Economia

Para Claude Shannon, é brincando que se trabalha, mostra livro

Claude Shannon, um gênio praticamente desconhecido, ganha finalmente sua biografia. E ela está cheia de… informações úteis

CLAUDE SHANNON, EM FOTO DE 1952: talvez seja exagero compará-lo a Einstein… mas nós hoje vivemos na Era da Informação, não na Era da Relatividade / Keystone/ Getty Images

CLAUDE SHANNON, EM FOTO DE 1952: talvez seja exagero compará-lo a Einstein… mas nós hoje vivemos na Era da Informação, não na Era da Relatividade / Keystone/ Getty Images

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Da Redação

Publicado em 13 de janeiro de 2018 às 07h35.

Última atualização em 13 de janeiro de 2018 às 10h56.

A Mind at Play: How Claude Shannon Invented the Information Age (“Uma mente brincando: como Claude Shannon inventou a Era da Informação”, numa tradução livre)

Autores: Jimmy Soni e Rob Goodman

Editora: Simon & Schuster

384 páginas

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O termo “analógico” passou a ser identificado, nos últimos anos, com a noção de ultrapassado, antigo. É uma injustiça. Analógico vem de analogia – a arte de pensar traçando paralelos com outras coisas. O raciocínio humano é, basicamente, analógico: pensar só é possível pela construção de relações entre diferentes objetos ou situações. Um relógio analógico, por exemplo, marca as horas imitando a sombra do Sol ao redor de um poste. O digital se refere apenas a uma convenção dissociada da natureza.

Até os primeiros computadores eram analógicos. A ideia era construir um modelo matemático que resolvesse as mesmas equações de um problema real (a construção de uma ponte num local de ventania, por exemplo). A solução a que o computador chegasse valeria para o mundo real por analogia.

Na década de 1960, porém, o mundo começou a se tornar digital. Outra injustiça. O termo “digital” vem de dígitos, ou dedos. Passou a representar números porque as pessoas, pelo menos nos remotos tempos antes das máquinas de calcular (aquele app que fica no celular), costumavam usar os dedos para fazer cálculos.

Digital, portanto, deveria ser um mundo com pelo menos dez opções. Mas são só duas. O zero e o um.

Não é difícil entender como o pensamento digital tomou conta do mundo. O mundo analógico vive no talvez – na esperança de o modelo ter capturado a essência do real. O mundo digital vive na certeza: sim ou não, liga ou desliga. E todo o mundo prefere a certeza, ainda que propensa ao erro, à incerteza.

Por mais que hoje a pujança do mundo digital seja onipresente, ele só passou a existir porque alguém abriu a porteira, subvertendo os paradigmas da comunicação. Esse alguém foi Claude Shannon, tido como o pai da Era da Informação.

Embora venerado por quem é da área, Shannon é bem menos conhecido que outros heróis do pensamento moderno, como Albert Einstein (compreensivelmente) ou Alan Turing (o gênio britânico que ajudou a inaugurar a era da inteligência artificial). Menos até do que Steve Jobs ou Bill Gates, que fizeram fortuna com engenhocas que só se tornaram possíveis graças a Shannon (e seus entusiasmados seguidores).

Já estava na hora de Shannon ganhar uma biografia à altura de suas contribuições. E ela veio, pelas mãos dos jornalistas e escritores Jimmy Soni e Rob Goodman. Chama-se A Mind at Play: How Claude Shannon Invented the Information Age (“Uma mente brincando: como Claude Shannon inventou a Era da Informação”, numa tradução livre).

Menos é mais

Se você nunca ouviu falar de Shannon, o começo do livro pode ser um pouco árduo. Os autores começam estabelecendo a genialidade dele – embora na infância sua irmã mais velha fosse a estrela da família: só tirava A na escola, tocava piano e atormentava o caçula com quebra-cabeças matemáticos que inventava.

Na juventude, no entanto, Shannon já era considerado um prodígio. Aparentemente, por qualquer pessoa que tivesse contato com ele.

