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Sem 'amor', casamento de Lula com centrão alivia relação com Congresso, mas terá 'DR' permanente

Mesmo com o iminente desfecho da minirreforma ministerial, acolhendo pleitos de Lira, a tendência é a de que cada votação seja negociada

Mesmo com o iminente desfecho da minirreforma ministerial, acolhendo pleitos de Lira, a tendência é a de que cada votação seja negociada (Leopoldo Silva/Agência Senado)
Mesmo com o iminente desfecho da minirreforma ministerial, acolhendo pleitos de Lira, a tendência é a de que cada votação seja negociada (Leopoldo Silva/Agência Senado)
  • Vital para a agenda econômica, relação pragmática do Planalto com Lira nasce sob o signo da desconfiança;
  • Declarações de Haddad sobre os superpoderes da Câmara evidenciam 'plano B' lulista para sucessão na Casa

Não é segredo para ninguém em Brasília o que Lula e Fernando Haddad pensam e falam, em privado, sobre Arthur Lira. O presidente da Câmara foi pintado como "anticristo" na campanha eleitoral e o sistema de emendas de relator, idealizado e pilotado por ele, recebeu a alcunha de "esquema de corrupção" durante o processo que resultou na vitória lulista no ano passado. O material probatório acerca dos sentimentos mais primitivos que o principal líder do "centrão" desperta em expoentes da gestão do PT é, portanto, farto e bastante recente.

A despeito das diferenças, Lira e o governo estão em adiantado processo de formalização de aliança, que deve oferecer conforto ao Executivo nas votações mais delicadas no Congresso. Em contrapartida, o deputado do PP alagoano espera ganhar um colchão de blindagem política com vistas à reta final de seu mandato na Mesa Diretora e evitar a volta ao baixo clero.

Como todo casamento de interesses, o enlace terá uma lua de mel permeada por declarações mútuas de fidelidade, mas tende a passar por crises constantes e um permanente estado de discussão de relação.

A primeira "DR" está contratada e trouxe efeitos práticos para a agenda do governo antes mesmo da consignação, em cartório, da união: ela se refere à sucessão de Lira.

Na polêmica entrevista na qual criticou os superpoderes da Câmara, o ministro da Fazenda escorregou no sincericídio e evidenciou o desejo do governo de instalar um aliado genuíno no comando da Mesa Diretora da Casa a partir de 2025.

Em Brasília, é voz corrente nos corredores do poder que Lula acalenta a ideia de ver assumindo o lugar de Lira um representante do que é chamado na capital de "centrão do B", bloco alternativo que agregaria siglas mais alinhadas com o gabinete presidencial como MDB, PSD, União Brasil e Republicanos.

Lira decodificou a mensagem e resolveu tirar a limpo o assunto com o presidente da República, no encontro realizado na noite de quarta-feira sob o expediente de discutir a prometida reforma ministerial.

Antes, fez questão de registrar publicamente sua contrariedade com as declarações de Haddad, que até então vinha se destacando na agenda legislativa como "construtor de pontes". O movimento de Lira obrigou o ministro a um constrangedor desmentido em frente às câmeras, feito em entrevista coletiva convocada a pedido do presidente da Câmara.

O episódio da primeira "DR" entre atores do alto escalão do Executivo e o expoente máximo do "centrão" é ilustrativo do status do relacionamento que agora ganha contornos oficiais, dadas as mexidas em ministérios que vêm sendo articuladas nos últimos dias.

Dono de instinto político acurado, Lira fareja sangue com facilidade e transforma crise em oportunidade. No transcorrer da semana, aproveitou-se da agenda negativa que pairou sobre o governo para pedir mais e impor mais condições para o embarque.

O presidente da Câmara alimentou o embate público com o chefe da equipe econômica inspirado na semana que seria de más notícias para o Planalto: apesar das pesquisas alvissareiras, a atividade econômica não empolga, a inflação pode ter repique com alta de combustíveis, o câmbio está em viés de alta por fatores externos e o apagão colocou em xeque a gestão energética.

Nesse contexto, anúncios de adiamento de votações decisivas para o governo e relatos de insatisfação do Congresso com a articulação política e a liberação de emendas parlamentares se alastraram em Brasília.

A consequência prática: mesmo com o iminente desfecho da minirreforma ministerial, acolhendo pleitos de Lira, a tendência é a de que cada votação seja negociada de forma paralela com o QG do presidente da Câmara.

O pragmatismo do casamento com o "centrão" dará fôlego a Lula para reverter algumas das expectativas menos auspiciosas sobre a economia até o final do ano e garantirá alguma margem para o Planalto implementar sua agenda de gastos — cuja largada se dá na redação e discussão da lei orçamentária.

O permanente estado de desconfiança entre as partes, contudo, indica que o acerto de contas definitivo entre Lula e centristas fisiológicos só ganhará contornos mais previsíveis a partir de agosto de 2024, quando se desenhará o orçamento do ano seguinte e terá início, pra valer, a corrida pela cadeira de Lira. Até lá, é provável que eventuais traições sejam toleradas e até consentidas em prol da governabilidade.

Prova de lealdade

Em meio às núpcias de Lula com Lira, são os correligionários mais leais ao chefe do Executivo que começam a questionar as decisões do Planalto. O PSB, partido de Geraldo Alckmin, é o que mais se queixa da fritura do vice-presidente, cujo cargo foi colocado na mesa de negociações com o centrão.

Embora Alckmin não vá se manifestar publicamente, pois segue rigorosamente o protocolo da função, o constrangimento no entorno do vice é inequívoco com os movimentos do chefe visando entregar o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio ao grupo de Lira ou mesmo promover uma troca para acolher ministros que percam a vaga com a minirreforma.

Interlocutores de Alckmin afirmam, nos bastidores, que o vice, cuja fidelidade a Lula está acima de qualquer suspeita, esperava mais habilidade do presidente na condução do tema.