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As prováveis consequências do sistema de lista fechada

Os políticos brasileiros estão unidos e acuados. Nesta semana, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao Supremo Tribunal Federal 83 pedidos de inquéritos para investigar seus esquemas. Não se sabe quantos políticos estão nesse bolo, mas é certo que ao menos cinco ministros e os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), e […]

CONGRESSO ARGENTINO: o país adota a lista fechada, o que incentiva os deputados a privilegiar o jogo partidária às demandas dos eleitores  / Martin Acosta/ Reuters
CONGRESSO ARGENTINO: o país adota a lista fechada, o que incentiva os deputados a privilegiar o jogo partidária às demandas dos eleitores / Martin Acosta/ Reuters
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Sérgio Praça

Publicado em 16 de março de 2017 às, 18h18.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h16.

Os políticos brasileiros estão unidos e acuados. Nesta semana, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao Supremo Tribunal Federal 83 pedidos de inquéritos para investigar seus esquemas. Não se sabe quantos políticos estão nesse bolo, mas é certo que ao menos cinco ministros e os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB), constam da lista. A implosão do governo é inevitável. Se continuar na presidência, Michel Temer (PMDB) ficará isolado. Considerando que este ano já está, de certo modo, perdido, os políticos estão pensando agora em sua sobrevivência nas eleições de 2018. Nos bastidores de Brasília, uma possibilidade está ganhando força: mudar o sistema eleitoral de lista aberta para lista fechada.

Após três anos de Operação Lava-Jato, estamos chegando ao segundo momento de reação dos políticos no que se refere à mudança em regras que organizam o jogo partidário – ou seja, uma reforma política. A primeira tentativa ocorreu no primeiro semestre de 2015, o ano em que Eduardo Cunha (PMDB) foi a figura mais poderosa da república. Sua proposta predileta era o “distritão”, sistema no qual dirigentes partidários ficariam reféns dos políticos mais bem votados, porque apenas estes se elegeriam, sem “puxar voto” para ninguém. Mas Cunha também colocou em votação o sistema de lista fechada, um enorme fracasso no plenário. Caso vingue agora, será apenas o terceiro caso registrado, na história, de mudança de sistema de lista aberta para fechada, de acordo com Josep Colomer em seu Handbook of Electoral System Choice (Palgrave MacMillan, 2004). A Dinamarca fez a mudança em 1920 e a  Indonésia em 1999.

Lista fechada significa que o eleitor não terá mais a oportunidade de votar em um candidato específico para deputado federal. Escolherá entre as siglas partidárias. Todo voto será em uma legenda. A primeira crítica que se pode fazer a esta mudança é que os partidos brasileiros não têm identidade. Quem diferencia PSD de DEM? PHS de PSC? Provavelmente nem seus próprios integrantes. Como os eleitores farão isso? Haverá óbvias dificuldades, ao menos nos primeiros anos do novo sistema. Mas, a médio prazo, as siglas que não indicarem conteúdo mínimo terão dificuldades para sobreviver. Talvez seja otimismo excessivo, mas os eleitores estão mais escaldados.

A segunda crítica é que o sistema de lista fechada dá poder demais para os líderes partidários. As delações da Odebrecht na Lava-Jato mostram que os líderes funcionam (funcionavam?) como responsáveis pelo financiamento de campanhas dos seus partidos e candidatos individuais. Com a lista fechada, eles teriam também o poder, segundo alguns, de escolher os integrantes da lista do partido. Funcionaria do seguinte modo: digamos que 80 pessoas querem se candidatar a deputado, mas há apenas 16 vagas em disputa. O partido será obrigado a escolher 16 candidatos e colocá-los em uma ordem na lista. Se o partido ganhar 4 das 16 vagas, os quatro primeiros da lista serão automaticamente eleitos. Pode ser, então, que o líder partidário coloque seus amigos para encabeçar a lista. Mas nada obriga que isso seja verdade. É possível, embora menos provável, que o partido faça uma votação entre seus militantes e filiados para escolher a ordem dos candidatos.

Mas é inegável que líderes seriam fortalecidos com o novo sistema. Talvez por isso o PT, ao menos a partir dos anos noventa, tenha sido forte defensor da lista fechada. Costumava ser um partido que dava voz aos militantes e tinha diversas facções internas relativamente fortes. Isso frustrava pessoas como José Dirceu, que queria centralizar poder. Isto acabou acontecendo com a expulsão dos grupos mais à esquerda e a eleição de parlamentares moderados. Na prática, o PT virou um partido de lista fechada.

