Economia

Dólar caro já começa a mudar os hábitos de consumo dos brasileiros

Importadores de vários setores já esperam queda de vendas ou substituição por produtos nacionais se a moeda americana continuar no atual nível

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 12 de outubro de 2010 às 17h18.

Desde a abertura comercial, no início dos anos 90, os brasileiros estão acostumados a consumir artigos importados. A prolongada queda do dólar, causada pela maciça entrada de recursos nos últimos anos e pelos superávits comerciais, acentuou a presença dos artigos estrangeiros no país, como vinhos, alimentos e veículos. Mas esse cenário deve mudar nos próximos meses. A persistência da moeda americana em níveis acima dos 2 reais e a necessidade de reposição dos estoques dos importadores com uma taxa de câmbio maior devem pesar no bolso dos brasileiros. A resposta será uma redução do consumo de artigos que não possuem similar nacional ou a troca do importado por um concorrente verde-amarelo.

Um dos setores que já sentem claramente a disparada do dólar, desde meados de outubro, é o de turismo. Segundo a Associação Brasileira de Agências de Viagem (Abav), as vendas de pacotes internacionais estão 30% abaixo da expectativa do que seria comercializado. Desse percentual (??), a metade veio de clientes que trocaram uma viagem ao exterior por um destino no Brasil. O restante simplesmente não fechou nenhum pacote. Quem mais sofreu foram os destinos mais caros, como a Europa e o Extremo Oriente. Já as mais beneficiadas foram as cidades litorâneas do Nordeste e do Rio de Janeiro. "Num primeiro momento, a instabilidade do dólar pesa mais que o valor do pacote. As pessoas ficam inseguras para fechar uma viagem", afirma Leonel Rossi Júnior, diretor de Assuntos Internacionais da Abav.

O retorno dos destinos nacionais ao roteiro da classe média e média alta é detectado também por outros observadores. Segundo Altair Rossatto, sócio da consultoria Deloitte para a área de varejo, uma pesquisa feita em conjunto com a consultoria Gouvêa de Souza & MD mostrou que 91% das intenções de viagem dos brasileiros para os próximos dois anos são para cidades brasileiras, o que indica o peso do dólar nas decisões.

Como quem viaja precisa de um lugar para se hospedar, o setor hoteleiro também assiste a uma reação verde-amarela. "Desde outubro, há mais brasileiros nos hotéis", afirma Álvaro Bezerra de Mello, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih). Segundo Mello, esse fluxo já vinha crescendo desde que o dólar começou a cair, pois o Brasil começou a ficar "caro" para os estrangeiros. Por valores similares de pacote, muitos estrangeiros preferiram conhecer outros destinos, abrindo espaço para os brasileiros nos hotéis. No longo prazo, se a moeda americana se mantiver cara, Mello acredita que parte dos turistas de fora volte. Mas a participação brasileira continuará forte, porque viajar para o exterior ainda pesará no bolso.

Automóveis

Outro setor que deve sentir o baque é o de carros importados. "O dólar alto afeta sim os negócios, e já se começa a perceber isso", afirma Jörg Henning Dornbusch, presidente da Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores (Abeiva). Assim como no setor de turismo, por enquanto, o que mais assusta os clientes não é o preço do dólar, mas a sua forte volatilidade - ou seja, o fato de ser difícil prever em que patamar ele vai estabilizar. "Isso torna mais difícil para o comprador tomar uma decisão", diz.

Segundo Henning, o estoque de veículos à disposição dos brasileiros ainda foi importado com um câmbio menor que o atual. Por isso, muitas revendedoras ainda não repassaram o aumento. Mas é provável que comecem a fazê-lo a partir de janeiro. Entre o final de agosto e esta quarta-feira (10/12), o dólar acumula uma alta de 49%. Como a pancada é muito grande, Henning afirma que é provável que as importadoras não repassem integralmente o aumento aos clientes.

A queda das vendas já é sentida nos últimos meses. Em outubro (últimos dados disponíveis da Abeiva), foram emplacados 3.236 importados no país. O volume é 8,51% menor que em setembro. Mas o problema aqui, segundo Henning, não foi o dólar caro, mas a crise financeira, que tornou o crédito mais caro e mais difícil. O impacto do dólar só virá nos próximos meses. "O que vai acontecer, com certeza, é que em 2009 os pedidos de importação vão ser reduzidos", diz.

Alimentos e bebidas

Os bens de consumo não-duráveis, como alimentos e bebidas, também não escaparão. "Com o dólar no patamar atual, em breve o consumidor vai começar a trocar seus hábitos", diz o professor Miguel Lima, coordenador dos MBAs em Comércio Exterior e Negócios Internacionais da Fundação Getúlio Vargas. Para Lima, essa alteração já deve ser percebida a partir de janeiro ou fevereiro.

Os vinhos importados, cada vez mais populares nas mesas da classe média, estarão entre as vítimas. Altair Rossatto, da Deloitte, acredita que o vinho deve perder espaço para a cerveja entre os brasileiros - movimento inverso ao que foi observado nos últimos dois anos. Para o professor Nuno Fouto, do Programa de Administração de Varejo da Fundação Instituto de Administração (Provar/FIA), haverá duas reações. Parte dos consumidores trocará os importados por concorrentes nacionais. Outros, mais resistentes a mudanças, se limitarão a reduzir o consumo de importados, mas sem substituí-los por rótulos brasileiros. O mesmo vale para alimentos finos, como os queijos.

Um sinal de que o consumo de alimentos e bebidas mais sofisticados está caindo são os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. A média diária de importação de bebidas e álcool caiu 4,4% de outubro para novembro, passando para 1,562 milhão de dólares. A cifra é, inclusive, 1,7% inferior à de novembro do ano passado. Já as compras de leite derivados (onde se contabilizam os queijos) baixaram 12,9% de outubro para novembro, chegando a 841 mil dólares por dia. As importações de peixes e crustáceos (em que são registradas iguarias como o bacalhau e o caviar) recuaram 9,1% na mesma base, para 2,980 milhões de dólares por dia. "A classe média vai ser a mais impactada pela alta do dólar, pois é quem adquiriu condições de consumir importados nos últimos anos", diz Fouto, do Provar/FIA.

Informática

A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) rebaixou a previsão de vendas de computadores pessoais para este ano de 13 milhões para 12 milhões de unidades. Entre os motivos alegados, está a alta do dólar, que encareceu os equipamentos. No caso dos importados, o câmbio mais alto eleva diretamente o preço de venda. Já para as máquinas fabricadas no Brasil, o encarecimento dos componentes importados pesa no custo final e precisa ser repassado - ainda que em parte - para os consumidores.

Por isso, Lima, da FGV, espera um aumento do chamado "mercado cinza", composto por máquinas montadas de modo artesanal e, muitas vezes, com componentes de procedência duvidosa.

Os especialistas não têm dúvidas de que a persistência do dólar nos atuais níveis vai mexer com os consumidores. Seja trocando importados por similares nacionais, seja reduzindo as compras, os artigos estrangeiros freqüentarão menos os lares brasileiros nos próximos meses. "O dólar exerce um efeito muito forte sobre o poder de compra", diz Fouto, do Provar/FIA. Muita gente vai se adaptar - de preferência, em algum resort do Nordeste.

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