Quando fazia um curso de voo do MIT, o instrutor escreveu uma carta ao presidente da universidade pedindo sua exclusão da turma. “Estou convencido de que Shannon não é apenas incomum, mas de fato um quase gênio, uma promessa incomum”, disse. Queria bani-lo das aulas porque não valia a pena correr o risco de perder um cérebro desses num acidente. (O diretor negou o pedido, e Shannon fez o curso.)

Também há no livro algumas explicações matemáticas cansativas para os leigos e superficiais para os especialistas. Em poucas páginas, porém, o quadro começa a se formar e dá para entender por que Shannon é tão especial.

Antes dele, todos pensavam que a comunicação envolvia os problemas de transmitir a linguagem escrita, a linguagem falada, fotografias, vídeo… Cada caso requeria diferentes formas de se comunicar, e vencer o obstáculo das interferências. Shannon demonstrou que não, pode-se traduzir qualquer mensagem em um código binário – e transmitir dígitos binários é muito mais simples, com a possibilidade de praticamente eliminar os ruídos.

Antes dele, uma informação era um telegrama, uma fotografia, um pedaço de texto, uma música. Depois dele, informação virou uma abstração identificável, ganhou uma unidade que lhe permite ser quantificada: ela virou bits (o termo veio como sugestão de um colega, praticamente a única inserção de alguém num trabalho radicalmente individual).

A grande revolução de Shannon, totalmente contra-intuitiva, é de que a mensagem não tem nada a ver com a transmissão. Isso talvez pareça óbvio hoje em dia, mas é porque nós vivemos num mundo transformado por esse insight.

Shannon não tirou sua tese do nada. Sua maior influência foi o matemático inglês George Boole, que no século 19 lançou um livro de título presunçoso – cuja arrogância era plenamente justificada: As Leis do Pensamento. Nele, Boole demonstrou que o pensamento pode ser descrito a partir de umas poucas operações fundamentais, como “e”, “ou”, “não”, “se”.

O “ou” equivale a uma soma. Se você quer saber, por exemplo, quantos brasileiros são engenheiros ou arquitetos, basta somar o número de engenheiros ao de arquitetos. O “e” equivale a uma multiplicação (das probabilidades).

O pulo do gato de Shannon foi perceber que qualquer sistema pode ser transformado em uma série de expressões cuja solução seja “sim” ou “não”. Ele fez isso primeiro em 1937, em uma tese de mestrado que analisava circuitos elétricos. E de novo em 1948, em seu trabalho “Uma Teoria Matemática da Comunicação” – que em menos de um ano deixou de ser “uma teoria” e se tornou “a teoria”.

De uma tacada, Shannon resolveu o que parecia ser um intransponível problema da transmissão de mensagens: o ruído. A medida de uma informação não está nos símbolos enviados, e sim nos símbolos que poderiam ter sido enviados mas não foram. Ela quis dizer faca ou vaca?

Para solucionar esse problema, recorria-se à redundância (falar duas, três vezes) ou à força (gritar).

Mas entre um e zero só há uma escolha, o que significa que não há uma gama absurda de opções – e de chances de erro. Shannon mostrou que as mensagens podem ser transmitidas praticamente sem ruído, contanto que possam ser transformadas em dígitos.

Literalmente, menos é mais. Menos possibilidades de se confundir leva a mais acurácia na comunicação.

Brincar a sério

Poucos trabalhos acadêmicos podem se vangloriar de terem provocado um impacto tão forte. O livro de Shannon tem mais de 91.000 citações em artigos científicos. Com ele, Shannon levou o estudo da informação a um patamar completamente diferente.

São herdeiros de sua obra as comunicações por satélite, a internet, os sistemas de comunicação por celular. Como dizem os biógrafos Goodman e Soni, talvez seja exagero comparar Shannon a Einstein… mas nós hoje vivemos na Era da Informação, não na Era da Relatividade.

Tudo isso explica o subtítulo do livro, a parte de que Shannon inventou a Era da informação. E o título?

Ocorre que Shannon era peculiar. Bem peculiar. Ainda jovem, não conseguiu se decidir entre o estudo abstrato da matemática e sua propensão a fabricar coisas, mexer com geringonças. Por isso fez os dois cursos: engenharia e matemática.