A impossibilidade de o eleitor escolher individualmente o candidato em quem vai votar tem duas desvantagens. Se eu gosto de um deputado do partido A porque ele representa minha cidade ou minha categoria profissional, agora terei que confiar que ele terá uma boa posição na lista do partido. Posso participar da vida partidária e influenciar sua escolha, mas isso implica dedicar-me à organização. Só militantes e dirigentes perderão tempo com isso. A luta por uma boa vaga na lista será intensa, mas isso é bom, de certo modo. Afinal, no sistema de lista aberta a seleção de candidatos não costuma ser rigorosa. E aí candidatos do mesmo partido lutam por votos entre os eleitores, cada um com suas bases eleitorais, financiamento próprio etc. Isso encarece o custo das campanhas e estimula o caixa dois.

Essa característica – competição intrapartidária – é o maior incentivo para corrupção. Qualquer país cujo sistema leva a esse tipo de competição sofre com ilegalidades. Além do sistema de lista aberta, o sistema com voto único não-transferível (“distritão”) é especialmente vulnerável. Esse sistema vigorou no Japão entre 1947 e 1993. Cada distrito eleitoral elegia, na média, quatro deputados (os mais bem votados, não importa de qual partido). No artigo Who cheats? Who loots? Political competition and corruption in Japan, 1947-1993, Benjamin Nyblade e Steven Reed mostram que distritos com mais insegurança eleitoral (e competição entre candidatos) tinham mais corrupção para comprar votos. “Insegurança eleitoral” significa que aquele distrito não tem “dono” – ou seja, não há um político dominante ali. Nos demais distritos, os atos ilegais serviam mais para enriquecimento pessoal – algo que pode acontecer em qualquer sistema eleitoral.

A lista fechada, no entanto, garante que a disputa entre candidatos do mesmo partido ocorra antes das eleições, mais distante da sociedade e dos possíveis financiadores. Além disso, facilitaria muito a fiscalização do financiamento eleitoral, pois apenas os partidos políticos prestariam contas, já que não haveria candidatos individuais. A única (e imensa) incerteza seria a vontade do Judiciário para declarar ilegais as contas de certo partido. Seriam decisões muito maiores do que as que afetam só um candidato.

De acordo com o cientista político Jairo Nicolau (UFRJ), na última edição de seu excelente Sistemas Eleitorais (Ed. FGV, 2014), mostra que 57 países têm sistemas eleitorais com algum tipo de lista de candidatos. Treze são de lista aberta, como o Brasil. Outros 13 são de lista flexível. O partido propõe uma lista ordenada de candidatos, mas o eleitor tem a opção de votar em candidatos individualmente e alterar a ordem dos eleitos. Por fim, 27 países utilizam sistema proporcional de lista fechada. Entre eles estão 75% dos países da Europa Ocidental. Neste continente, algumas ausências conspícuas são Alemanha (sistema misto: o eleitor dá um voto para listas partidárias, outro voto para candidatos individuais) e França (sistema majoritário em dois turnos).

Não há, portanto, associação entre sistemas (de governo) parlamentaristas e sistemas (eleitorais) de lista fechada. Basta olhar para a Argentina. Apesar de termos ganhado três Copas do Mundo a mais do que eles, temos muitas coisas em comum: partidos clientelistas, presidente com forte poder legislativo, desorganização burocrática (embora a deles seja pior). A principal diferença é que os argentinos usam lista fechada. Segundo o artigo Amateur legislators-professional politicians: the consequence of party centered electoral rules in a federal system (Mark Jones, Sebastian Saiegh, Pablo Spiller e Mariano Tommasi), as consequências são ruins.

Como os deputados argentinos dependem de uma boa relação com os líderes partidários de seus estados, têm poucos incentivos para agirem, por exemplo, em investigações contra o Executivo. E também não se preocupam em legislar. Afinal, não é isso que o líder estadual quer de um deputado. Ele deseja influenciar a burocracia. Caso não seja atendido, é simples: tira o deputado da lista do partido nas próximas eleições. O eleitor não poderá fazer nada. Se não há motivo para pensar que os políticos brasileiros serão diferentes, o fato é que a lista fechada pode não compensar para nós, mesmo que diminua bastante o dinheiro que circula em campanhas eleitorais.

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