Eles lá, nós cá
O calote da Argentina não serve de exemplo para o Brasil
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h34.
A moratória relâmpago recentemente declarada pelo governo argentino em relação ao FMI -- suspensa 24 horas mais tarde -- e a subseqüente proposta de pagar apenas 25% da dívida de 90 bilhões de dólares aos credores privados deixaram entre muitos brasileiros a impressão de que, no fim das contas, vale a pena dar o calote e, depois, enfrentar o credor. De acordo com esse raciocínio, errada seria a estratégia adotada pelo Brasil, que vem pagando religiosamente seus compromissos. Será verdade?
Quando um país decide não pagar suas dívidas, toma a decisão após pesar custos e benefícios. Em geral, os calotes acontecem porque o custo de pagar a dívida torna-se politicamente insustentável, e não pela falta de recursos. No caso da Argentina, por exemplo, a moratória veio após o país ter experimentado queda acumulada do PIB de 8,4% entre 1999 e 2001. Era uma situação para lá de insustentável, mas note que o calote não foi uma solução: após a suspensão dos pagamentos, em 2002, o PIB caiu mais 10,9%, acumulando declínio de 18,4% em quatro anos. Para ter idéia do que significa a depressão de nosso vizinho, uma comparação deve bastar. Todo o mal-estar dos últimos anos em relação ao comportamento da economia ocorreu porque o Brasil deverá crescer "apenas" 3% entre 2001 e 2003.
São duas as principais conseqüências de não pagar uma dívida. Primeira: fica difícil obter financiamento internacional nos meses (ou anos) seguintes. Segunda: ocorrem quedas violentas de produtividade. Basta lembrar que a renegociação da Argentina com o FMI não envolveu entrada de dinheiro novo, que o "risco Argentina" é de cerca de 5 500 pontos (contra 670 pontos do Brasil) e que o mercado financeiro internacional está fechado para a Argentina -- e não para o Brasil.
Estudos envolvendo as séries de países que deram calote sugerem que, com o passar dos anos, os custos de não pagar a dívida superam largamente os eventuais benefícios de curto prazo. Nos anos 80, o crescimento do PIB de países "caloteiros" (incluindo o Brasil) caiu cerca de 2,5 pontos percentuais ao ano como resultado da contração de investimentos externos, da elevação dos juros e da queda de produtividade.
É verdade que esses custos não ocorrem para todos os países indistintamente. Por exemplo, a moratória da Rússia não foi seguida de juros altos, fechamento do mercado de capitais e queda do PIB. Antes de tirar lições apressadas, convém olhar alguns dados. Na Rússia, a relação entre dívida externa e exportações, que é uma medida da capacidade de pagamento da dívida, é de 140%. A soma de exportações e importações, que mede o grau de abertura da economia, representa 60% do PIB. E a participação dos gastos do governo no PIB, medida da presença do Estado, é de 15%. Os mesmos números no Brasil são, respectivamente, 330%, 22% e 35%. Tradução: o Brasil gera menos moeda forte para pagar dívidas, é mais fechado e tem um Estado fantasticamente maior. Entende-se daí por que o risco associado aos papéis brasileiros é de 670 pontos, contra 250 pontos da Rússia.
Conclusão: o calote da dívida é uma decisão difícil, geralmente tomada quando a situação do país é crítica e tipicamente associada a custos enormes que perduram por muitos anos. A Argentina está e continuará pagando um preço alto por suas decisões. E o Brasil não ganharia nada seguindo seu exemplo. Aliás, uma parte do prêmio de risco pago pelo Brasil decorre do passado não lisonjeiro de moratórias, algumas voluntaristas. O esforço, até agora bem-sucedido, de construir uma boa reputação no mercado internacional é bem-vindo e terá benefícios a longo prazo para todos os brasileiros.
Celso Toledo é sócio da MCM Consultores. Fábio Kanczuk é professor de economia da FEA-USP