não tem o desejo de permitir que sua moeda se aprecie em relação ao dólar. Eles estão satisfeitos com o sistema de câmbio atual. E também não creio que os investimentos chineses denominados em dólar venham a se depreciar em relação a outros tipos de ativos - certamente isso não vai acontecer em relação ao yuan. Na verdade, o dólar terá bastante segurança em relação ao yuan. Agora, por outro lado, os americanos gostariam que o yuan se apreciasse, mas os chineses não querem isso. O fato é que ao redor do mundo, os países precisam de uma reserva em ativos, que também gere remuneração. E historicamente, de longe, o dólar é a moeda de reserva com maior liquidez, segurança e capacidade de remuneração. A China poderia diversificar suas reservas comprando títulos de outros países, mas ela não encontraria nenhum investimento tão atraente quanto o dólar. Não estou querendo dizer que a China devesse investir todas as suas reservas em dólares. Hoje os chineses têm pouco mais da metade de suas reservas em dólar. E não creio que se eles mantiverem esse nível isso será um problema para a China. Estou certo de que isso é um bom negócio para os chineses.

Mas em função da política monetária expansionista adotada pelo EUA, não existe o risco de uma desvalorização abrupta do dólar num futuro próximo?
- É muito difícil prever o tempo disso, embora hoje muita gente esteja preocupada com a grande expansão monetária nos EUA. Mas é preciso levar em conta que a expansão deve ser medida como um aumento na oferta de dólares em relação à sua demanda. E o que se viu no último verão foi um enorme aumento na demanda por dólares e o dólar se valorizando rapidamente. De um lado, o Fed aumentava a oferta de dólares, e de outro a demanda por eles crescia muito mais, porque a maioria dos investidores queria sair de suas posições em ativos dos mercados emergentes. Hoje eu defendo que o Fed continue a comprar ativos, porque o Fed está tão atrás da curva. E os bancos não estão emprestando quase nada e nós não teremos nenhum tipo de recuperação até que os bancos voltem a emprestar. Logo, o Fed precisa manter uma política forte de relaxamento monetário. Eu não gostaria de ver o Fed deixar que o dólar se apreciasse novamente.

No ano passado, o Fed deixou o dólar se valorizar numa taxa de 30% entre 15 de julho e o final de outubro. Aquela foi uma política ridícula, um grande erro, que causou um enorme estrago. Ela foi principal causa do colapso do Lehman Brothers, AIG e de outros bancos. Logo, de agora em diante, a recuperação só virá quando as pessoas estiverem menos sedentas por dinheiro e voltarem a se interessar por produtos reais. Quando isso acontecer, teremos o risco de alguma inflação. Mas não creio que isso vá acontecer esse ano, talvez em 2010, se a recuperação acontecer. E é claro que então o Fed terá que tomar medidas para desacelerar a expansão monetária. Existe ainda um outro fator. É que os demais países acumulam mais dólares, num volume inédito, e eles precisam desses ativos em dólar. E essa demanda vai ajudar a contrabalançar o movimento de depreciação do dólar. Curiosamente, por causa da crise, o dólar tem se tornado ainda mais usado ao redor do mundo.

O FMI está se transformando no banco central global, ao fornecer liquidez para os países em dificuldade?
- Ainda não. O que acontece é que durante o encontro do G20, houve uma promessa de que haveria um novo fundo da ordem de 750 bilhões de dólares para empréstimos. Logo, nesse sentido o Fundo assume o caráter de emprestador de última instância, mas só para países pequenos. O Fundo ainda não tem a capacidade de resolver a situação de países maiores em dificuldades. Em longo prazo, eu gostaria de ver o FMI se tornar o banco central do mundo. Mas existe uma relutância por parte de grandes países - os países do G20 - em conferir tanto poder ao FMI. Existe uma desconfiança generalizada em instituições internacionais. E francamente, nos últimos cinqüenta anos o FMI não fez um bom trabalho. Mas eu apoiaria completamente um renascimento do Fundo e, sobretudo, um aprimoramento na qualidade das decisões tomadas por ele. E espero que mesmo que isso não aconteça durante a minha vida, possa acontecer durante a vida dos meus filhos. Gostaria de ver o Fundo como um banco central do mundo dotado de uma moeda global.

