Como a educação está relacionada com saneamento e crescimento
81% da renda pode ser explicada só pelo município onde mora o cidadão, de acordo com estudo do Instituto Millenium antecipado para EXAME
João Pedro Caleiro
Publicado em 20 de outubro de 2019 às 08h00.
Última atualização em 20 de outubro de 2019 às 08h00.
São Paulo - Capital humano, saneamento básico , educação , e falta de liberdade econômica: alguns dos grandes problemas brasileiros são não apenas graves, mas estão interconectados.
A conclusão é de um estudo feito pelo Instituto Millenium, um think tank de defesa de valores liberais, em parceria com a Eight Data Intelligence, uma consultoria de inteligência de dados, e antecipado com exclusividade para EXAME.
Usando um modelo matemático de regressão estatística, eles cruzaram 70 indicadores de 186 países, além de dados do IBGE e do ranking de liberdade econômica da Heritage Foundation.
O estudo conclui que oito variáveis são muito relevantes para prever o tempo médio em anos que um adulto vai se dedicar aos estudos.
Uma das mais importantes é o percentual de impostos que uma empresa paga e os gastos governamentais: quanto maior forem, menor será o tempo de estudo.
O efeito oposto ocorre nos países em que há maior proteção à propriedade privada: quanto mais alta, as pessoas tendem a estudar mais. O mesmo ocorre com a liberdade para se fazer negócios, ainda que com menor relevância que as demais.
Apesar da correlação, não é possível provar causalidade, ou seja, se uma coisa causa a outra ou se elas estão ligadas ou influenciadas por um terceiro fator ou processo.
Educação e saneamento
Outra conclusão do estudo, dessa vez especificamente sobre o Brasil, é que a Frequência Escolar Proporcional, uma síntese de quatro indicadores que medem se os alunos cursam a série compatível com sua idade, está fortemente correlacionada com o acesso a saneamento básico, água encanada e energia elétrica.
Cerca de 85% dos municípios brasileiros são atendidos por serviços de tratamento de água, esgoto e coleta de lixo, mas isso deixa ainda 75 milhões de pessoas desprovidos.
Apesar de bem posicionado em termos de acesso educacional, o Brasil também tem 11,6 milhões de pessoas que chegaram aos 18 anos analfabetas, o equivalente a 7,4% da população dessa mesma faixa etária.
"A vulnerabilidade da Frequência Escolar a problemas estruturais (cuja resolução não é simples e nem de baixo custo) afeta não apenas o atraso escolar, mas o desenvolvimento do país", diz o estudo.
A taxa de formados no ensino superior entre a população com 25 anos ou mais está em 12,78%, praticamente um terço da média (36,7%) dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - e há estados com índices de conclusão ainda mais baixos do que a média nacional, como Maranhão (7,3%) e Pará (7,9%).
O problema da baixa educação gera efeitos econômicos: os dados internacionais mostram que à medida que aumentam os anos de estudo, o PIB per capita tende a aumentar, com algumas exceções (como Luxemburgo e alguns países árabes).
A taxa de conclusão do ensino superior é capaz de explicar sozinha 85,6% da variação média dos salários da população ocupada. Ou seja: a quantidade de formados impacta diretamente na remuneração de quem está empregado.
81% da renda individual, por outro lado, pode ser explicada só pelo município onde mora o cidadão, um sinal de que oportunidades também tem um fator geográfico.
Há espaços nas regiões Norte, Nordeste e no Extremo Sul do país em que não existe oferta de ensino superior e há municípios com alto índice de desigualdade social cuja única oferta é privada, limitando o acesso.
O estudo identificou que há um "ciclo de perpetuação de déficit social" concentrado em um arco de 2.782 municípios, que cobre praticamente toda região Norte e o Nordeste, e se dissipa com menor intensidade em outras regiões.
Essa área de abrangência concentra exatamente os mesmos municípios com os menores índices de acesso a serviços de saneamento, assim como taxas elevadas de fecundidade e mortalidade infantil.
E isso sem falar em qualidade: o Brasil está praticamente na lanterna entre 70 países na última edição do Program for International Student Assessment (PISA), exame realizado pela OCDE para alunos de 15 anos. A nossa posição é de 63º em Ciências, 59º em Leitura e 66º em Matemática.
Além disso, a Educação Infantil (crianças entre 0 e 3 anos) no Brasil tem uma taxa de escolarização de apenas 30%, praticamente no mesmo patamar dos Estados Unidos em 1930, no auge da Grande Depressão. A primeira infância tem sido apontada por estudos recentes como uma das fases mais importantes para o aprendizado.
Apesar do diagnóstico repleto de desafios, há pontos de esperança no horizonte, seja pela retomada do crescimento ou por iniciativas como a revisão do marco regulatório do saneamento para facilitar o investimento privado, em debate no Congresso. É torcer e trabalhar para que esses fatores parem de se anular e passem a se retroalimentar positivamente.