Esse duplo interesse alavancou suas descobertas. Ele chegou a sua tese revolucionária quando trabalhava num dos primeiros computadores do mundo, que ocupava uma sala inteira e funcionava por circuitos que eram ligados ou desligados (daí veio, provavelmente, seu insight).

Até o fim da vida, Shannon gostou de experimentar. Pensava brincando e brincava pensando.

Entre suas inúmeras criações estavam máquinas de jogar xadrez, robôs que faziam malabares, um trompete que lançava fogo, uma máquina para resolver o cubo mágico, um teleférico que saía de sua varanda para a beira do lago em frente à sua casa, bonecos autômatos de vários tipos e tamanhos, um sapato de espuma para andar sobre as águas… até um dedo indicador que ficava em seu escritório/laboratório para avisá-lo de que sua mulher o estava chamando (ela puxava uma cordinha na cozinha, o dedo apontava para ele subir).

“A maioria dos matemáticos se preocupa em gastar tempo com problemas de dificuldade insuficiente, o que eles menosprezam como ‘problemas de brinquedo’”, dizem os autores. “Claude Shannon trabalhava com brinquedos de verdade em público!”

O fato de ele ter sido reconhecido tão cedo como um gênio ajudava. No Bell Labs, Shannon tinha o privilégio de trabalhar de porta fechada – quase uma heresia no ambiente que pregava colaboração entre pesquisadores. Ninguém o importunava com questões mundanas como querer saber o que ele estava produzindo.

Quando ele aceitou um cargo de professor do MIT, o diretor do Bell Labs o manteve na lista de pagamentos, porque sua contribuição tinha sido tão boa que ele não podia arriscar vê-lo na pobreza. Ele não só tinha esses dois salários como também foi convencido a investir em companhias de colegas ou alunos em seu nascedouro – e que depois viraram grandes empresas.

Shannon brincava a sério. Como quando foi dar uma palestra em Londres e, ante as dificuldades de guiar pelo lado esquerdo da pista, imaginou um sistema para reverter as percepções do motorista, por meio de um jogo de espelhos e ajustes na direção do carro.

Ele era tão ocupado com o que lhe interessava que deixava de publicar artigos – às vezes artigos que trariam grandes avanços a diversas áreas.

Como disse Irwin Jacobs, então estudante do MIT e depois fundador da Qualcomm: “as pessoas iam até ele discutir uma ideia, consultá-lo sobre como estavam lidando com o problema – e então ele ia até um de seus arquivos e sacava um artigo não publicado que cobria aquele assunto muito bem!”.

Como resolver problemas

Se há algo a aprender com o modo de Shannon trabalhar, ele o explicitou em uma palestra intitulada “Pensamento Criativo”. Segundo ele, ao deparar com um problema você pode começar tentando simplificá-lo. “Quase todo problema que aparece vem cheio de todo tipo de dados; e se você conseguir limpar o problema até suas questões principais, vai ver mais claramente o que precisa fazer”.

Se a simplificação for difícil demais, o segundo passo é tentar circundar o problema com respostas existentes para questões semelhantes, e então deduzir o que essas respostas têm em comum. É isso o que diferencia um especialista de verdade: sua mente está repleta de perguntas e respostas, um vocabulário de questões já respondidas.

Um terceiro método é resolver o problema por semelhanças, tentando reformular a questão. “Quebre alguns blocos mentais que estão segurando você”.

O quarto é uma análise estrutural do problema: quebrá-lo em pedaços menores, mais simples de resolver.

O quinto é inverter o problema. Imagine que a sua conclusão é verdadeira e tente provar as premissas a partir daí.

Finalmente, a última recomendação: uma vez achada a solução, investigue até onde ela vai. Procure outros problemas que ela resolva, ou estique-a até outras consequências. É comum que uma teoria seja desenvolvida para resolver um problema muito específico, e depois vem alguém que a generaliza. “Por que esse alguém não pode ser você mesmo?”

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