Onde estão hoje em sua opinião as regiões e países sob maior pressão da crise?
- Todos os países correm hoje certo risco, em diferentes formas. Mas vários países emergentes se encontram em situação mais difícil. Como o preço das matérias primas caiu muito, o balanço de pagamentos desses países tende a apresentar déficits. Minha dúvida é saber se o Fundo será capaz de socorrer países maiores, como o Brasil e a Rússia, em caso de necessidade. O risco é que o Fundo tenha que gastar muito para socorrer países grandes e que então não sobre dinheiro para os países menores e mais pobres.

Mas o Brasil tem hoje reservas da ordem de 200 bilhões de dólares e tornou-se credor do Fundo. Não é muito improvável que ele volte a precisar de um socorro do FMI?
- Até agora o Brasil tem se saído muito bem nessa crise. Mas acontece que num momento de choque inesperado, o Brasil e a Rússia poderiam se ver fragilizados. E numa situação como essa, mesmo reservas de 200 bilhões de dólares poderiam desaparecer rapidamente.

E o Japão? Apesar da crise global e da falta de liderança do governo do primeiro-ministro japonês Taro Aso, o país ainda é a segunda economia do planeta. De que maneira a crise continuará afetando o Japão?
- Lamento muito a situação na qual o Japão se encontra. O país não tem um governo forte e honestamente eu não compreendo a política monetária japonesa. No ano passado, mesmo diante da valorização do dólar, o banco central japonês levou o iene a se valorizar ainda mais diante da moeda americana. Isso foi um erro. O Japão precisa de uma política monetária expansionista, deixando que a paridade alcance a faixa entre um dólar por 1,05 iene, ou um dólar por 1,10 iene, podendo chegar até mesmo a 1,15 iene, como já aconteceu no passado.

E qual a sua opinião sobre o sistema financeiro japonês?
- Nos anos 80, ao deixar o iene tão apreciado, o resultado foi devastador sobre os bancos japoneses. Mas então, nos anos 90, a política mudou e os japoneses trabalharam duro para sanear o sistema financeiro, corrigindo os empréstimos inadimplentes. Eles foram muito bem-sucedidos nisso. Mas agora, novamente, a política monetária japonesa põe os bancos do país numa situação de risco. Nenhum sistema bancário consegue tolerar a apreciação de sua moeda num momento de tamanha crise.

Que lições podemos tirar dessa crise e de que maneira ela vai alterar o sistema capitalista no século 21?
- A maior lição é aquela já abordada pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy: uma das maiores causas da crise foi a percepção tardia do extremo grau de instabilidade cambial das principais moedas do planeta. Antes, tínhamos um regime de câmbio fixo, seja na moldura de Bretton Woods ou mesmo antes, até a Primeira Guerra Mundial, com o padrão ouro. Mas desde a ruptura do sistema financeiro mundial, com a tendência de que as moedas flutuem em relação às demais, temos uma sucessão de crises causadas pela instabilidade cambial. Foi assim nos anos 70, depois tivemos o choque do petróleo. Em 1982, veio a crise do Savings & Loans nos EUA que desaguou na crise da dívida internacional. Tivemos a crise da Ásia nos anos 90 e a crise de agora. E todas se resumem a uma única questão: a extrema instabilidade das taxas de câmbio das principais moedas internacionais. Isso reforça a minha tese de que precisamos de uma profunda reforma do sistema financeiro internacional, com o objetivo de se criar um sistema de paridade fixo, estabelecendo-se uma moeda global. Uma economia global precisa de uma moeda global.

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